Devemos educar os educados
Em tecnologia, profissionais brancos, cisgêneros, heterossexuais e de alta renda têm que reconhecer que as políticas corporativas que nos trouxeram até aqui deram muito errado
Por Gustavo Glasser
Em um futuro bastante próximo, todas as empresas serão de tecnologia. Essa ideia, aliás, é expressa no que convencionamos chamar de transformação digital. Com esse cenário em vista, a contratação de profissionais de TI se tornou um dos maiores desafios empresariais no Brasil – por mais contrassenso que isso possa parecer, quando pensamos em um país com índices de desemprego vergonhosos. No final de cada dia, sobram vagas e faltam pessoas para preencher os postos de trabalho. Estamos diante de um mercado que vive a escassez de profissionais e que não tem assertividade nos processos de contratação. Essa é uma grande piada de mau gosto!
No artigo anterior, defendi que a tecnologia potencializa a nossa capacidade de trocar a lógica de escassez pela de abundância com uma rapidez e uma efetividade jamais vistas pela humanidade, mas que esse câmbio requer uma atitude altamente disruptiva por parte de empresários e líderes. Retomo, aqui, essa narrativa e aprofundo um pouco mais as causas desse gap de contratação que, no cerne da questão, apresenta uma sucessão de erros que são cometidos, sobretudo, pela alta liderança e pelas áreas de recrutamento e gestão de pessoas. A confusão se estabelece fortemente, na minha opinião, nessa fixação em contratar por habilidades técnicas em detrimento de uma visão multidimensional – que considera outras habilidades como capacidade de comunicar, tempo de experiência e de vivência do candidato em contextos profissionais diferentes. Além, claro, da competência técnica.
Quando falamos de pessoas que atuam no TI, uma contextualização anterior se faz necessária. Hoje, a foto do profissional de tecnologia mostra um homem branco, heterossexual, cisgênero e de classe alta. Esse indivíduo já está devidamente empregado e desfruta de planos de ascensão de carreira modulados ao próprio status social, ou seja, alinhado à forma como a sociedade o enxerga. A empresa, por sua vez, dentro desse cenário de transformação digital precisa contratar mais gente. É, aqui que o desafio se estabelece. Os mecanismos de contratação não dão conta de suprir essa demanda crescente e não respondem à outra necessidade contemporânea: a diversidade. Todos sabem que contar com uma equipe diversa é bastante relevante. Entretanto, parece que não há consenso na noção de que as empresas devem se envolver ativamente nessa criação de um ambiente corporativo diverso e inclusivo.
Frequentemente tenho um tipo de conversa surreal com áreas de recursos humanos que demandam que a Carambola – negócio de impacto social que desenvolve soluções estratégicas para a inclusão de diversidade no mercado de trabalho por meio um modelo inovador, que gera retorno aos participantes e aos clientes –, indique, por exemplo, um profissional transexual excelente para uma vaga sênior. A vontade é dizer que encontrei uma mina abundante e já estou minerando para atender rapidamente ao pedido (ou fetiche corporativo). Em nenhum momento, passa pela cabeça desse gestor que a responsabilidade do desenvolvimento de uma equipe diversa é também da empresa.
Aliás, todas as companhias que precisam contratar profissionais de tecnologia, devem estar profundamente comprometidas com soluções integradas que envolvem o diagnóstico da diversidade; a identificação dos vieses inconscientes e plano estratégico para desbloqueá-los por meio do desenvolvimento de uma nova cultura corporativa; criação de programa de mentoria cruzada – que aproxima as pessoas com vivências sociais, pessoais e culturais diferentes –; produção de conteúdo transformador (que prepara e explica conceitos acerca da diversidade); e suporte para a contratação de profissionais que representem a diversidade demandada especificamente pela empresa. E mais ainda, com o preparo da equipe interna para que os vieses inconscientes não perpetuem discriminações sociais.
Explicando melhor sobre onde está o erro desta demanda pela contratação puramente dita. Muito se fala da baixa escolaridade do profissional transexual que, em algum momento da vida, abandonou a escola. A evasão escolar, nesse caso, usualmente é resultado de um cotidiano de agressões emocionais e físicas. Pois bem, treinamos esse profissional e ele vai trabalhar justamente com pessoas bastante similares às que causaram as dores e os traumas que o afastaram da escola. Isso tem lógica?! A consistência de programas que focam somente na formação de vulneráveis é praticamente nula, ou seja, essas iniciativas de inclusão não são reais. Ou seja, a simples formação não é o caminho para a inclusão. Por isso, as soluções desenvolvidas pela Carambola são mais complexas, completas e eficientes; e sempre baseadas em um diagnóstico que gera evidências para a criação de um arsenal de respostas aos desafios específicos de cada empresa.
Defendo, entre outras ferramentas que propomos na Carambola, a criação de programas que capacitem esses profissionais-padrão de tecnologia (heterossexuais, cisgêneros e de classe alta) para que entendam que o mundo é muito maior do que o próprio umbigo. Devemos educar os educados! Essas pessoas têm que reconhecer que as políticas corporativas que nos trouxeram até aqui deram muito errado. Esse tipo de reflexão será eficiente e fará a cultura da empresa se transformar. E é nesse sentido que as soluções desenhadas pela Carambola opera.
Por último, gostaria de salientar que, para a Carambola, é inegociável a visão de que precisamos – como sociedade – acabar com a desigualdade social. Esse cenário não é mais sustentável no país em que vivemos. E como podemos fazer isso? Distribuindo renda para os mais vulneráveis e chamando as grandes empresas à responsabilidade da inclusão produtiva via empregabilidade e educação. E, nessa jornada que levará à evolução do nosso país, podem contar conosco!
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