“Os hospitais do futuro serão menores e mais especializados, apoiados por um ecossistema de saúde”
Monica Miglio Pedrosa
Um futuro em que as pessoas utilizam wearables ou outros dispositivos inteligentes para monitorar sua saúde, realizam atendimentos por telemedicina e praticam o autocuidado para atuar proativamente por sua saúde e no qual os hospitais se tornam hubs mais especializados, apoiados por um ecossistema de saúde, como cabines conectadas, ou atendimento em farmácias, para o monitoramento dos primeiros sinais vitais.
Essa é a visão de Denise Santos, CEO da BP – Beneficência Portuguesa de São Paulo, para o setor, que será possível graças ao avanço da tecnologia na saúde e à mudança comportamental da sociedade em relação à proatividade no cuidado e prevenção das doenças. “Claro que essa democratização do acesso à tecnologia precisa ser acompanhada de educação para a saúde”, completa. Atualmente, cerca de 140 mil pessoas passam diariamente pelas catracas da BP, para os mais diversos atendimentos de saúde, incluindo diagnósticos básicos de dengue ou Covid.
Referência em saúde no Brasil e no exterior, a BP é um hub de saúde que foi reconhecido quatro vezes pela revista Newsweek como uma das melhores instituições de saúde do mundo e que atua nos pilares de medicina diagnóstica, clínica de atendimento com diversas especialidades, hospital e educação e pesquisa. Nesse último pilar, a BP planeja iniciar a atuação na oferta de graduação de cursos na área da saúde no segundo semestre, consolidando seu braço de Instituição de Ensino Superior pelo MEC. A graduação em medicina será uma oferta da IES da BP a partir do terceiro ano de existência. “Apostamos no ensino da tecnologia da saúde na grade curricular desses cursos”, conta. Serão R$ 70 milhões investidos nessa frente nos próximos quatro anos.
Como uma das seis instituições em saúde escolhidas pelo Ministério da Saúde para fazer parte do Proadi-SUS, projeto que prevê a transferência de conhecimento para hospitais do SUS pelo país, a BP fez uma parceria de cooperação com o InovaHC, inovação tecnológica do Hospital das Clínicas da FMUSP, e terá como projeto inicial o atendimento via rede 5G privada para a saúde da mulher nas regiões Norte e Nordeste. Essa parceria deve reduzir de 90 para apenas um dia o tempo para diagnóstico de câncer de útero.
Nessa entrevista à [EXP], Denise conta como será o braço de educação superior da BP, de que forma a tecnologia está transformando o atendimento e detalha sua visão de futuro para o setor.
[EXP] – A BP anunciou que vai investir em uma faculdade de medicina e outros cursos de graduação. Quais são os planos nesse pilar de educação?
Denise Santos – Educação é uma aposta antiga da BP, nossa escola de enfermagem tem 60 anos formando auxiliares e técnicos de enfermagem, principalmente para trabalhar em nossos hospitais. Também oferecemos especializações, cursos de aperfeiçoamento em saúde e recebemos residentes de Medicina. Faltava um braço importante, o da graduação, conquistamos o direito de ser uma IES (Instituição de Ensino Superior). Vamos investir mais de R$ 70 milhões nisso nos próximos quatro anos. A expectativa é lançar os primeiros cursos de graduação no segundo semestre. A graduação em Medicina virá no terceiro ou quarto ano de atuação.
Quais serão os primeiros cursos de graduação ofertados?
Em outubro de 2023 recebemos a visita do MEC e fomos super bem qualificados, tanto para a modalidade presencial como para a virtual (EAD). Falta só a publicação no Diário Oficial. Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia são os potenciais cursos que serão oferecidos no segundo semestre. Tecnologia e gestão de saúde são outras ofertas planejadas. A saúde sempre foi um campo muito fértil de incorporação de tecnologias, mas hoje as pessoas não saem preparadas dos cursos na área de saúde para usar a tecnologia no ambiente de trabalho. Vamos investir nisso e também em pós-graduação médica, em várias especialidades.
A tecnologia na saúde estará dentro da grade curricular das graduações?
Sim, na própria grade curricular. Vamos incluir esse contexto de tecnologia no aprendizado do curso que a pessoa escolher. E isso vai ser, claro, super dinâmico. Porque ao entrar no curso a tecnologia vai ser uma, ao sair, outra. No fim do curso já vai ter novidades.
Em fevereiro vocês firmaram um convênio com o Inova HC (Hospital das Clínicas) da Faculdade de Medicina de São Paulo e vão investir em projetos na área de saúde. Qual vai ser a primeira frente?
O HC investiu numa linha privada 5G, que permite trafegarmos imagens pela rede em tempo real, mesmo em regiões remotas. Vamos iniciar com um projeto de saúde da mulher, nas regiões Norte e Nordeste, com foco inicial na detecção de câncer de colo do útero e na saúde materno-infantil. Isso inclui teleinterconsultas, diagnósticos a distância e encaminhamento para a rede de atendimento. Esse projeto vai reduzir o tempo de espera de laudos nessa região de quase 90 dias para apenas um dia. O projeto-piloto vai começar pela cidade de Miguel Alves (PI), onde 70% da população vive na área rural e quilombola, com pouco acesso à saúde de qualidade. Pra nós é um orgulho, porque é o S do ESG que aplicamos na prática, levando medicina de qualidade à população atendida pelo SUS.
Vocês também estão à frente do TeleNordeste, qual é o foco desse projeto?
Em 2021 entramos no Programa de Apoio e Desenvolvimento ao SUS, que reúne apenas seis hospitais de excelência. Temos hoje projetos de gestão do ensino, de pesquisa e assistência nos 27 estados brasileiros. Destaco o TeleNordeste, que iniciamos em 2022 em municípios piloto nos estados de Alagoas, Maranhão e Piauí. No ano passado, expandimos e atendemos hoje todos os municípios desses três estados, inclusive a população indígena, quilombola e ribeirinha. São 18 especialidades médicas ofertadas, atendendo 2.800 UBS da região, com um total de 31.474 atendimentos feitos.
O que é o projeto Cabines Conectadas?
Ela traz o conceito de autosserviço e é uma inovação médica que testamos em formato piloto em uma das unidades da BP para colaboradores da instituição. Trata-se de uma cabine de telessaúde que dispõe de dispositivos médicos integrados. O paciente baixa um aplicativo no celular, acopla na cabine e usa os instrumentos disponíveis, mede a pressão, faz alguns exames básicos de sinais vitais. No fim, é atendido por um médico via telemedicina. É um projeto que tem o potencial de levar saúde a lugares remotos que têm escassez de estrutura física. Estamos nesse momento avaliando algumas possibilidades de modelo de negócio para ver como evoluir essa frente de telemedicina.
A BP tem inúmeras soluções de tecnologia como apoio médico. Mas esses sistemas podem ser de certa forma uma barreira em uma consulta médica, já que o médico precisa digitar os dados no prontuário eletrônico e pode passar a percepção de falta de contato com o paciente. Como conciliar a tecnologia com o atendimento humanizado?
Tem uma novidade interessante sobre isso para compartilhar. Participei de uma reunião recente com a diretora-executiva de Inovação e Tecnologia da BP, a Lilian Hoffmann, e vamos ter muito em breve, na próxima versão do nosso prontuário digital, o input de dados por comando de voz. O médico vai poder interagir com o prontuário dizendo “Me mostra o exame da paciente Monica”, ou “O diagnóstico é X, coloca isso no prontuário e gera um sumário”. Isso vai dar um ganho de produtividade importantíssimo, além de possibilitar um tempo maior de interação visual com o paciente.
Respondendo mais diretamente à sua pergunta sobre atendimento humanizado, isso tem muito de cultura, de treinamento. Na BP esse é um diferencial, temos orgulho do cuidado com os pacientes, com os colaboradores. A tecnologia deve ser usada para dar diagnósticos mais precisos e rápidos e liberar o médico para estar mais próximo do paciente e da família. Isso é uma questão de cultura e valores na BP.
Quais são os principais desafios que a BP tem em relação ao uso da tecnologia na saúde?
O custo da tecnologia. Se você for olhar, no Brasil hoje nem 30% dos hospitais têm prontuário eletrônico. Então você começa com barreiras socioeconômicas. O segundo ponto é o investimento em segurança da informação. A BP investiu nos últimos sete anos, desde que iniciamos nossa transformação digital, R$ 700 milhões em cibersegurança e continuamos investindo. Por fim, a capacitação de profissionais na área de tecnologia, que vai desde a dificuldade de reter profissionais de TI devido à demanda de mercado até a capacitação em novas tecnologias. Temos três projetos de inteligência artificial que estamos colocando em nossa grade de desenvolvimento interno para que as pessoas possam reduzir as tarefas repetitivas e ter um aumento de produtividade.
Quais foram os grandes aprendizados da pandemia para a gestão da BP?
Um tema que vínhamos nos preparando há muito tempo é como fazer gestão de crise em larga escala. Se houver um incêndio no Shopping Paulista [localizado próximo à BP] e recebermos muitas pessoas ao mesmo tempo, o que fazemos? Fazemos simulado de tudo. Em relação à Covid, em dezembro de 2019 já instalamos o Comitê de Crise pois sabíamos que ia chegar. Nessa época as pessoas ainda estavam viajando. Então a pandemia abriu os olhos para muita coisa no setor de saúde, como a telemedicina. Agora um aprendizado que ainda precisa ser feito é como caminhar no que chamamos de 4 Ps da saúde: predição, prevenção, personalização e participação.
Pode falar brevemente deles?
Personalização é o tratamento adequado para cada pessoa, de acordo com seu mapeamento genético e com o que você precisa. Predição vai nessa mesma linha, antecipar possíveis questões de saúde de um indivíduo de acordo com seu perfil genético ou hábitos. Prevenção é o ato de fazer check-ups e exames para estar à frente do que pode vir. Já a participação é o indivíduo cuidando da própria saúde. Percebemos um aumento na frequência do sistema de saúde depois da pandemia, seja na busca de tratamentos, seja no pedido de exames. Mas está longe de ser o ideal no sentido de prevenção e participação. É um aprendizado que precisa evoluir ainda.
O setor de saúde suplementar está passando por uma crise. Esse comportamento preventivo e participativo poderia ser uma solução para o sistema?
Estou há 13 anos no setor de saúde e não vi uma crise como a que temos hoje. Aumento de sinistros nas operadoras de saúde, falta de liquidez generalizada. O que é ruim, pois se a pessoa deixar a saúde suplementar vai sobrecarregar o SUS. Se olhamos para a incidência de casos de câncer no Brasil, ele quase bate com a incidência de países desenvolvidos como a França. Só que aqui, dos cerca de 200 milhões de habitantes, a maioria chega ao sistema com câncer no estágio 3 ou 4 e não no início, quando poderíamos ter outro tipo de tratamento e outro desfecho.
Por outro lado, acredito que as crises trazem oportunidades e a gente vai encontrar caminhos diferentes para a saúde.
Existe ainda um outro fenômeno, que é a questão de saúde mental.
Esse foi outro aprendizado bom da pandemia. Começamos a falar mais abertamente sobre isso. Saúde mental sempre foi um tabu. A pandemia levou a saúde mental a ser tão relevante quanto a física, a emocional. É uma grande preocupação também no meio corporativo, que está investindo em programas de bem-estar para seus colaboradores.
Em relação ao ESG, em que a BP está investindo do ponto de vista ambiental?
Esse é um tema bastante relevante pra gente porque o hospital é um poluente natural de emissão de gases. Aqui na BP passamos a usar energia 100% limpa em janeiro de 2022. Foi um salto grande. Olhamos para os critérios ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e trabalhamos com bastante afinco. Sustentabilidade é um dos pilares que está na meta de todos os executivos, incluindo emissão de gases, energia renovável e outras preocupações.
E em relação à governança?
Criamos um sistema integrado de gestão ambiental e com ele temos indicadores, que acompanhamos todos os meses, e que fazem parte da nossa estratégia. A governança da BP não deixa a desejar para nenhuma empresa de capital aberto. Temos Conselho, Comitês, Assembleias, o estado da arte em governança. Chamamos aqui de EESG, incluindo o E de Economics, ou seja, se você não tiver o financeiro em dia não é possível fazer todo o resto. E você tem que fazer escolhas, porque não há budget para fazer tudo. Dentro das prioridades, quais são as escolhas corretas para curto, médio e longo prazo? Esse é o exercício.
Denise, sua liderança é reconhecida como colaborativa. Como lidar com os conflitos de opinião entre pessoas tão diversas?
Se eu te perguntar o que vem primeiro, a abertura ou a confiança? É difícil responder, vou me abrir para quem ainda não confio, ou me abro para começar a gerar confiança? Quando a gente fala de diversidade e inclusão, no final do dia nosso ambiente tem que ser aberto à diferença. As pessoas podem ser o que elas quiserem ser. Tem que haver respeito pelo outro. Isso é muito sério aqui pra gente. Temos um canal confidencial para denúncias de assédio moral. Seja entre médico e colaborador ou do próprio paciente com colaboradores nossos. Tratamos isso com muita seriedade e com consequências quando algo acontece, independente de com quem foi.
Fazemos encontros durante todo o ano com toda a equipe de liderança, não só a alta liderança, determinamos um tema e vamos ouvir todo mundo a respeito. Isso faz toda a diferença, porque para ter engajamento e envolvimento é preciso ter participação. Os nossos valores corroboram isso, inclusive deixando claro o que é o valor na prática, como traduzir isso em comportamentos.
Pra finalizar, qual a sua visão sobre o futuro da saúde, os hospitais do futuro?
Vejo em um futuro não muito distante que muita coisa que hoje você precisa ir para uma instituição de saúde resolver, vai fazer de casa. Seja por meio de wearables, seja telemedicina ou autocuidado. Hoje em um pronto socorro você vê pessoas que estão com qualquer doença tentando resolver o problema no hospital. Mas há coisas que podem ser resolvidas em uma farmácia na esquina, que tenha farmacêutico e que esteja regulamentado. A pessoa pode usar uma cabine conectada, por exemplo. Ou dentro de casa, usando o Oura Ring, um dispositivo inteligente que utiliza sensores que medem frequência cardíaca, qualidade do sono e outros indicadores.
Isso traz muita consciência e aumenta a participação das pessoas no autocuidado da saúde. Então vejo no futuro os hospitais menores, mais especializados e você vai ter um ecossistema, uma rede de apoio para ser atendido em outros locais. Claro que hoje esses dispositivos ainda precisam ser mais baratos, mas os preços já caíram muito nesses últimos anos e vão ficar cada vez mais acessíveis. Essa democratização vai precisar vir acompanhada de educação para a saúde.
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