Como se tornar o campeão de unicórnios per capita do mundo
Por Patricia Travassos*
A Estônia, no leste Europeu, parece ter encontrado a fórmula. Com 1,3 milhão de habitantes, o país já soma 10 startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares e pretende chegar a 25 unicórnios até 2025. Será?
Eu não duvidaria de um país que, em 30 anos, deixou para trás uma recessão severa, após a ruptura com a antiga União Soviética, e se transformou num país digital, onde 99% dos serviços públicos são oferecidos online, a economia cresce acima da média europeia (8,6% em 2021) e a educação é a melhor do continente (segundo o PISA).
30 anos não são 30 dias, mas se pensarmos em período histórico, a volta por cima foi rápida. Principalmente, lembrando que até 1991, a Estônia era socialista e, praticamente da noite para o dia, precisou aprender a viver no capitalismo. Indústrias fecharam e boa parte da população, de repente, se viu desempregada. Segundo os estonianos, nascia aí a atitude empreendedora que se tornou marcante no país. Desde cedo, as escolas usam o método STEM (focado em ciências, tecnologia, engenharia e matemática) para estimular o raciocínio lógico das crianças para resolução de problemas. E afinal, o que é empreender senão solucionar problemas?
O maior problema da Estônia mudou de nome, mas continua sendo a vizinha Rússia, especialmente depois de declarada e deflagrada a guerra contra a Ucrânia. O desafio da liderança política estoniana hoje é conseguir se distanciar do estigma de Leste Europeu e convencer o mundo de que é um país seguro para se investir. É claro que este posicionamento alinhado ao Ocidente traz consequências perigosas. O país é alvo de ataques cibernéticos russos diários, mas garante que está preparado para se defender. Além de estratégias confidenciais, eles se protegem com atualização contínua de tecnologia, atração e retenção talentos do mundo inteiro.
Residência digital para empreendedores
A Estônia tem um programa voltado para empreendedores digitais estrangeiros que já reúne 179 nacionalidades diferentes entre os 92 mil negócios registrados. É o chamado e-Residency, que foi criado em 2014 e, agora, com o aumento dos unicórnios estonianos, vem chamando mais atenção.
De qualquer parte do mundo, é possível abrir uma empresa 100% online na Estônia, garantindo acesso remoto a todos os serviços necessários para se gerir o negócio, sem que seja necessário um endereço físico no país. Tudo funciona no ambiente digital.
As vantagens, além do acesso ao mercado da União Europeia, passam pela simplicidade do sistema que se orgulha da falta de burocracia, da transparência e oferece um regime tributário que estimula o crescimento das empresas. Na Estônia, o imposto não é cobrado pela receita. Se o dinheiro recebido for reinvestido no negócio, fica livre de taxação.
“Sabemos que num mundo sem fronteiras, hoje é fácil mudar a sede de qualquer empresa, buscando um ambiente regulatório que seja mais favorável”, diz Kaidi Ruusalepp, CEO da Sociedade Estoniana de Founders, uma associação sem fins lucrativos formada por fundadores das maiores startups criadas na Estônia, tais como Skype, Wise e Bolt. “A comunidade tecnológica não precisa do Governo, mas o Governo precisa da comunidade tecnológica”, completa ela.
É por isso que o CIO e Ministro do Empreendedorismo e Tecnologia da Informação da Estônia, Luucas Ilves, destaca entre os seus maiores desafios a busca por agilidade para mudar leis, tornando o ecossistema favorável aos avanços tecnológicos e à inovação”.
“É claro que para a Estônia interessa aumentar a arrecadação tributária do país e foi para isto que o programa foi criado”, admite o Presidente, Alar Karis. Mas, esta é também a grande estratégia para mudar a imagem global em relação à Estônia. O apelido de “ex União Soviética” tão rejeitado pelos estonianos, aos poucos, vai sendo substituído por outro que eles mesmos escolheram: “Digital Wonderland”(país das maravilhas digitais, em livre tradução).
E para os brasileiros, quais as vantagens de abrir uma empresa virtual na Estônia?
Durante a pandemia, os brasileiros bateram o recorde de inscrições no programa e-Residency. Atualmente, já chega a mil o número de brasileiros que abriram cerca de 200 empresas por meio do programa de residência digital da Estônia. Conheça as experiências de três deles:
Raphael Fassoni – Estonia Hub
De Marília, no interior de São Paulo, Raphael é fundador do Estonia Hub, uma empresa que organiza missões de empresários e executivos brasileiros para conhecer o ecossistema de inovação na Estônia. Ele não só decidiu empreender, como, em 2019, mudou fisicamente para Tallin, capital do país. É importante destacar que a identidade digital não dá permissão para se morar na Estônia, mas pode facilitar o processo para um futuro visto.
Para Raphael, a identidade digital permite acesso a uma verdadeira comunidade de empreendedores inovadores. Você passa a fazer parte de uma vitrine de profissionais que integram o programa, criando um networking importante para a chegada a qualquer novo mercado. Além disso, estar na Estônia, ainda que digitalmente, facilita a contratação de talentos com múltiplas nacionalidades, sem burocracia.
Michele Garcia – fundadora da Brazilian Kuninganna (que significa “Rainha Brasileira” em estoniano)
Para a carioca Michele Garcia, a grande vantagem de ter sua empresa inscrita no programa é a mudança de percepção do mercado europeu sobre a qualidade dos serviços que ela presta. “Antes, eu sentia que era tratada como mão de obra barata. Agora, como e-Resident da Estônia, é diferente”. Michelle é especialista em marketing digital e desde que começou a atender clientes da União Europeia, conseguiu comprar seu apartamento no centro de São Paulo. Mas, o que ela sonha mesmo é em um dia, se mudar para Tallinn, capital da Estônia. “eu me apaixonei pelo país e pela forma transparente com que eles fazem negócio”.
Edilson Osório Junior
Edilson é fundador da OriginalMy.com, uma LegalTech que oferece uma plataforma baseada em blockchain para autenticação de identidades, assinaturas e documentos digitais. Premiado como solução inovadora pela Associação Brasileira de Bancos, Edilson foi citado pela ONU como exemplo de solução em blockchain com potencial de impacto social. E na União Europeia, a empresa foi reconhecida como Trusted Blockchain Application. “Além de um ecossistema mais maduro, tecnicamente falando, eu encontrei na Estônia menos barreiras para inovar. No Brasil, encontrei muitos obstáculos e cheguei a sofrer ameaças”. Foi quando eu decidi me mudar de vez para a Estônia.
6 curiosidades sobre a Estônia:
- A capital, Tallinn, parece cidade do interior, onde, praticamente, todo mundo se conhece. À noite tem pouca gente nas ruas (muito seguras por sinal).
- Praticidade, ética e eficiência norteiam o comportamento no contato com os locais, em geral. Com exceção do serviço nos restaurantes onde o número de garçons deixa a desejar.
- Maior orgulho: educação e digitalização do país.
- Maior vulnerabilidade: o país vizinho, Rússia. Ameaça constante, com ataques cibernéticos diários.
- Tradição nacional: sauna (de preferência, seguida de um mergulho no Mar Báltico, bem gelado).
- Ironia: o idioma estoniano não conjuga verbos no futuro, embora o país não pense em outra coisa.
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