Mulheres CFOs: rede impulsiona diversidade de gênero nas finanças
Monica Miglio Pedrosa
A presença de mulheres em cargos de alta liderança nas empresas brasileiras vem crescendo nos últimos anos devido às ações de diversidade e inclusão impulsionadas por práticas ESG nas organizações. Mas a equidade de gênero em posições C-Level ainda está longe de ser uma realidade.
Se na função de CEO a representatividade feminina em 2022 é de apenas 17% no Brasil, segundo a Pesquisa Panorama Mulheres 2023, esse percentual é ainda menor em áreas tradicionalmente dominadas por homens, como tecnologia e finanças. Mulheres representam cerca de 10% dos CFOs nas organizações, segundo uma pesquisa feita pela empresa de recrutamento Assetz. Se forem consideradas as empresas listadas na Bolsa de Valores nos últimos seis anos, a proporção de mulheres é de apenas 3,8% do total.
São vários os fatores que explicam essa realidade, desde aspectos culturais da sociedade, que não incentiva mulheres à formação em cursos como economia e contabilidade, até resistência e comportamentos machistas enfrentados por líderes mulheres que chegam à função. “Uma CFO mulher é muito questionada pelos pares, devido ao poder que tem na empresa”, conta Lisa Dossi, fundadora do Instituto Sempre Valiosas, que atuou como CFO em grandes empresas antes de tornar-se empreendedora.
Embora estivessem acostumadas a conviver em ambientes majoritariamente masculinos, um grupo de CFOs mulheres presentes no Fórum CFO 2019, evento do Experience Club que reuniu cerca de 130 executivos de finanças no litoral de São Paulo naquele ano, olhou à sua volta e decidiu que precisava agir para mudar esse cenário. Foi ali que nasceu o embrião do W-CFO, uma rede de apoio mútuo criada por 30 cofundadoras em 2020, com o principal objetivo de ampliar o quadro de mulheres em posições de CFO e outros cargos no C-Level.
Atualmente, o W-CFO tem 130 associadas e promove eventos de capacitação técnica e emocional – como um curso de branding pessoal –, mentoria para gerentes financeiras que almejam a cadeira de CFO e aulas de educação financeira e empreendedorismo para mulheres em vulnerabilidade social, entre outras ações.
Conversamos com a cofundadora e Presidente do W-CFO, Angela Pugliese, com a Diretora de Alianças e Parcerias Cláudia Dantas e com a Diretora de Mentoria e Educação Lisa Dossi para entender os principais desafios e oportunidades das mulheres na posição de CFO.
[EXP] – Por que escolheu trabalhar em finanças?
Angela Pugliese – Me formei em economia na PUC-SP e éramos somente quatro mulheres numa turma de 25 alunos. Iniciei a carreira na tesouraria de uma grande empresa e um grande diferencial foi o fato de eu falar inglês. Era a única mulher da equipe. Passei por diversas empresas, trabalhei com relações com investidores, planejamento financeiro, sempre em ambientes muito masculinos. O pior é que quando você começa a conviver com isso acaba normalizando a situação.
Como a W-CFO promove a diversidade de gênero no C-Level?
Temos um grande programa de mentoria, que é feito pro bono pelas associadas, com o objetivo de impulsionar mulheres em posição gerencial a chegar à posição de CFO e outras posições C-Level. Mas também temos o propósito de acolher e dar apoio mútuo às associadas.
Como funciona esse braço de aprendizado?
Recentemente promovemos um webinar com a KPMG que nos apresentou os detalhes da reforma tributária e os impactos nas finanças. Trazemos conteúdo relevante, mas também damos muito apoio emocional. Quando uma associada pede ajuda, seja para um tema técnico ou emocional, sempre há alguém do grupo disponível para acolher. A mulher que é CFO está em uma posição muito solitária, mais até que um homem no mesmo cargo. O W-CFO estimula o networking dentro e fora da rede.
Imagino que seja mais difícil criar uma rede de relacionamentos quando a maioria dos CFOs é homem.
Exato. De certa forma nos sentimos “intrusas” em ambientes predominantemente masculinos. Além disso, a atividade financeira exige muita introspecção, acabamos não priorizando o networking com colegas e isso é muito importante para conhecer novas pessoas e para se fazer conhecida no mercado. O W-CFO promove cafés de networking entre as associadas e com empresas parceiras.
Como funciona o programa de mentorias?
São duas temporadas por ano, já tivemos quatro edições e vamos iniciar a quinta turma no segundo semestre. Duas das minhas mentoradas viraram CFOs, o que me deixou muito feliz. Há uma troca de experiências muito rica, tanto para nós como para as mentoradas.
Quais são os principais desafios que elas trazem para a mentoria? São abordados mais aspectos técnicos ou emocionais?
Ambos, o mais importante é mostrar o potencial que elas têm para se tornar CFO. Com algumas trabalhamos mais os aspectos técnicos, com outras falamos mais do lado emocional. Tenho um Master em Programação Neurolinguística e acabo usando essa técnica nas sessões. Com uma das minhas mentoradas tive que trabalhar 100% do tempo com questões emocionais, porque apesar de ser muito bem avaliada na empresa, ela tinha uma autoconfiança baixa. Em outro caso, a pessoa era fantástica, mas estava desperdiçando muita energia numa briga com seu par na empresa. Recomendei que ela direcionasse essa energia para o seu processo de crescimento.
Como é esse trabalho que a W-CFO faz com mulheres em vulnerabilidade?
Esse é um curso lindo, de finanças pessoais e empreendedorismo. Foi um exercício muito interessante e desafiador o de adaptar o tema das finanças pessoais para pessoas leigas no assunto. Fizemos algo lúdico, só com imagens, criamos uma protagonista que representa uma mulher dessa classe social. Fica mais fácil de ensinar mostrando o exemplo de uma pessoa que passa pelas mesmas situações que elas passam.
Trabalhamos com instituições parceiras, como a Afesu, Capacitame e Amigos do Bem. Eles cedem o espaço e organizam as turmas e nós entramos com o conteúdo. É emocionante participar desse trabalho, todo mundo sai de lá com o coração transbordando. Formamos cerca de 80 pessoas até o momento.
Na sua visão, por que existem poucas mulheres na função de CFO?
Em primeiro lugar há pouco incentivo para as mulheres irem para a área. Quando prestei vestibular para Economia, trabalhava como secretária em um escritório de advocacia. Quando soube, meu chefe disse que “esse não era um curso para mulheres”. Na faculdade, éramos em poucas mulheres, acabávamos nos unindo para os trabalhos em grupo. Em uma apresentação dessas, nosso conteúdo foi um dos mais completos, tiramos uma nota alta, mas o único comentário do professor foi “elas são tão bonitinhas”.
E nas empresas, como esse cenário majoritariamente masculino pode mudar?
É muito difícil para um homem entender o que uma mulher passa em um ambiente masculino. Assim como para mim é difícil falar da questão racial, sobre o que os negros vivem, como se sentem. É por isso que ter lideranças mulheres ou de grupos subrepresentados é essencial em uma organização. Tenho uma história que vai explicar bem isso.
Estava em um jantar ao lado de uma executiva negra, muito reconhecida no mercado, contando a história da minha sobrinha, que estuda Engenharia Aeroespacial. Quando ela chegou na sala de aula, no primeiro dia, o professor falou que ela havia entrado na sala errada. Ela disse que não, que estava inscrita no curso e se sentou. Ao ouvir minha história, essa executiva se surpreendeu com a postura da minha sobrinha e me contou que “se fosse uma aluna negra, provavelmente ela teria saído da sala”. Fiquei chocada, porque nunca havia pensado nessa realidade que os negros têm que passar.
Que conselhos você daria às mulheres para mudar esse cenário?
É um processo que tem que começar dentro de casa. Minha sobrinha nunca ouviu de ninguém que ela não podia ser uma engenheira aeroespacial. Nas empresas, as mulheres precisam acreditar nessa possibilidade. A maioria só se candidata a uma promoção quando preenche 100% dos requisitos. Já os homens, estão no páreo mesmo que preencham só 50% deles. É preciso trabalhar essa confiança da mulher e superar as questões culturais, parar de repetir certos padrões da sociedade.
Lisângela Dossi nasceu em Araçatuba, interior de São Paulo, e desde cedo buscou a independência financeira. Formada em Administração de Empresas na PUC Campinas, iniciou a carreira como estagiária na Xerox e depois foi para a IBM. O inglês foi um diferencial. “Cresci muito rápido na empresa, com a saída de gestores mais antigos após um PDV, e aos 22 anos estava sentada no board, em uma mesa que só tinha homens”, conta. Ela só tinha duas opções: ou enfrentava a situação, ou voltava para a casa dos pais. Seguiu a primeira opção.
Na sua trajetória profissional, Lisa passou por várias empresas, como Nortel, CPFL, Sage e Venturus. “Nas horas vagas, dava palestras sobre finanças pessoais para mulheres, um mundo totalmente novo em finanças que me encantou”, conta. Até que foi chamada para uma palestra na rede Accor, em um programa de empoderamento financeiro. Esse foi o embrião do Instituto Sempre Valiosas, negócio que abriu em 2018. Hoje, atua em educação corporativa e mentoria para mulheres investidoras.
[EXP] – Como foi sua aproximação da W-CFO?
Lisângela Dossi – A carreira de uma mulher em cargo C-Level é muito solitária. Você não tem com quem trocar informações, mentoria, conselhos. Embora o CFO seja o braço direito do CEO, ele é também o seu chefe. Esse trabalho com mulheres no W-CFO me fez redescobrir meu lado feminino. Eu acabei criando uma “casca” para me proteger na carreira, pois aos 22 anos era a única mulher sentada em um board executivo. Para mim, o W-CFO é um grupo de doação, de ter com quem trocar e também de mentoria.
Você está à frente da Diretoria de Mentoria e Educação, quais são as principais ações desse pilar da W-CFO?
Todas as associadas são mentoras pro bono e fazemos um trabalho lindo com as mentoradas, que são gerentes financeiras, com o objetivo de prepará-las para se tornarem CFOs. Na última turma tivemos 62 mentoradas. O braço de Educação foi ainda mais ativado quando resolvemos empoderar as próprias mulheres do grupo a compartilhar seu conhecimento. Temos “ouro” na W-CFO e nosso papel é impulsionar essas mulheres a mostrarem o que sabem, se expor mais.
Quais são os principais desafios para a mulher na área de finanças?
Uma mulher que lida com finanças é extremamente questionada ainda hoje. Seja lidando com o dinheiro dela ou com o da empresa. Em qualquer lista de bilionários divulgada na imprensa, no caso das mulheres há sempre um destaque sobre quantas delas são herdeiras. É como se houvesse uma necessidade de justificar como ela tem aquele dinheiro. Numa empresa, o questionamento é enorme. Já tive que abrir planilhas no meio de uma reunião e fazer simulações muito complexas para provar uma decisão financeira. Esse tipo de atitude não vem do CEO, porque se ele te colocou naquela posição ele sabe do que você é capaz, mas dos colegas, gestores de áreas, principalmente quando você está cortando orçamento deles.
Quais são as principais recomendações feitas às mulheres no processo de mentoria?
A minha geração abriu o caminho, mas as mulheres ainda precisam ser encorajadas a se posicionar quando estão numa mesa de reunião composta principalmente por homens. Eu diria que 70% da mentoria é sobre soft skills, sobre comportamento. Outra recomendação muito importante é investir no networking. Nós mulheres costumamos ficar mergulhadas nas tarefas e esquecemos de mostrar nossa capacidade. Fizemos uma capacitação em branding pessoal aqui no W-CFO, para mostrar a importância disso para a carreira.
Que características destacam as mulheres na posição de CFO?
Nossa capacidade de desenvolvimento de equipe é maravilhosa. As mulheres têm um poder de olhar para o humano, de cuidar da pessoa quando não está bem e de incentivar o potencial da equipe. Em uma das empresas que trabalhei, assumi uma equipe de 22 pessoas. A primeira coisa que fiz foi chamar cada um para uma conversa individual, para conhecê-los. Muitos se surpreenderam com a atitude e disseram que nunca ninguém havia feito isso antes. Para mim é algo tão natural.
Cláudia Dantas teve a influência do pai, diretor financeiro, na escolha da profissão. Mesmo com os alertas dele de que esta era uma profissão difícil, de muito trabalho, ela resolveu seguir a carreira, pois gostava muito de números. Hoje, a executiva se sente realizada na área e destaca que o papel do CFO se tornou muito mais estratégico nas organizações ao longo dos anos.
No início da carreira, após 11 anos de dedicação ao BankBoston, Cláudia entrou para a estatística das mulheres que são demitidas após voltar da licença-maternidade. “Foi um grande aprendizado, porque me doei muito para a empresa, não investi em networking, o que me trouxe limitações após a demissão”, conta. Ela aproveitou essa pausa forçada para ter o segundo filho e investir em um MBA, antes de voltar ao mercado de trabalho. Desde então passou por grandes empresas como CFO, atuou com M&A e participou de conselhos de administração. Atualmente é Diretora de Alianças Estratégicas da W-CFO e CFO na Objective.
[EXP] – Que dificuldades existem na trajetória de uma mulher em cargo de finanças?
Cláudia Dantas – Muitas mulheres ainda vivem situações de desconfiança de seus pares homens em relação à sua capacidade. Conheço histórias de mulheres que chegaram em uma reunião e ouviram frases como “a sala ficou mais perfumada”. Eu adoro quando entro em uma reunião e ouço que “agora o problema vai se resolver”. Queremos ser valorizadas por nossa habilidade, não pelo cabelo, roupa ou perfume que usamos.
Que outros desafios as mulheres precisam superar?
O grande desafio para ela assumir uma cadeira de CFO não está no “tecniquês”, mas no lado emocional. Ela sempre acha que não está pronta, falta confiança. É preciso também tirar a emoção de lado e ser muito racional nas colocações e opiniões. Falta pragmatismo. Nossas argumentações têm de ser baseadas em percepções analíticas, em dados. Eu costumo falar para as minhas mentoradas que os hard skills as trouxeram até aqui (posição gerencial), mas daqui pra frente as soft skills vão pesar mais na posição de CFO.
E que soft skills são mais necessárias?
Habilidade de comunicação, relacionamento, ter uma visão 360 graus, entender o cenário em sua totalidade. De maneira geral, a mulher não investe em networking, ela fica muito atrás da mesa, na entrega. E muitas vezes não tem espaço para ir a happy hour com os colegas, pois tem marido e filhos para cuidar. Networking é sem dúvida uma fragilidade das mulheres e nisso o W-CFO pode contribuir muito.
Leia também:
Uma rede que se abraça e amplia a presença de executivas negras em Conselhos
- Aumentar
- Diminuir
- Compartilhar
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.