Como personas digitais ajudam a BRF a criar e testar novos produtos
Denize Bacoccina
Uma das maiores produtoras de alimentos do mundo, com uma penetração em nove de cada dez lares brasileiros, a BRF tem um portfólio equivalente ao seu tamanho de mercado: mais de 3 mil itens, entre produtos de origem animal para preparo em casa, alimentos prontos para aquecer e, agora, cada vez mais, um leque de opções feitos exclusivamente de vegetais, para atender à parcela crescente da sociedade que, ou não come nada de origem animal, ou busca reduzir esse consumo, os chamados flexitarianos.
Nesta entrevista à [EXP], realizada após o CMO Experience, evento realizado pelo Experience Club com profissionais do mercado, no fim de fevereiro, o Chief Growth Officer da empresa, Marcel Sacco, que também é responsável pelo marketing da companhia, fala sobre os três pilares de comunicação, as tendências do mercado e conta como a empresa se mantém atualizada sobre os desejos do consumidor. Entre as ferramentas para entender o público está o patrocínio de grandes eventos, onde é possível ter esse contato direto com o cliente final.
Ele também explica como funcionam as personas digitais, que aceleram o desenvolvimento de novos produtos. “É uma tecnologia nova, com a qual estamos começando a trabalhar, e que só vai se aprimorar cada vez mais”, diz ele. Entenda melhor na entrevista a seguir.
Confira também a entrevista na nossa plataforma de vídeos:
[EXP] – Você falou sobre três pilares que estão baseando a comunicação e o marketing da BRF para esse ano. Quais são?
Marcel Sacco – Temos uma lista enorme de prioridades, mas estamos colocando mais energia em três. A primeira delas é a disponibilidade da tecnologia. A comunicação deixou de ser uma coisa de mão única e passa a ser uma conversa. Nela, ficamos muito mais expostos, muito mais sensíveis à opinião de todos os stakeholders que lidam com a marca e com o nosso negócio e isso demanda obrigatoriamente uma posição bem mais transparente para construir uma relação de mais confiança. Como temos marcas muito massivas, como Sadia, Qualy, Perdigão, presentes em quase 100% dos lares do Brasil, precisamos ter uma relação e uma conexão bastante importante de confiança.
O segundo pilar também é ligado à evolução da tecnologia. Com a digitalização, temos uma aceleração do mundo digital, e com as ferramentas de inteligência artificial uma exponencialização. O grande desafio é lidar com a personalização e a gestão de informação da IA. Saímos de um momento de tratar os clientes de forma individual, de pouca gente, para tratar de maneira massiva. As novas ferramentas de tecnologia estão permitindo a volta da personalização, a individualização, mas agora em larga escala.
E o terceiro ponto é a tendência de saudabilidade. O consumidor busca, mais do que nunca, a vida saudável. Esse também é um pilar que a gente procura tratar com inovação, com portfólio adequado, com um leque de opções que faça o consumidor ter a melhor dieta, a melhor opção, o maior prazer possível na hora de se alimentar.
Qual é a tendência do mercado atualmente? A gente vê uma tendência muito forte para o saudável, mais natural. Ao mesmo tempo, o consumidor quer conveniência. O que está pesando mais, a alimentação mais natural ou a conveniência?
Essa é a beleza de ser uma marca de penetração e de alcance tão massivo. Temos de tudo. Se o consumidor quer praticidade, temos, se ele quer conveniência, se ele quer que seja totalmente natural, que seja saudável, que seja saboroso, também temos. Há um cardápio de opções. O consumidor é o rei para escolher. Tem hora que você precisa de algo mais leve, tem hora que quer ser mais indulgente e consumir alguma coisa com mais caloria. Tem momentos que você quer mais prazer, outros quer mais fibras.
Mesmo sendo uma empresa de origem de proteína animal desde o nosso início, nós temos, por exemplo, a linha Sadia Vegetal, que é totalmente feita com vegetais. Temos um empanado de couve-flor com a característica do Buffalo Wings picante. Temos um hambúrguer de brócolis e espinafre, mas temos também um hambúrguer 100% picanha para quem quiser. Então a ideia é ter formatos para diferentes ocasiões, pratos para a família, individual, oferecer um leque de opções para todos os tipos de consumo.
O veganismo está crescendo muito, assim como a opção por alimentação baseada em plantas, mesmo que não exclusivamente. Como a BRF está se preparando para essa mudança e como está o crescimento de vendas nesse segmento?
Está crescendo bastante o flexitarianismo, o consumidor procurando consumir um pouco menos de carne. A gente defende um equilíbrio tendo o leque de opções que eu mencionei, oferecendo de tudo. Não é deixar de comer carne, mas é reduzir o consumo, ter esse leque de opções para atender esse tipo de comportamento que, sim, vem crescendo.
E qual que é a curva de crescimento dos itens que não são proteína animal?
Cerca de 7% dos consumidores se declaram veganos. No caso do vegetarianismo, de 11% a 14% da população dizem ser vegetariana, mas o que a gente vê é um flexitarianismo, e é aí que a gente tem que colocar atenção.
Como vocês monitoram essas mudanças de comportamento do consumidor?
Monitoramos de todas as maneiras. Temos um investimento muito importante em pesquisas, desde as tradicionais discussões em grupo, mas também pulsos de escuta de consumidor, pesquisas online nas redes sociais. Monitoramos todas as interações e os engajamentos nas nossas redes, que não são poucas. Tem os festivais que a gente patrocina, como o Lollapalooza, mas também o NFL, a NBA, e que também servem para escutar o consumidor. E temos as nossas lojas próprias. São vários pontos de escuta, que geram muitos insights valiosos para continuar desenvolvendo sempre a melhor oferta de produto, um portfólio alinhado com essas tendências e essa mudança de comportamento, que é cada vez mais rápida.
A BRF está usando inteligência artificial na criação de produtos?
Estamos usando inteligência artificial na cadeia toda, desde o fornecimento de grãos para a ração dos nossos animais até o desenvolvimento de produtos. Temos uma unidade de negócio chamada BRF Hub, que é o nosso porto de conexão com o ecossistema de startups do Brasil e do mundo. Temos uma relação com mais de 600 startups. Olhamos os nossos desafios de negócio em qualquer área da companhia, vamos para o mercado, nos conectamos com as startups para ver quem tem a solução para nos trazer. Entre outras coisas, o desenvolvimento de produtos com IA é uma das coisas que temos feito. Pelo menos duas startups com as quais trabalhamos estão usando inteligência artificial.
Também usamos tecnologias para criar personas digitais com o tipo de demografia que nos interessa. E a gente valida e testa de maneira digital centenas de conceitos que demorariam meses ou anos, em apenas um dia.
Como que se faz isso?
A ferramenta desenha uma persona digital, pensando, por exemplo, num produto conveniente para um target de 25 a 35 anos, para ocasiões on the go. A gente cria um Avatar digital com tudo o que se conhece do comportamento dessas pessoas nas redes sociais, no mundo digital. Trazemos essa informação sem identificar uma pessoa, mas uma massa de pessoas que dá o comportamento típico deste público. Desenvolvemos milhares de conceitos, que são testados nessa persona digital. Com os testes, fazemos uma peneira, e desenvolvemos, na vida real, produtos para os dez conceitos que se saíram melhor. É uma tecnologia nova, com a qual estamos começando a trabalhar, e que só vai se aprimorar cada vez mais.
Você já é um CMO com essa nova visão do mercado, de que o CMO precisa cuidar não apenas do marketing, mas do negócio como um todo. Como vê essa tendência?
Verdade, eu já nasci assim. Acho que o marketing é uma realidade para todos os negócios, mas em empresas de consumo o marketing é a empresa. É preciso partir do consumidor, de entender o seu concorrente. Essa é a essência. Entender todos os stakeholders e agir sempre partindo de fora para dentro. Se você ficar olhando muito para dentro, você se perde.
Hoje eu não sou mais o marqueteiro, cuido do negócio de crescimento da BRF, tenho toda a área de novos negócios e também o marketing, mas acho que a principal tarefa de um CMO hoje é estar conectado com este mundo que está não mais em evolução, mas em permanente revolução. A empresa de sucesso hoje é a empresa que entendeu que precisa estar inteira conectada e antenada com o que está acontecendo com seu consumidor.
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