Construir pontes e abrir caminhos: a trajetória da presidente dos Amigos do Bem na abertura do Fórum CEO Brasil
Monica Miglio Pedrosa
De empresária de sucesso a empreendedora social que impacta 150 mil pessoas no sertão Nordestino. Alcione Albanesi, presidente dos Amigos do Bem, instituição sem fins lucrativos que desenvolve projetos educacionais e de geração de renda no sertão de Alagoas, Pernambuco e Ceará, fez a palestra de abertura da 7ª edição do Fórum CEO Brasil 2024, que recebe 270 CEOs e acompanhantes entre os dias 5 e 8 de setembro, na Bahia.
“Estamos muito emocionados de estar aqui de novo, de volta à Praia do Forte, onde começamos o Fórum em 2017”, disse Ricardo Natale, fundador e CEO do Experience Club ao abrir a plenária depois da apresentação dos músicos Décio e Rodrigo Sá, pai e filho, que fizeram uma apresentação-aula de berimbau.
“Este é um fórum de festas, de shows, mas é também um fórum de conhecimento, de reflexões, é um fórum de mentes brilhantes”, disse Natale, relembrando o tema do encontro: inteligência humana. Murilo Gun, palestrante e empreendedor, que subiu ao palco após a abertura feita por Natale, falou que este século vai ser o despertar da inteligência humana mais sutil, aquela que vem do coração. E que, para escutá-la, é preciso estar no momento presente e “silenciar o barulho da mente.”
Alcione emocionou a plateia ao contar sua trajetória e como vendeu uma empresa de sucesso para se dedicar ao projeto social. Desde muito nova, Alcione expressou duas vertentes: a veia empreendedora e o olhar para ajudar quem precisa. “O bem se ensina e aprendi a fazer o bem com minha mãe, Dona Guiomar”, contou Alcione, que trabalhou na infância e na juventude nos projetos sociais da mãe. Além disso, ela foi ensinada a doar uma peça do guarda-roupa toda vez que comprava algo ou quando ganhava um presente. Durante o trabalho social nas creches do projeto materno, Alcione ouviu pela primeira vez as mães das crianças contando histórias de pessoas de suas famílias que “estavam morrendo no sertão”.
A veia empreendedora apareceu desde os sete anos, quando Alcione vendia os presentes de aniversário que ganhava para ter seus próprios recursos. Aos 14, o desejo de ir para os Estados Unidos a levou a buscar sozinha todas as informações necessárias para estudar no exterior. Ela preencheu a documentação e até localizou a família americana com quem moraria. Nesse ano fora do país, contou que chorava todos os dias de saudades da família, mas não desistiu e levou até o fim o compromisso de estudar fora.
Aos 16 anos, de volta ao Brasil, ela trabalhou como modelo para ter uma renda e, curiosa, começou a conversar com as costureiras para aprender como funcionava o mundo da moda. Um ano depois, abriu sua própria confecção e chegou a ter 80 funcionários, tendo como um dos principais clientes a C&A. Abriu então sua loja própria na Santa Efigênia, onde, na visão dela, “todos os lojistas eram prósperos”. Alcione foi a primeira lojista mulher e, para vencer a desconfiança inicial dos vizinhos e concorrentes lojistas com sua chegada, Alcione se apresentou a todos eles e se tornou amiga de todos os balconistas. “É como eu sempre digo, precisamos construir pontes e abrir caminhos.”
O próximo empreendimento foi o desejo de trazer para o Brasil uma lâmpada chinesa, mais eficiente e 10 vezes mais barata. Vendeu sua confecção e foi para a China sozinha, em 1992, em uma época difícil de conseguir informações naquele país. Ela também não falava o idioma e tinha que virar apenas com o inglês. Após três dias fechada no hotel, ela encontrou uma saída. “Minha empresa começou quando vi um serviço de Páginas Amarelas”. Alcione entrou em contato com as empresas da lista por fax e começou a receber as primeiras amostras das lâmpadas. Mas, por não conhecer tanto do produto, acabou encomendando 10 contêineres, que traziam mais de 300 mil lâmpadas, e elas não funcionavam no país.
“Ou eu ficava com o sentimento de derrota, ou vendia meu apartamento e voltava para a China para uma nova compra”, disse. Alcione foi atrás da segunda opção e, com a experiência adquirida, foi a primeira empresa a trazer as lâmpadas fluorescentes para o Brasil, criando a FLC. Ela pessoalmente vendia para as lojas distribuírem seu produto e chegou a ter 7.700 clientes, cultivando um relacionamento próximo com eles. Destes, 30% vendiam exclusivamente as lâmpadas da FLC. “Viajei 71 vezes para a China, ensinei os chineses a abraçar para me cumprimentar. Mais uma vez, criei pontes e abri caminhos.”
A viagem que transformou sua vida
Em 1993, Alcione resgatou a história que ouviu sobre as pessoas que morriam no sertão da sua adolescência, juntou um grupo de 20 amigos, reuniu 1.500 cestas básicas e partiu para o sertão nordestino. “Essa viagem trouxe uma profunda transformação na minha forma de ver e sentir o mundo. Descobrimos um outro país dentro do nosso país”, contou, emocionada. Ela viu pessoas vivendo na extrema pobreza, sem ter o que comer ou terra fértil para plantar, sem remédios, morando em casas de barro, mas “todas com muita fé.”
A partir dessa viagem, Alcione retornava todos os anos com os amigos para distribuir alimentos e outras doações. Em 2001, no último dia de distribuição dos produtos, ela conheceu Dona Geralda, que tinha andado 6 km até o povoado de São Francisco, onde os Amigos do Bem estavam, para buscar comida para sua família. “D. Geralda tinha elefantíase e suas pernas sangravam ao chegar no local. Levamos ela de volta para casa na boleia do caminhão e ela foi me contando a receita da fome. Como ela fazia o feijão com pouquíssimos grãos e muita água e os filhos iam tomando aos poucos aquele líquido para matar a fome. Ela era a última a comer, quando sobrava.”
Depois deste encontro, Alcione tomou uma decisão. Voltou para casa desta viagem, reuniu toda a família e disse que tinha um anúncio a fazer. Mãe de quatro filhos, eles pensaram que ela ia anunciar mais uma gravidez. Mas o anúncio foi o de que ela ia ter mais “150 mil filhos”. Compartilhou com eles a decisão de vender a empresa para cumprir a missão de transformar vidas.
“Foi a decisão mais difícil que tomei na vida. Vender a FLC no auge para um fundo de investimentos. Mais de 500 funcionários, 20 anos de empresa, e nunca tive um só processo trabalhista. Sempre olhei as pessoas enxergando as pessoas”, compartilhou. Hoje Alcione passa de 10 a 14 dias por mês no sertão. A Amigos do Bem atende 150 mil pessoas por meio de um modelo de desenvolvimento social sustentável. Ela educa e capacita os moradores em diversos projetos, promovendo o desenvolvimento local e a inclusão social para erradicar a fome e a miséria. O projeto investe em educação, que chega a 10 mil crianças e jovens, tem 15 unidades produtivas e gera 1.500 postos de trabalho no sertão, beneficiando mais de 13 ml pessoas com renda mensal.
“Somos um país de pessoas solidárias. Estamos na 8ª maior economia do mundo, falta apenas transformar a indignação em ação. Quem passa fome não é livre. Precisamos parar de olhar os números e olhar para as pessoas. A gente vai fazendo o bem e se transformando no processo. Vamos virando melhor profissional, melhor pessoa, melhor marido, melhor esposa. Melhor em tudo. É uma transformação que vai começando de dentro pra fora”, finalizou.
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