Tecnologia

IA além do hype: por que 79% usam, mas só 21% colhem resultados?

Cláudia Vilhena, CMO do Grupo Carrefour Brasil

Cláudia Vilhena, CMO do Grupo Carrefour Brasil*

Acabei de voltar de uma semana em Chicago, participando do Salesforce Connections, um dos principais eventos globais sobre marketing, tecnologia e experiência do cliente. E, se eu pudesse resumir o principal aprendizado em uma frase, seria esta: a IA já faz parte do jogo, mas quase todo mundo ainda está jogando errado.

O evento foi um mergulho intenso em como a inteligência artificial — e especialmente os agentes inteligentes — está remodelando negócios, redefinindo papéis e colocando líderes contra a parede. A sensação, a cada painel e conversa, era de que há um enorme abismo entre a forma como as empresas dizem estar usando IA e o verdadeiro potencial que ela oferece.

79% das empresas já adotaram IA generativa, segundo a McKinsey. Um número alto, que poderia sugerir maturidade e avanço. Mas aqui vem o dado que incomoda: apenas 21% relatam ter obtido impacto financeiro significativo. O resto? Continua preso a uma lógica de automação pontual, usando IA para tarefas de apoio — redigir e-mails, agilizar o atendimento, resumir relatórios. Copilotos eficientes, mas sem qualquer ambição de mudar o jogo.

Enquanto isso, o mundo real exige outra coisa. O verdadeiro valor da IA não está em acelerar tarefas antigas, mas em redesenhar processos, questionar quem toma decisões e como elas são executadas. No Connections, vimos exemplos de empresas que entenderam isso e começaram a substituir fluxos tradicionais por agentes digitais que operam de ponta a ponta, com autonomia, memória e contexto. Não são assistentes. São executores.

O ponto crítico aqui não é tecnológico. A IA que faz isso já existe, é acessível e operacional. O obstáculo está na mentalidade corporativa. A maior parte das empresas ainda vê a IA como um plugin, não como um fator de reinvenção. E quem continua tratando inteligência artificial como ferramenta de produtividade vai, inevitavelmente, ser atropelado por quem a enxerga como um parceiro operacional.

O e-commerce, por exemplo, já não é mais um simples ponto de venda digital. Ele se tornou um ambiente vivo e dinâmico, onde cada interação contribui para o aprendizado de agentes inteligentes, capazes de ajustar experiências, ofertas e jornadas em tempo real. A omnicanalidade deixa de ser um conceito teórico e passa a ser construída em colaboração com o próprio consumidor — seu comportamento, contexto e intenção.

Mais do que isso: a IA obriga as empresas a abandonarem estruturas organizacionais fragmentadas. Os departamentos de marketing, vendas, atendimento e digital isolados perdem sentido em uma operação coordenada por agentes que cruzam informações e tomam decisões baseadas em objetivos compartilhados. E isso exige uma nova liderança.

Surgem, então, discussões que antes pareceriam ficção: quem vai tomar as decisões operacionais daqui para frente — um gestor humano, um processo legado ou um agente digital inteligente? Se a sua resposta ainda for “um gestor”, cuidado. O mercado já se movimenta na direção contrária.

No Connections, alguns cases mostraram cargos como Chief Agent Officer, profissionais responsáveis por integrar e governar a atuação desses agentes no negócio. A função do CEO também se transforma. A pergunta agora não é mais “como usar IA”, mas “qual parte do meu core business pode e deve ser operada por inteligência artificial inteligente e contextualizada”.

E não se trata de uma discussão sobre substituição de pessoas. A IA não vai roubar empregos. Ela vai extinguir formas ultrapassadas de trabalhar, obrigando as lideranças a construírem times mais estratégicos, com foco em interpretação de dados, curadoria, ética e design de experiências. Personalização, contexto e agilidade precisam coexistir com propósito, direção estratégica e responsabilidade social.

O grande salto, no fim, não está na tecnologia. Está na capacidade das lideranças de romper com a lógica incremental e conduzir mudanças estruturais na forma de operar. A IA só entrega valor real quando deixa de ser um copiloto e passa a ser protagonista dos processos críticos. E isso começa no topo.

Se você ainda está usando IA para responder e-mails mais rápido ou automatizar relatórios, sinto dizer: você está no ponto de partida. O mercado está caminhando — e rápido — para um modelo onde os agentes inteligentes decidem, operam e constroem valor contínuo. E quem não entender isso agora, dificilmente terá espaço no próximo ciclo.

A questão não é se a IA vai transformar sua operação. É quando — e se você estará liderando ou sendo liderado por ela.

*Cláudia Vilhena é CMO do Grupo Carrefour Brasil, responsável pelas marcas Carrefour & Sam’s Club. Executiva com mais de 25 anos de experiência com foco na atuação estratégica dos negócios através das alavancas de marketing, dados, growth e transformação digital, sempre direcionada a resultados e entregas sólidas. 

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