Mercado

A estratégia da China para redefinir o mercado econômico global

Thiago de Aragão, CEO da Arko International

A guerra tarifária do governo Trump vem acirrando a rivalidade econômica entre China e Estados Unidos e trazendo complexidade à área de gestão de riscos das empresas, especialmente em supply chain. Esse foi o tema da masterclass do especialista em geopolítica e estratégias globais Thiago de Aragão, CEO da Arko International, durante o SAP Supply Executive Summit 2025, evento realizado nesta manhã na Experience House, em São Paulo. Participando ao vivo, direto de Whashington D.C., Thiago falou a um grupo de 70 líderes de supply chain de grandes empresas, oferecendo uma análise das dinâmicas globais que impactam os negócios nos tempos atuais.

Para o especialista, o conflito das duas potências pela posição de liderança mundial é apenas a ponta do iceberg de uma estratégia iniciada ainda na década de 1980 por Deng Xiaoping, então líder da China, para manter o regime comunista sob controle. Após enviar um grupo de 30 pessoas de sua confiança em missão à União Soviética para entender os fatores que estavam levando a região ao colapso, Xiaoping se deparou com três caminhos possíveis para manter a coesão social na China: repressão, nacionalismo ou prosperidade econômica.

Dos três, a prosperidade econômica foi escolhida como a maneira mais eficaz para proteger o regime, considerando que a repressão gera retaliações internacionais. A China iniciou então um período de investimentos massivos na capacidade de produção industrial e liderou uma abertura econômica controlada, que incluiu a criação de Zonas Econômicas Especiais (ZEE) nas áreas costeiras, como Shenzhen e Zhuhai. Escolhidas por sua proximidade com Hong Kong, Macau e Taiwan, as ZEE tinham o objetivo de atrair investimento estrangeiro e fomentar a exportação, reduzindo o impacto da volatilidade do mercado na produção industrial chinesa.

Crise de 2008 amplia expansão internacional

Para Thiago, a crise financeira global de 2008 nos Estados Unidos, desencadeada pela falência do banco de investimentos Lehman Brothers, abriu espaço para que a China iniciasse um processo mais robusto de concessão de crédito a países considerados estratégicos com base em três critérios: exportação de matéria-prima, existência de mercado consumidor ou posicionamento estratégico para a logística internacional. América Latina, África e Oriente Médio foram alguma das regiões priorizadas.

A exemplo do que potências ocidentais sempre praticaram, esse movimento cria relações de dependência que, na visão do especialista, beneficiam de forma assimétrica a China. Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, a necessidade do Brasil de importar ingredientes farmacêuticos da China para a produção de vacinas teve como contrapartida a flexibilização das restrições à empresa chinesa Huawei, até então barrada como possível prestadora da rede 5G nacional durante o governo Bolsonaro, alinhado aos interesses dos EUA.

Essa lógica de influência e assimetria também se manifesta em práticas comerciais agressivas, como o dumping de aço no Brasil, quando o produto é vendido por um valor inferior ao praticado no mercado. Apesar de prejudiciais aos produtores locais, essas práticas raramente geram retaliações, dada a forte dependência econômica já estabelecida. “Hoje, uma decisão sobre o agronegócio tomada em Pequim pode ter mais impacto no Brasil do que qualquer medida adotada em Brasília”, observou Thiago.

O nacionalismo, outra estratégia chinesa para manter a coesão social, é frequentemente mobilizado em momentos de tensão ou questionamento internacional. De acordo com Thiago, ações militares em Taiwan têm se repetido nos últimos cinco anos em momentos em que a imprensa internacional começou a destacar a influência da China em outros países, como uma forma de redirecionar o foco da opinião pública.

A estratégia de Trump de descredibilizar órgãos internacionais como a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ou anunciar tarifaços contra países da União Europeia, pode abrir o flanco para uma maior aproximação entre a China e o bloco europeu. Prova disso é o movimento crescente de empresas chinesas se estabelecendo na Hungria, o que pode, nos próximos anos, gerar uma nova rota de exportação de produtos tecnológicos para o mercado europeu em substituição à dependência do mercado americano.

Em meio a esse cenário volátil, entender e acompanhar os desdobramentos geopolíticos, avaliar riscos de dependência e diversificar rotas e parceiros deixam de ser apenas boas práticas dos gestores de supply chain e passam a ser medidas que podem garantir a competitividade e o nível de eficiência dos negócios.

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