Ecomodernismo: uma revolução que deve ser liderada pelas empresas
Por Monica Miglio Pedrosa
Em face do crescente problema ambiental do planeta, é necessária uma verdadeira revolução na forma como vivemos e no jeito de fazer negócios. Diferentemente dos catastrofistas, que pregam um “decrescimento da economia como única saída para evitar o fim do mundo”, o ecomodernismo é um projeto revolucionário, radical e capitalista, que permite o crescimento infinito da economia. Essa é a avaliação do filósofo e escritor francês Luc Ferry, que participou nesta terça-feira, 29, da Confraria de CEOs, evento realizado pelo Experience Club em São Paulo.
“Esse é o paradoxo do projeto, por isso ele é tão grandioso”, afirmou Luc Ferry na Confraria de CEOs, que teve ainda uma palestra de Ana Costa, Vice-Presidente de Sustentabilidade, Jurídico, Reputação e Comunicação Corporativa da Natura &Co na América Latina, falando sobre o ecossistema de sustentabilidade da empresa, e um debate com a mediação da Sócia-líder de ESG na KPMG Brasil e na América do Sul, Nelmara Arbex.
Para uma plateia de 150 CEOs e empresários presentes ao evento, Luc Ferry afirmou que a maior parte dos executivos acredita no desenvolvimento sustentável, mas na prática eles “se contentam em fazer pouco”. Ele defende que é preciso mudar radicalmente o jeito de fazer negócios, para que os impactos sejam do tamanho do problema ambiental que temos de enfrentar atualmente no planeta.
Luc Ferry fez algumas provocações do que pode vir a ser esse movimento radical. A primeira é a dissociação, que separaria as atividades humanas poluentes – principalmente transporte, indústria e agricultura. Dos 8 bilhões de habitantes da Terra, a metade, ou 4 bilhões de pessoas, vivem em apenas 3% do planeta. Se conseguíssemos ocupar até 20% do território, seria possível deixar 80% de terras livres para a natureza selvagem, para a reconstituição da biomassa e da biodiversidade, que seriam capazes de absorver os gases de efeito estufa.
A segunda provocação é reciclar absolutamente tudo o que é produzido. Como exemplo disso, ele mencionou uma regulamentação na indústria de construção civil da França que obriga a reciclagem de 90% dos materiais de demolição. A terceira provocação é que, ao contrário do que imaginávamos, a população está diminuindo em alguns países por conta da urbanização acelerada. Ou seja, a visão catastrofista de que teríamos 12 bilhões de pessoas em 2050 não procede.
Futuro do trabalho
Luc Ferry destacou duas grandes mudanças recentes no modelo de vida ocidental que estão tendo grande impacto no trabalho: a percepção de que a felicidade deve ser buscada agora, e não no futuro, e a inteligência artificial. A primeira foi impulsionada pela pandemia, quando fenômenos como great resignation e quiet quitting, mostraram que as pessoas não estão mais dispostas a se sacrificar em empregos dos quais não gostam, ou a passar tempo com chefes que as tratam mal. A felicidade deve ser vivida agora.
Em relação à inteligência artificial, Luc Ferry mencionou um estudo recente do banco Goldman Sachs que diz que 300 milhões de empregos serão extintos por causa da IA. Ao contrário das revoluções industriais do passado, a IA não vai atingir tarefas manuais, mas as intelectuais, as que são melhor remuneradas. Por exemplo, a tecnologia irá identificar doenças num raio-X de um paciente muito melhor e mais rápido do que um radiologista. Contadores, designers, e várias outras profissões já estão sendo impactadas pela IA. “Fui ministro da educação na França (entre 2002 e 2004) e se ainda fosse ministro a primeira coisa que diria a pais e professores seria que eles orientassem seus filhos a profissões que associem a cabeça (intelecto), ao coração e à habilidade manual”, afirmou.
O filósofo também acredita que estudos de impacto da IA no trabalho estão confundindo “profissão” com “tarefas”. Ele citou o exemplo de sua secretária: a IA faz muito melhor do que ela a tarefa de organizar sua agenda, mas várias outras atividades só podem ser feitas por um humano. Desta forma, a tecnologia será a viabilizadora de tarefas mais nobres para algumas profissões. Falando de tecnologia e ecomodernismo, ele acredita que “não existe nenhuma solução para o problema climático sem tecnologias sofisticadas como a IA.”
Natura: um exemplo de economia circular na prática
Ana Costa, Vice-Presidente de Sustentabilidade, Jurídico, Reputação e Comunicação Corporativa da Natura &Co na América Latina, trouxe a visão de como aplicar, na prática, os conceitos trazidos por Luc Ferry no painel anterior. Para começar, a área de responsabilidade corporativa é transversal a todas as áreas da Natura. “Hoje, estou à frente dessa área, mas qualquer líder de outra área da empresa poderia assumir minha cadeira”, afirmou.
Ela traz dois conceitos muito usados pela empresa: cidadania corporativa e inovabilidade, a inovação com sustentabilidade. “No momento em que representamos um CNPJ, nasce essa responsabilidade, essa cidadania corporativa social e ambiental. Temos um mandato para transformar vidas e construir um legado socioambiental.”
A multinacional brasileira adotou a economia circular como modelo de negócios desde o fim do século passado. O impacto social acontece no ecossistema do próprio processo de produção: desde as 41 comunidades da Pan-Amazônia, que extraem os bioingredientes para os produtos e são remuneradas por isso, até a geração de renda das 7,7 milhões de consultoras e representantes do grupo no mundo (4,1 milhões delas na América Latina).
O impacto ambiental acontece em várias frentes, desde o compromisso de ser uma empresa net zero em 2030 (hoje a Natura já é carbono neutro, ou seja, zera a emissão de carbono que produz em toda a cadeia de valor com projetos de compensação na Amazônia), até o incentivo e contribuição à floresta conservada na região, passando pela criação de 16 polos de biodiversidade amazônicos.
O impacto social e ambiental da Natura é tão impregnado na cultura que não se fala apenas nos lucros e resultados financeiros do Grupo nas reuniões de conselho. A empresa desenvolveu o Integrated Profit and Losses, que mede o impacto socioambiental positivo de suas atividades. Hoje, para cada R$ 1 de receita, a Natura gera R$ 2,7 de impacto.
“Nossos executivos têm metas socioambientais a cumprir, atreladas ao bônus. Desde o onboarding do funcionário, até o dia a dia do negócio, tudo é pensado levando em consideração o impacto. Quando começam a pensar em um novo produto, cada pesquisador tem uma calculadora para medir o impacto dessa produção”, exemplifica.
Para ela, o papel das empresas hoje vai muito além do lucro. Por meio de sua cidadania corporativa, elas devem abraçar problemas sociais coerentes com seu propósito e as causas em que acredita. “Todo executivo tem que ter uma aula de humanidade”, afirmou.
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