Tecnologia

Cesar Gon: o líder será a consciência humana num mundo dominado por IA

Cesar Gon, fundador e CEO da CI&T

Por Monica Miglio Pedrosa

Até o fim da década viveremos em um mundo completamente diferente do atual, com mudanças radicais na forma como consumimos tecnologia, no nosso comportamento como sociedade e no surgimento de novos modelos de negócio e players impulsionados por tecnologias como a inteligência artificial. Essa é a visão de Cesar Gon, CEO e fundador da CI&T, empresa nativa digital fundada por ele em Campinas em 1995 e que se tornou uma empresa global, presente em nove países. Para ajudar a construir esse novo mundo, a CI&T investiu em uma plataforma, o CI&T Flow, para que grandes empresas possam navegar nas oportunidades de negócio geradas pela IA.

“Os dois primeiros atos desse capítulo de inteligência artificial são a eficiência e a hiperprodutividade das organizações; e a hiperpersonalização, que melhora radicalmente a experiência dos clientes”, conta Gon, em entrevista concedida à [EXP] direto de Londres, onde está morando com a família até o início de 2024. A cidade é o ponto de partida para um roadmap que ele vem fazendo por vários países e continentes em que a empresa atua. Nas viagens, o CI&T Flow é o foco principal das conversas com os clientes.

Além do Brasil, a CI&T está presente nos Estados Unidos, Canadá, Japão, China, Austrália, Portugal, Reino Unido e Colômbia. Tem 6.200 colaboradores e reportou um faturamento de R$ 571,8 milhões entre abril e junho de 2023. Em 2022, o lucro líquido ajustado foi de R$ 213,6 milhões, um crescimento de 30% em relação a 2021.

Na entrevista, Cesar Gon falou sobre o novo papel das lideranças turbinadas pela IA. “O líder passa a ser esse representante da consciência humana no mundo, onde vai ter muita inteligência artificial tomando decisão”, afirma. Ele também comenta sobre a ansiedade das equipes devido à insegurança desse novo cenário modificado pela tecnologia e sua visão otimista para o futuro. “Sem essas armas tecnológicas não teremos um caminho para endereçar, numa velocidade razoável, os grandes problemas da humanidade”, acredita.

[EXP] – Em que consiste o CI&T Flow, plataforma de IA para empresas, lançada em julho?

Cesar Gon – Nossa tagline oficial é AI Platform for Hyper Digital e ela nasceu de uma visão da CI&T para essa nova revolução digital que nasceu no fim de 2022 com o impacto do GPT 3.5 no mundo, momento em que a inteligência artificial vira um produto de massa. Entendemos que precisávamos repensar a visão de contribuição de transformação digital da CI&T para nossos clientes, de compartilhar as novas oportunidades de negócio com AI, já que sempre fomos um parceiro muito ativo no primeiro capítulo da transformação da gestão digital com o lean digital. Essa plataforma é resultado de um movimento bastante sólido da CI&T para transformar as oportunidades de IA em algo que pode ser usado pelas grandes empresas tradicionais, que é o nosso cliente típico.

Quais são exatamente essas frentes de atuação do que vocês estão chamando de hiperdigitalização da plataforma?

Esse novo capítulo acontece em três atos. O primeiro ato é a eficiência e a hiperprodutividade em tudo o que a gente faz, tanto na perspectiva individual como na coletiva, empresarial. Isso abre caminho para a hiperpersonalização, que possibilita radicalizar a melhoria dessa experiência que as empresas passam a ter com os seus consumidores, começando pela ideia de que vamos mudar o paradigma da interação homem-máquina. Saímos de aplicações em telas e botões e vamos passar a ter uma interação muito mais humana, baseada em linguagem natural, por texto ou voz. Esse é o segundo ato, a experiência do cliente. O terceiro ato, que é mais difícil de prever, são os novos modelos de negócio que vão surgir com base na evolução desses dois primeiros.

"A incerteza sobre o impacto da IA no trabalho aumenta a ansiedade das equipes. Essa insegurança gera desengajamento, queda de produtividade e de criatividade, tudo o que destrói a competitividade de uma empresa. O papel do líder é traduzir essa incerteza em oportunidade."

Por que os novos modelos de negócio são menos previsíveis?

Porque dependem primeiro da maturidade da tecnologia e também de como o consumidor reage a ela. Esse comportamento vai determinar o desenho dos novos modelos de negócio. O raciocínio das pessoas hoje só visualiza o que é possível escalar com o digital, que é transação e comunicação. Nossas sinapses ainda não foram treinadas para escalar tomadas de decisão complexa, porque a gente acha que isso é uma atividade intrinsecamente humana, mas agora os modelos vão chegar num ponto que não todas, mas uma boa parte da tomada de decisão complexa vai poder ser barata e escalável e feita por algoritmos. Nesse caminho, vamos descobrir essa nova geração de modelos de negócio que certamente vão criar novas empresas e transformar mercados, indústrias. Isso vai acontecer mais para o fim dessa década.

Como, na prática, a CI&T Flow pode ajudar as companhias a navegar nas oportunidades da IA?

Ele é uma resposta para os dois primeiros itens do hiperdigital: é uma plataforma voltada para eficiência e para melhorar a interação homem-máquina, usando uma forma mais humana, baseada em linguagem natural. Estamos criando dezenas de agentes baseados em IA para primeiro capturar a eficiência no próprio ambiente de tecnologia, na produção de soluções digitais, para depois criar uma fundação para os casos de uso. Temos atualmente cerca de 20 grandes clientes da CI&T já trabalhando com a gente nessa plataforma nessas duas perspectivas, eficiência e casos de uso.

De que segmentos são essas empresas?

As que se movem mais rápido são as que têm muito acesso ao consumidor final, como serviços financeiro e varejo, e as que dependem muito de tecnologia. Temos clientes que são bancos grandes e complexos, empresas de telecom, que fazem parte de uma indústria muito dinâmica, de produto, oferta e entender do consumidor, um setor muito baseado em dados. Mas também estamos no setor de educação, temos um projeto que vai ficar muito visível em breve que vai permitir um avanço na qualidade e na escala de uma educação personalizada.

Pode dar alguns exemplos de aplicação nesses clientes?

Quando falamos em eficiência focamos principalmente na própria produção digital. O ciclo todo de desenhar e construir essas soluções digitais que é a própria indústria de tecnologia consumindo a IA para ser mais eficiente. Vai desde a como fazer customer research em escala, usando a IA, como capturar as necessidades de negócio e como transformar isso em material para que os times de desenvolvimento possam gerar testes de forma mais automatizada.  Tem muita oportunidade de eficiência no Flow, no fluxo inteiro de produção de soluções digitais. É o que chamamos de Flow Tech, a AI aplicada à eficiência de tecnologia.

Quando vamos para os casos de uso eles são específicos de cada indústria. Então em customer service, toda a parte de marketing, vendas, atendimento ao cliente, podem ser melhorados com IA, mas como envolve o consumidor fazemos de forma mais conservadora, para ir testando a maturidade e o entendimento da tecnologia.

"Esse líder turbinado por IA é paradoxalmente empurrado para ser um líder muito mais humano. Ele passa a ser esse representante da consciência humana em um mundo onde a IA vai tomar muitas decisões."

Você está atualmente sediado em Londres e tem feito viagens para divulgar o CI&T Flow pelo mundo. Quais são os países-alvo?

Estamos concentrados principalmente nos mercados onde já estamos estabelecidos. Estados Unidos, Inglaterra e Brasil é onde estão acontecendo os primeiros grandes movimentos e onde está concentrada a própria CI&T. Fui recentemente para a Austrália lançar o Flow.

Que diferenças você vê entre essas regiões?

Algumas questões complexas estão sendo discutidas em relação ao impacto da IA na sociedade, a regulação e as culturas empresariais dos países mudam muito. Uma discussão sobre regulação nos Estados Unidos é radicalmente diferente de uma discussão no Reino Unido, devido às diferentes culturas empresariais desses países.

No final, tudo converge mais ou menos para o mesmo ponto, mas os pontos de partida são muitos distintos e acho que isso faz parte de aprender a ser uma empresa global e entender como é que o ecossistema se movimenta em momentos de grande mudança como a gente está vivendo.

Como você avalia os impactos da IA na humanidade?

Tem dois tipos de discussão, uma está no terreno da ficção científica, das máquinas dominando os homens, mas tem menos valor para a realidade que estamos tratando aqui. A IA não vai destruir a humanidade, mas há coisas concretas para endereçar, como a discussão sobre copyright, direitos de propriedade intelectual, sobre perda de empregos.

E realmente a automatização vai impactar em algumas atividades, mas outras vão ser turbinadas pela IA. A tecnologia tem esse impacto de destruir e criar empregos, em geral até cria mais do que destrói, mas não necessariamente para as mesmas pessoas e isso de fato é um problema social. A conta pode ser positiva, mas não significa que não seja uma transição delicada e dolorosa, porque pessoas vão perder seu sustento e não estão preparadas para as oportunidades que a tecnologia está criando.

Em relação às lideranças das empresas, como elas precisam se preparar para o impacto da IA, que skills precisam desenvolver?

Esse talvez seja o maior desafio dessa nova revolução, que é como os líderes se atualizam, se reinventam para liderar no mundo turbinado pela IA. Olhando a história da evolução dos modelos de liderança, saímos de uma liderança Tayloriana, industrial, para uma liderança moderna e depois para uma liderança colaborativa. Eu sou um entusiasta da liderança lean, dessa liderança compartilhada. Conforme vamos entrando no século 21 há cada vez mais a necessidade das essential skills, ou soft skills. Criatividade, empatia, capacidade de gerar propósito compartilhado, de deixar de querer ser o “sabe tudo” da sala para conseguir extrair o máximo da diversidade dos times.

O hard skill vira uma commodity tecnológica. O líder precisa ter skills muito mais humanos para conseguir traduzir a ambiguidade do mundo para uma visão consistente de negócio. Esse líder turbinado por IA é paradoxalmente empurrado para ser um líder muito mais humano. O líder passa a ser esse representante da consciência humana no mundo, onde vai ter muita inteligência artificial tomando muita decisão.

"A tempestade perfeita acontece quando a tecnologia empurra uma mudança de comportamento e essa mudança alimenta a tecnologia."

Falando em paradoxos, nunca tivemos tanta tecnologia e ao mesmo tempo estamos tão preocupados com questões de saúde mental nas empresas.

Se já há uma ansiedade acontecendo no nível da alta liderança, imagina como as equipes estão nesse processo. A insegurança sobre o que vai acontecer com as pessoas nesse novo cenário traz essa ansiedade. Estamos em um momento muito delicado dessa transição e as empresas não perceberam a profundidade dessa mudança. Vamos ter que nos reinventar como líderes para manter uma cultura de segurança, porque o oposto, a insegurança, é o caminho perfeito para o desengajamento, a falta de produtividade, de criatividade, tudo que destrói a competitividade de uma empresa.

Em um mundo com tantas inovações e novas tecnologias, como você faz para diferenciar o que é hype do que é de fato uma tendência na qual as empresas devem investir?

Primeiro é aceitar que essa é uma indústria de hypes. Depois entender que quando você tira a “fumaça” e tem alguma coisa concreta, ela é muito transformadora. Tenho uma veia acadêmica, fiz mestrado [em Ciências da Computação, na Unicamp], meus planos de fazer um doutorado foram adiados por estar à frente da CI&T. Mas sempre mantive laços fortes com o pensamento científico e acadêmico. No outro extremo tem as big techs, as indústrias, que trazem as mega revoluções. Eu procuro casar esses dois mundos: uma visão mais científica e centrada, menos comercial, da academia, que me permite olhar para algo e dar os pesos corretos para o que está acontecendo na indústria. O mais difícil é prever o comportamento do consumidor.

Que, no caso do Chat GPT, teve uma adesão incrível de usuários em tempo recorde.

Digo que é mais fácil prever os desdobramentos tecnológicos do que os desdobramentos de comportamento do consumidor. Por exemplo, eu acredito e advogo que a interação homem-máquina vai mudar para linguagem natural. Mas a gente não sabe ainda se é isso que o consumidor vai querer. A inovação real só acontece quando a tecnologia encontra o comportamento. Uma baita inovação sem adesão em massa do consumidor não transforma a indústria nem os mercados. Eu diria que, de certa forma, a gente consegue mais ou menos ver para onde vai a tecnologia da IA, mas é muito difícil ainda prever como é que o cidadão comum vai encarar essas novas possibilidades tecnológicas e isso vai determinar os espaços de inovação.

Que outras tecnologias além da IA vocês estão mirando para o futuro?

Em um futuro não muito distante aposto numa combinação de tecnologias: IA, computação quântica, conectividade em um nível muito maior do que existe hoje, além de uma mudança de comportamento da sociedade. Isso vai gerar um mundo muito diferente em 2030. Quando chegarmos lá vamos olhar para trás e ver como esses anos mudaram radicalmente a forma com que consumimos tecnologia e como nos organizamos como sociedade. Haverá novos modelos de negócio, novos players. E o marco desse capítulo será novembro de 2022, o lançamento do GPT.

A tecnologia pode ser usada para ajudar nos desafios sociais e ambientais que estamos enfrentando como sociedade?

Esse é o ponto, quando se fala em medo sobre o futuro com IA, meu maior medo é o futuro sem IA.  Será que a gente não vai endereçar os desafios de educação com uma oferta de qualidade global? Será que uma menina africana não pode ter o mesmo acesso à educação que alguém no Silicon Valley? Finalmente podemos ter uma visão de tecnologia para saúde e educação, os dois grandes pilares de revolução da sociedade. Resolver também os grandes problemas de aquecimento global, de clima, usando a tecnologia. Minha visão é otimista, acredito que sem essas armas tecnológicas não teremos um caminho para endereçar numa velocidade razoável os grandes problemas da humanidade.

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