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Diversidade e inclusão são raras no Metaverso

Por Gustavo Glasser

Nina Jane Patel, psicoterapeuta inglesa e cofundadora da empresa de tecnologia Kabuni, relatou um estupro no Metaverso. Minutos após entrar pela primeira vez na rede para conduzir uma pesquisa sobre o impacto psicológico e fisiológico desta tecnologia em usuários (crianças e adolescentes), quatro avatares masculinos abusaram sexualmente da sua personagem. Tocada e apalpada sem consentimento, ela contou que, enquanto os agressores praticavam o ato, tiraram selfies. Posteriormente, um deles mostrou as fotos virtuais da cena. Traumatizada, passou a pesquisar os motivos de a experiência online ter sido tão vívida e negativamente marcante.

A conclusão é que, por ser projetada para replicar a realidade – usando imersão, presença e corporificação –, essa tecnologia faz com que as linhas entre o mundo real e o virtual fiquem borradas.

O relato da pesquisadora mostra o quanto as tecnologias, especialmente as imersivas, têm reproduzido as distorções que encontramos na vida cotidiana, incluindo o mundo do trabalho. Vemos que as ferramentas tecnológicas estão pautadas e permeadas por vieses de algoritmos que levam à chamada discriminação algorítmica. Na prática, réplicas das nossas sociedades estão pautando o virtual.

Em um recente artigo sobre aprendizados adquiridos no SXSW, Ricardo Natale – fundador do Experience Club e da [EXP] –, aponta que os quatro C’s do Metaverso são colaboração, coordenação, cooperação e competição. Entretanto, essa potencialidade positiva de criar novos futuros sob a perspectiva de respeito à diversidade e inclusão está sendo desperdiçada. Na contramão disso, defendo que devemos começar a debater e a criar novos modelos sociais dentro e fora das redes. E não estou falando apenas sobre o Metaverso, mas de outras tecnologias emergentes da Web3 como o blockchain.

O fato é que estamos lidando com essas questões de maneira bastante rasa; embora haja uma discussão sobre os algoritmos enviesados, não estamos falando sobre os algoritmos inclusivos. Um instrumento que pode nos ajudar nessa tarefa de reimaginar futuros inclusivos é a Dinâmica de Espiral, teoria que explica a complexidade do mundo e a natureza das mudanças ao nosso redor.

Baseado em cinco décadas de estudos sobre o desenvolvimento humano, o conceito está centrado no fato de que a natureza humana não é fixa e de que todos nós possuímos uma inteligência adaptável e complexa. De acordo com o professor Don Edward Beck, principal pensador da teoria, essa espiral é infinita e define os níveis de consciência que ainda estariam por vir e que são ligados ao futuro da humanidade.

Na Carambola, esse conhecimento, agregado a outros, tem sido balizador de uma série de soluções e ferramentas que estamos desenvolvendo. Temos trabalhado, inclusive, com os oito níveis de consciência que marcam – de acordo com Beck – a subsistência e a existência de uma pessoa na sociedade. Ou seja, trabalhar com inclusão e diversidade requer um nível de profundidade que pouco tenho visto entre as empresas brasileiras.

Na minha opinião, essa parca profundidade é resultado desse pensamento de que o tema é simples e se resume à contratação de negros, mulheres, LGBTQIAP+, PcD, povos originários e 50+. E esse pensar raso está permeando a construção das empresas nacionais e estrangeiras no mundo digital.

Do Metaverso ao NFT, passando por outros avanços tecnológicos, vemos profissionais replicando comportamentos desprezíveis. O machismo, o racismo e todo tipo de preconceito têm encontrado lugar seguro nas redes, proliferando e se reproduzindo à sombra da impunidade. O papel das empresas no combate a esses comportamentos é crucial. Redes como o Metaverso podem contribuir para elevar a discriminação, para reduzi-la ou para exterminá-la.

Enquanto falamos, a Web3 – conceito que aborda a internet do futuro, descentralizada e marcada por tecnologias como blockchain, NFT e Metaverso, entre outras, está sendo construída e habitada não somente por pessoas idôneas, mas por indivíduos que disseminam discursos de ódio, mostrando a face mais negativa da nossa sociedade. Essa é a hora de assumirmos as responsabilidades pela construção desses novos futuros e do futuro do trabalho.

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