5 caminhos para empresas se tornarem protagonistas na transição sustentável

Monica Miglio Pedrosa
De que forma as empresas podem contribuir para a transição rumo a um mundo mais sustentável? Essa relação foi debatida sob diferentes ângulos durante o primeiro dia da Conferência Ethos, um dos mais tradicionais eventos anuais de Responsabilidade Social, empresarial, sustentabilidade e ESG do Brasil, que aconteceu nos dias 12 e 13 de agosto, em São Paulo.
Cinco grandes eixos guiaram os painéis que reuniram especialistas, empresas, organizações e academia em busca de caminhos para a transição rumo a um futuro global mais sustentável: a transição energética justa, que vai além de ampliar fontes renováveis e exige incluir comunidades vulneráveis nas decisões; o papel das empresas na agenda da COP30, integrando riscos climáticos e sociais ao core business e tornando soluções sustentáveis mais acessíveis; o desenvolvimento sustentável nos territórios, respeitando vocações locais e medindo impactos sociais e ambientais com indicadores sólidos; as soluções inovadoras para desafios climáticos, capazes de gerar impacto agora e deixar um legado concreto para a COP30 e o uso ético e responsável da inteligência artificial, com alertas sobre competitividade, combate a vieses e integração da tecnologia à estratégia do negócio.
Justiça Climática: o papel das empresas e da sociedade na transição energética justa
A transição energética global não será justa se deixar de fora as vozes e necessidades das comunidades mais vulneráveis. Essa foi a tônica do debate conduzido por representantes de empresas, academia e organizações sociais, que defenderam uma abordagem mais inclusiva e colaborativa para transformar a matriz energética e enfrentar os desafios climáticos.
Para Kamila Camilo, diretora-presidente do Instituto Oyá, é fundamental aproximar o setor privado dos movimentos sociais que atuam na ponta, muitas vezes invisibilizados nas discussões estratégicas. “Boa parte das organizações que desejam trabalhar nos territórios tem dificuldade de falar a língua do território. Parte da solução pressupõe cocriar com as pessoas que sempre viveram ali. Confiança e relacionamento não são escaláveis: ou você está lá, olha nos olhos e desenvolve confiança, ou não constrói nada duradouro”, afirmou. Ela destacou ainda o impacto que o acesso à energia elétrica pode ter sobre a autonomia econômica das mulheres, possibilitando, por exemplo, que elas vendam produtos online e saiam de relações abusivas.
Do ponto de vista da formação de profissionais para essa nova realidade, a professora e pesquisadora da FGV, Annelise Vendramini, enfatizou que a educação tem um papel central para preparar o país para a transição econômica rumo à sustentabilidade. “Temos no Brasil pesquisa de altíssima qualidade em várias áreas do conhecimento, mas o desafio está na formação de pessoas e profissionais que entendam que estamos em um mundo em transição”, disse, lembrando que a FGV tornou obrigatória a discussão sobre sustentabilidade no curso de graduação em Administração para capacitar os futuros gestores no tema.
O setor energético brasileiro já conta com uma matriz majoritariamente renovável (85%), com cerca de 25% da geração vinda de fontes eólica e solar, mas enfrenta a sazonalidade dessas fontes e a necessidade de ampliar a competitividade. Pedro Kurbhi, vice-presidente de Trading e Comercial da Comerc Energia, empresa brasileira que opera no mercado livre de energia, reforçou que o consumidor final está mais atento não só ao preço, mas também à origem da energia que consome. Ele defendeu a abertura do mercado livre de energia como forma de aumentar a competitividade e permitir que o consumidor escolha a fonte de sua energia, incluindo créditos de carbono e certificados de origem renovável. Já Daniel Martins, sócio e líder de Energia e Serviços de utilidade pública da PwC Brasil, destacou que o Brasil precisa olhar para a transição energética como oportunidade e ser protagonista no mercado de carbono.
Kamila Camilo reforçou que, até 2050, o setor energético poderia fornecer 80% da energia mundial por meio de combustíveis renováveis, mas ainda há escolhas equivocadas que priorizam investimentos em combustíveis fósseis. Para ela, o desafio está em garantir um investimento real na construção de capacidades locais e em uma produção responsável. “Mais de 50% da população global mais vulnerável — mulheres e crianças — é ignorada na maior parte das políticas climáticas. Se eu não ofereço segurança energética e alimentar para elas, como esses territórios vão prosperar?”, questionou. Ela também criticou o aumento dos custos logísticos para a participação nas COPs, que, segundo ela, dificultam a presença de representantes de territórios mais distantes, tornando a conferência menos acessível do que durante a pandemia, quando foi realizada online.
Annelise alertou ainda para o “custo da inação” e para a necessidade de avaliar cada projeto segundo sua viabilidade econômica, estabilidade regulatória e impacto ambiental e social. Projetos bons para o clima, observou, nem sempre são bons para a biodiversidade. Com os recursos públicos escassos e o endividamento elevado, inclusive no Brasil, o setor privado precisará assumir um papel maior, seja apoiando iniciativas já viáveis, seja ajustando condições para viabilizar novos investimentos.
Empresas na Agenda do COP – Além do Clima
Para que a agenda climática avance de forma efetiva, será preciso mudar não apenas as estratégias empresariais, mas também a lógica que orienta o próprio mercado financeiro. Essa foi a mensagem de abertura de Fábio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Re.capital e conselheiro do Instituto Ethos, ao defender que o modelo baseado na maximização de lucros no curto prazo está esgotado. “O mercado não vai mudar sozinho. É como se precisasse de terapia. A desigualdade é um mau negócio. Se incorporarmos riscos climáticos e sociais à dinâmica de investimentos, isso pode transformar a lógica e gerar oportunidades, especialmente em setores descarbonizados”, afirmou.
A presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi, destacou que a COP deste ano tem peso histórico, comparável a marcos como o Acordo de Paris e a Rio-92. Segundo ela, o Brasil traz componentes únicos para essa discussão, como soluções baseadas na natureza, biocombustíveis e ações contra a criminalidade ambiental. “Podemos ser vistos como um celeiro de oportunidades, um laboratório de inovações para o mundo. Nossa diversidade pode impulsionar novas soluções e acelerar implementações”, disse, defendendo que o setor empresarial selecione projetos estruturantes capazes de alavancar ecossistemas inteiros.
Álvaro Almeida, diretor da GlobeScan no Brasil e América Latina, apresentou resultados de pesquisas que mostram uma convergência entre o que especialistas e consumidores consideram prioritário. “Os consumidores querem produtos sustentáveis e informações claras. Mas não adianta oferecer algo sustentável e premium em um país onde 80% da população só pode escolher pelo menor preço. Precisamos de soluções competitivas, com impacto positivo e viáveis economicamente”, ressaltou. Ele lembrou que a agenda de sustentabilidade precisa ser mais radical e menos acomodada para dar respostas efetivas nos próximos cinco anos.
A discussão também abordou os desafios de integrar o ESG ao core business das empresas. Para Fábio, a forma como a pauta foi implementada até agora gerou distorções: “Na maioria das companhias e fundos, ESG é um puxadinho. Analistas de negócios e analistas ESG trabalham separados, como se não fizessem parte do mesmo objetivo. Isso cria uma guerra interna entre áreas.”
Marina acrescentou que a demanda global por energia deve dobrar nos próximos 20 anos, impulsionada por setores como data centers, e que o Brasil precisa transformar seu excedente renovável em vantagem competitiva. No fechamento, ela trouxe um chamado ao otimismo: “Temos que dar voz a quem está fazendo e lutando, falar fora da bolha e mostrar que é possível integrar crescimento econômico, competitividade e responsabilidade climática. Mas isso só acontece se sustentabilidade estiver no coração da estratégia empresarial.”
Estratégias das Empresas para o Desenvolvimento Sustentável nos Territórios
A relação das empresas com os territórios onde atuam precisa superar o viés extrativista e considerar que esses espaços são mais do que fontes de recursos, são lugares onde há comunidades, cultura e conhecimento acumulado ao longo de gerações.
Esse foi o ponto de partida do debate conduzido por líderes empresariais e representantes de comunidades, que destacaram a importância de respeitar a vocação local e promover o desenvolvimento de forma justa e duradoura. Para Andréa Álvares, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, é preciso romper com o modelo mental linear de extrair, produzir e descartar. “As consequências sociais, ambientais e institucionais precisam ser pensadas a priori, para que o resultado seja diferente. Do contrário, ao mesmo tempo que levamos prosperidade, levamos também degradação, crime e violência.”
Olinta Cardoso, Diretora-Executiva da Matizes Comunicação e conselheira do Instituto Ethos, moderadora do painel, alertou para o risco sistêmico da violência, que pode inviabilizar negócios e comprometer relações no território. Para enfrentar essa realidade, Paula Marlieri, diretora de Relações Externas da Norsk Hydro Brasil (multinacional de produção de alumínio e energia renovável que atua no Pará, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina), apresentou iniciativas como os Projetos pela Paz, trazidos da Colômbia e adaptados ao Pará, que oferecem atendimento básico em saúde, apoio psicológico e serviços como emissão de documentos para comunidades invisibilizadas pelo sistema.
Essas ações, associadas a projetos de empreendedorismo feminino, têm contribuído para reduzir a vulnerabilidade social e ampliar o acesso a cultura, lazer e esporte. “Temos muito respeito pela ancestralidade e pela cultura local, e buscamos entender o que a comunidade demanda, não apenas o que nós consideramos bom para ela”, afirmou.
A produtora agroecológica familiar Paula Ferreira, de Barcarena, no Pará, foi uma das que foram impactadas positivamente pelo programa da Norsk Hydro na região. Ela e outros agricultores da comunidade aderiram aos projetos e passaram a fabricar seus próprios bioinsumos, produzir hortaliças, frutíferas e ervas finas de forma agroecológica e vender para mercados formais. O turismo de base comunitária também se tornou fonte de renda, com trilhas e visitas que permitem aos turistas conhecer o processo produtivo e degustar os alimentos cultivados no sítio. “A Hydro nos escutou sobre o que fazíamos e estabeleceu um diálogo respeitoso com nossa história e a da comunidade”, relatou.
Os debatedores concordaram que a governança forte e o diálogo multissetorial são fundamentais para gerar resultados duradouros. Isso exige que comunidades, empresas e poder público local construam objetivos comuns alinhados ao propósito do território. Todas as participantes reforçaram que, para o desenvolvimento sustentável nos territórios, é preciso respeitar o tempo da escuta e da construção conjunta, evitando cronogramas irreais e modelos padronizados que ignoram as especificidades locais. Quando há abertura para incorporar o conhecimento instalado e a vocação do território, as parcerias se tornam mais sólidas e transformadoras.
Soluções Inovadoras para Desafios Climáticos
O enfrentamento da crise climática exige não apenas metas de longo prazo, mas soluções concretas e escaláveis que possam ser implementadas agora. Esse foi o consenso dos participantes do painel sobre inovação para os desafios climáticos. Para Marcelo Furtado, diretor de Sustentabilidade da Itaúsa, é fundamental que governo, sociedade civil e setor privado estejam articulados. “Primeiro precisamos mostrar que o Brasil tem essa articulação. É preciso financiamento, tecnologia, emprego e renda, orientados pelas melhores práticas e marcos regulatórios. Isso destrava e apresenta o país ao mundo.” Ele ressaltou que, embora o debate climático global tenda a se concentrar na energia, o Brasil é um país rico em natureza e precisa demonstrar o valor econômico e estratégico de seus recursos naturais.
Entre os exemplos apresentados, Felipe Villela, Diretor-Executivo do Prêmio Earthshot Prize no Brasil, criado em 2020 pelo Príncipe William para acelerar soluções ambientais. Com categorias voltadas para Floresta, Oceano, Ar, Clima e Desperdício, o prêmio seleciona 15 finalistas por ano e concede 1 milhão de libras a cada um dos cinco vencedores. “Já tivemos mais de 8 mil soluções nomeadas, sendo 500 no Brasil. É também uma plataforma de mobilização de capital e de construção de narrativas para comunicar essas soluções para o mundo”, explicou.
A experiência de Yayenca Yllas, finalista do Prêmio LED com o projeto Horta Agroecológica como Tecnologia Social Educativa, mostrou como inovação e impacto social podem nascer de iniciativas simples. Mãe e pesquisadora, ela percebeu que os pátios escolares cimentados afastavam as crianças do contato com a natureza. Passou a plantar nesses espaços como voluntária, transformando-os em salas de aula a céu aberto.
A partir daí, desenvolveu uma tecnologia social educativa que aborda temas como escoamento de água e educação climática por meio da construção coletiva de jardins de chuva e canteiros pedagógicos nas escolas. “É uma educação para a vida, um currículo vivo que aproxima as crianças da natureza”, disse.
O ativista indígena e articulador nacional da organização de jovens do Engajamundo, Paulo Galvão trouxe uma perspectiva de Justiça Climática para a discussão, lembrando que 40 milhões de crianças e adolescentes no Brasil já sofrem os efeitos da mudança do clima e que quatro em cada dez escolas estão em áreas de risco. “A escola é o primeiro lugar para onde as pessoas correm em caso de evento extremo, e muitas delas estão justamente nas áreas mais vulneráveis. É preciso restaurar não apenas os territórios, mas também as mentes”, afirmou.
Para Paulo, a COP30 representa uma virada de chave e uma oportunidade para o Brasil deixar um legado consistente nas negociações climáticas , algo que, segundo sua experiência em quatro conferências, ainda não foi alcançado por outras presidências da COP. Marcelo Furtado apresentou também o CASE (Climate Action Solutions Engagement), iniciativa que reúne 20 soluções escaláveis desenvolvidas pelo setor privado em diálogo com academia, governos e sociedade civil que ele irá apresentar na COP30. O objetivo é mostrar ao mundo que o país está pronto para atrair mais investimentos internacionais e acelerar a implementação de projetos. “Queremos soluções para agora, não para 2050”, reforçou.
IA ética e responsável no Centro da Transformação das Empresas e da Sociedade
A inteligência artificial avança a uma velocidade exponencial e vai mudar completamente as empresas, a sociedade e a vida das pessoas. “A energia elétrica mudou completamente nosso estilo de vida, mas levou 200 anos para isso. A Internet levou 10 anos. Já a IA vai mudar tudo em 5 anos”, alertou o moderador do painel Valdemar de Oliveira Neto, o Maneto, Diretor de Impacto Global da PERA Complexity BV, na abertura do painel.
Para Regina Magalhães, consultora em IA e sustentabilidade, o grande desafio nas empresas está em está em capacitar líderes e gestores a enxergar o potencial da tecnologia. “A maioria das empresas ainda está na fase de entender como funciona, ou com medo da tecnologia. O uso é experimental e incipiente”, diz. Outros pontos de atenção, segundo ela, são o consumo crescente de energia pelos data centers, que já respondem por 2% do uso global, e o aumento da sofisticação dos ataques cibernéticos. Ainda assim, ela enxerga oportunidades únicas para o Brasil, que possui matriz energética renovável invejável e poderia atrair operações de data centers com energia limpa, além de usar a IA para reduzir emissões e monitorar florestas e biodiversidade.
Gabriela Agustini, fundadora e codiretora do Olabi, chamou atenção para o risco de a IA perpetuar preconceitos e desigualdades historicamente presentes na sociedade. “As empresas se desenvolveram com base em premissas racistas, machistas, e elas estão embutidas nos nossos dados. Se não cuidarmos disso vamos automatizar opressões”, alertou. Um exemplo disso é o fato de as mulheres ganharem menos do que os homens e isso ser lido pelos algoritmos como justificativa para dar menos crédito, perpetuando desigualdades.
Para ela, a IA também pode ser ferramenta de ampliação de narrativas e democratização cultural. Gabriela citou o trabalho da artista Mayara Ferrão, de Salvador, que recria imagens históricas do Brasil com IA para dar visibilidade a personagens e eventos omitidos dos livros escolares. “Quero aproveitar essa virada tecnológica para que outras narrativas apareçam. Precisamos investir como país em todas as esferas para estimular ideias mais qualificadas e ampliar a multiplicidade de ações.”
No campo da educação, surgem iniciativas como a parceria da Khan Academy com a rede estadual do Paraná e o projeto da Nova Escola, que personaliza planos de aula para professores de acordo com o contexto local. Regina, porém, alerta que o processo formativo precisa preservar o pensamento crítico e a interação humana. “No computador e no celular não vamos desenvolver isso. Temos que combinar o mundo virtual com relações presenciais.” O impacto da IA no mercado de trabalho também exige planejamento, diz Gabriela: “Transições são sempre dolorosas, especialmente se você não se antecipa. As empresas precisam assumir o protagonismo de requalificar sua mão de obra.”
Para ambas, o futuro da IA deve ser tratado como uma questão estratégica e não apenas tecnológica. “IA não é um assunto de TI, é um assunto de todos — da liderança, do conselho de administração. Profissionais de sustentabilidade e responsabilidade social precisam trabalhar junto com tecnologia e finanças para integrar esse tema ao negócio”, concluiu Regina.
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