Sete inquietações que o SXSW provocou
Por Dani Graicar*
Quando retorno de um Festival de Inovação, como o SXSW, um dos deveres e prazeres a que me submeto é a decantação dos insights. Mais de 40 palestras vistas, dezenas de ativações de marca visitadas, conversas com pessoas novas, pensamentos paradoxais, siglas que eu desconhecia… Foram tantas novidades, que seria um desperdício chegar, virar a página e me deixar absorver pela agenda maluca sem um processo como esse de filtrar o que vi e responder: afinal, pra mim, o que ficou de tudo isso?
Começo com a certeza de que o South by Southwest não é um evento de respostas assertivas, mas sim de perguntas valiosas. Você sai com a cabeça borbulhando de dúvidas, e não com o caderninho cheio de planos de ação. Isso é diferente. E que bom.
O evento já nasceu subversivo, há 35 anos. O próprio nome vem de uma brincadeira com o filme de Alfred Hitchcock, “North by Northwest”, e tem como palco a cidade de Austin, um Texas à parte, onde a tradição, a inovação das startups e a estranheza mais genuína se encontram. “Keep it weird”, como dizem os locais. E a gente, depois, entende o porquê.
Introdução feita, é hora de compartilhar as sete inquietações que o SXSW provocou e que me perseguem, há pouco menos de 50 dias, quando cheguei de lá:
1.Descentralização ou recentralização? Um dos temas mais falados no evento foi a Web3. Tristan Harris falou que acredita que essa nova organização descentralizada também pode criar novas bolhas de controle, como vemos hoje. Como contou Scott Galloway em sua palestra, 9% das contas de cripto concentram 80% do mercado de NFTs e 2% das contas concentram 72% de Bitcoins. Fora isso, 81% das criptomoedas são do sexo masculino e somente 5% dos projetos de cripto são de mulheres. Será mesmo que esses novos conceitos estão democratizando e descentralizando o mundo ou saindo das mãos das Big Techs e indo para as poucas mãos de alguns poucos homens privilegiados? Quais as chances reais de equidade por essa via?
2.Reperceba os dados, as informações, a vida. A futurista Amy Webb provocou a audiência da maior sala do evento ao perguntar o que víamos numa figura na tela. Aparentemente, os borrões pretos não formavam qualquer desenho. A dinâmica da fundadora do Future Today Institute faz parte do experimento “A vaca de Dallenbach”, em que apenas fragmentos de uma foto de uma vaca são exibidos, e as pessoas têm dificuldade em perceber do que se trata. Quando Amy revelou os contornos, tudo ficou óbvio e é essa provocação que ficou pra mim, enquanto líder: será que estou vendo os espaços em branco ou buscando as respostas no óbvio? Ampliando o tema, será que estou deixando espaços vazios no meu dia, para viver a serendipidade ou apenas preenchendo 100% da agenda com o que julgo útil para o negócio. Como posso criar mais situações em que meu time enxergue as respostas diferentes? Como posso contribuir para que meus clientes avaliem as tendências de forma mais aberta e menos reativa e entendam que seus concorrentes podem vir de lugares menos previsíveis?
3.Quando o tema é diversidade, coloque intenção no pertencimento: a sigla DE&I, de Diversidade, Equidade e Inclusão ganhou um poderoso “B”, de Belonging. Encontrei DEIB em algumas palestras e, ao mesmo tempo, provocações que seguem me rondando: como explicar às marcas e empresas a necessidade de uma intenção real para transformar o Brasil no quesito DEIB? Como aceitar que não dá mais para argumentar: “não sabia que isso poderia ser ofensivo” e pedir desculpas? Parafraseando Vernā Myers: quando conseguiremos não apenas convidar a diversidade pra festa, mas chamar pra dançar e criar um ambiente acolhedor pra fazer com que todos, todas e todxs sintam prazer real nessa dança?
4.Caos climático até a página 2: as palestras a que fui, com os temas “clima” ou “caos ambiental”, estavam praticamente vazias. Os dois graus a mais na temperatura do mundo foram citados em algumas apresentações dos futuristas mais admirados, mas ficamos por aí. Por quê? Como? O que podemos fazer para salvar o planeta? A emergência e o caos estavam nas capas de livros – como do renomado escritor Neal Stephenson (criador do conceito “metaverso”) –, mas não chamaram atenção da plateia do SXSW este ano. Menos até que no último evento presencial, eu diria. Será que estamos ignorando a urgência e a relevância dessa pauta? Será que os títulos das palestras estavam negacionistas demais e afastaram a audiência? Será que a gente se vê no SXSW 2050?
5.Fugir para o metaverso e colonizar o espaço ou cuidar daqui mesmo? A obsessão por colonizar Marte e o valuation inflacionado das empresas de viagem espacial foram tema em diversas palestras, como a de Scott Galloway, que critica consistentemente os players desse mercado. Mas foram Edu Lyra e Eco Moliterno que tangibilizaram a crítica: “Queremos mandar a pobreza das favelas pro espaço antes de Elon Musk colonizar Marte”, disse Edu Lyra e ainda convocou o bilionário a apoiar essa luta brasileira. Enquanto isso, outra obsessão da audiência era por entender como criar seus avatares, comprar suas terras, construir suas casas e empresas para protagonizar uma nova vida no metaverso. Aí, eu me pergunto: será que não estamos dedicando tempo e dinheiro demais ao conceito de fugere urbem versão 3.0 (hoje metaverso e turismo no espaço) em vez de usar inovação e recursos para resolver problemas complexos e reais, especialmente no Brasil? O que o mundo ganha, de fato, com tudo isso que estamos inventando nos últimos anos?
6.Está cada dia mais difícil ser humano: uma feira inteira sobre saúde mental, alimentação e sono foi montada do outro lado do rio, na cidade de Austin. No hotel Fairmont, havia uma sala enorme com mais de 30 experiências de XR para você viajar em outras realidades usando óculos de VR, por exemplo. Durante 20 minutos, você se sentia parte de uma família fugindo do gueto na Segunda Guerra ou entrava na mente de um homem com depressão. Nos hotéis e pavilhões, diversas palestras traziam temas, como a complexidade – ou não – de gerenciar múltiplas identidades no metaverso (Amy Webb e Rohit Bhargava), a necessidade de humanizar as novas tecnologias (Tristan Harris), a importância de honrar as relações (Scott Galloway), a relevância de saber nomear sentimentos (Brené Brown) e a coragem para dar significado aos encontros presenciais no pós-pandemia (Prya Parker). Afinal, está mais difícil ser humano nos dias de hoje? Como lidar com tantos estímulos, tantas angústias e dúvidas que o presente/futuro nos trazem?
7.Inovação ou espuma? Acreditar ou desacreditar? Vi muita gente questionando se metaverso, NFTs, criptomoedas, Web3 e DAO são realidades ou pensamentos vazios. Minha melhor resposta é: seja curioso(a), pergunte e estude até cansar, não tenha medo de parecer vulnerável. Sou otimista e adoro abraçar o novo, justamente pelo seu ineditismo e por encarar esses temas como oportunidades pulsantes para marcas e empresas ganharem espaço com pertinência. Se vão democratizar o mundo, não acredito; mas que já são uma realidade e estão moldando negócios, eu acredito que sim! Então, proponho que se pratique a repercepção e a experimentação desse novo, todos os dias. Quem sabe mais gente começa a abraçar esses temas e, de fato, tornar seu uso mais acessível. Não é?
Para um evento como esse e pessoas informadas e questionadoras, nada melhor do que perguntas. Pois termino com mais duas: se você foi ao SXSW este ano, que outros questionamentos pulsam na sua mente? Se você não foi, que tal ir em 2023?
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