Gestão

Painel de CMOs destaca coragem, vulnerabilidade e o lado humano das lideranças

Monica Miglio Pedrosa

Transição e planejamento de carreira, coragem, visão de longo prazo, vulnerabilidade e histórias pessoais. O painel de encerramento do CMO Experience reuniu Ana Laura Sivieri, CMO da Braskem, Pethra Ferraz, vice-presidente de Marketing Latam do Mercado Pago, e Ana Gabriela Oliveira Lopes, CMO do iFood em um bate-papo mediado por Andrea Bisker, Co-CEO do Clube Aladas.

Entre confidências pessoais e reflexões sobre a necessidade de se reinventar em um mercado em constante transformação, as três executivas compartilharam os desafios de sair da zona de conforto, os riscos assumidos ao longo da carreira, as conquistas alcançadas ao se permitirem ser vulneráveis e a forma como enxergam o planejamento para o futuro. Confira os detalhes dessa conversa a seguir.

[Andrea Bisker] O que é coragem pra vocês?

[Ana Laura Sivieri] Coragem é escutar o coração para além da mente. Nós somos muito formatados a priorizar a mente, o racional, o que precisa ser feito, o que se espera que seja feito. A coragem está em você ouvir o que realmente te chama, mesmo não indo de encontro, muitas vezes, com o que a mente manda você fazer.

[Ana Gabriela Lopes] Minha trajetória tem um pouco dessa coragem. Coragem é não só ouvir o coração, mas também entender que, muitas vezes, você precisa desaprender e se desapegar de algumas coisas para poder abrir espaço para o novo. Para mim, isso foi muito marcante em toda a minha trajetória, sair da zona de conforto. E vai dar frio na barriga, mas é aquele frio que precisa te impulsionar e não te paralisar. Então eu enxergo muito coragem nesse lugar de você desaprender, aprender, desconstruir e se abrir para o que é novo.

[Pethra Ferraz] A coragem nos faz ir além, nos faz lidar com aquele frio na barriga, com o medo, mas não desistir e acreditar que somos capazes de fazer. Coragem é um sentimento e uma característica que faz a gente se manter em movimento, não estar paralisado, não ficar sempre na zona de conforto. Ficar estagnado no que é familiar não faz a gente aprender, nem evoluir.

[Andrea] Ana, você está há 24 anos na Braskem. Você unificou, alguns anos atrás, o marketing e a comunicação globais, que são áreas que muitas vezes têm culturas bem diferentes. Que tipo de coragem você precisou para assumir essa mudança estrutural dentro da empresa?

[Ana Laura] Primeiro, a coragem de quebrar toda a estrutura que havia. A Braskem é uma empresa nacional, mas somos uma multinacional brasileira, então temos fábricas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Na época, a área de marketing e a de comunicação pertenciam a duas diretorias distintas. A ideia foi fazer realmente uma avaliação 360. Invertemos a maneira pela qual nossa área, unificada globalmente, teria que provocar toda a empresa a repensar a maneira de se comunicar. Quebrei e remontei de novo o time, desafiando as pessoas a pensarem. Quem só fazia patrocínios precisava pensar como isso ia reverberar no PR, no branding. Algumas pessoas ficaram bastante incomodadas com a mudança. Tive que trocar o perfil de algumas delas. Isso deu uma energia e uma jovialidade à área, recebi pessoas de agências que queriam trabalhar em B2B pelo desafio que tinha de sustentabilidade e de trabalhar em um produto que é visto como um “vilão”.

[Andrea] Pethra, você passou pela Ambev, Whirlpool, BRF, depois pelo setor financeiro digital, XP, agora Mercado Pago. Vamos falar de transições. Você se preparou para a mudança? Como foi esse caminho?

[Pethra] A decisão foi planejada, mas difícil. Depois de passar por essas empresas, ditas hoje mais tradicionais, decidi arriscar e escolher o próximo passo, para não deixar a inércia e o que é óbvio me levar. Eu havia decidido fazer a transição para tecnologia e serviço financeiro não era minha primeira alternativa. Minha primeira opção era o varejo. Foi aí que surgiu a oportunidade da XP, que não tinha uma área de marketing sólida e eles precisavam de alguém com experiência em marketing, pois estavam em um pré-IPO. Eles também haviam adquirido duas empresas e não sabiam operar multimarca. Para mim foi um match perfeito para o que eles precisavam versus o que eu estava buscando. Foi um momento de reinvenção, de aprender sobre tecnologia, estratégia de CRM, foi um momento de muita transformação pessoal. Aprendi algo fundamental que é viver no caos, me adaptar e ser flexível, sempre mantendo um norte claro de onde queremos chegar.

Pethra Ferraz, vice-presidente de Marketing Latam do Mercado Pago
Pethra Ferraz, vice-presidente de Marketing Latam do Mercado Pago

[Andrea] O imprevisível é assustador. A Ana Gabi tinha um time pequeno de pesquisa e a mudança foi dentro da empresa. Ela foi convidada a liderar o time de marketing e me contava que é fácil ser corajosa quando a empresa é corajosa. Como foi esse processo?

[Ana Gabi] O meu background é de pesquisa de mercado, a Pethra foi minha gestora na Whirlpool e nas conversas sobre desenvolvimento de carreira sempre dizia que queria trabalhar com pesquisa de mercado para sempre. Quando eu fui para o iFood a empresa tinha menos de 500 funcionários, em um segmento que não tinha atuado, para criar a área de inteligência de mercado e pesquisa do zero. Essa área depois virou uma diretoria. Em 2022, meu chefe na época me falou que a empresa estava passando por uma transformação e que as áreas de marketing seriam unificadas e me convidou para aceitar esse desafio. E eu topei, porque se a empresa confiou em mim, vamos fazer essa aposta juntos. A rede de segurança é muito importante nesse momento.

Eu saí de um time de 30 pessoas, super analítico, de pesquisa, para um time de 200 pessoas, com pessoas mais criativas, pessoas muito ligadas à publicidade. Entendi que precisava me juntar com quem sabia fazer isso melhor do que eu naquele momento. Foi um momento de vulnerabilidade, tive que começar a aprender do zero como diretora, com uma cobrança e uma expectativa muito grandes. Tive de reconhecer no que não era tão boa e trazer parceiros bons para o time. Isso é desapegar.

Ana Gabi Oliveira Lopes, CMO do iFood
Ana Gabi Oliveira Lopes, CMO do iFood

[Andrea Bisker] Você trouxe a palavra vulnerabilidade. Que situação vocês já viveram que mostrou uma vulnerabilidade de vocês, ou da empresa?

[Ana Laura] É o que eu mais faço na Braskem. A vulnerabilidade lá é muito forte. Nosso bônus é calculado da seguinte forma: 80% são suas metas e 20% são as suas competências. Entre elas, a vulnerabilidade. Vcê é estimulado a se mostrar vulnerável. E eu não me mostrava muito vulnerável, exatamente por ser um ambiente muito masculino, eu achava que tinha sempre que estar bem, respondendo, pronta. Tive um líder incrível que saiu da empresa no ano passado que me avaliou mal em vulnerabilidade. Depois dessa conversa, passaram-se alguns meses, eu havia tido um problema pessoal e estava com ele em uma reunião. No meio dela, ele me perguntou se eu estava bem e eu comecei a chorar. Pela primeira vez. Depois disso exerci várias coisas mais vulneráveis com meu time e meu chefe me estimulava por eu ser uma líder mulher. No ano seguinte, fui bem avaliada nesse quesito.

Tivemos uma crise na empresa em Maceió, com a movimentação do solo na região, e precisávamos retirar as pessoas da área. Entre aquele dia que os sonares detectaram a movimentação e quando o solo realmente se moveu, não sabíamos quanto tempo levaria para acontecer. Era muito difícil fazer qualquer comunicação naquele momento, porque geologia não é uma ciência exata. O Conselho me pressionou muito para fazer uma comunicação nacional, devido à pressão da mídia. E eu me mantive firme na minha decisão de não comunicar o que não sabíamos. Até que eu recebi uma ligação do presidente do Conselho dizendo para eu não ceder à pressão, que eu estava certa em não comunicar nada naquele momento. Isso meu deu força para fazer da maneira que acreditávamos e deu tudo certo. Consegui me posicionar em um momento de bastante vulnerabilidade da empresa e meu também.

[Pethra] Vou voltar à minha transição porque, apesar de planejada, ela foi difícil. Descobri que não sabia praticamente nada, a fórmula que eu conhecia, de consumidor, plano de produção, definição de preço, vendas, trade, sell-in, sell-out. Toda essa caixinha de ferramentas não servia mais para nada. Tive que aprender e pedir ajuda e eu era a head da equipe. Eu tinha que olhar para os meus diretos e dizer que não sabia do que eles estavam falando. É bastante desafiador. Ao mesmo tempo, eu disse que estava ali por esses outros motivos e que poderia ajuda-los em outras disciplinas. Isso me ajudou muito, porque me fez conectar de forma real e super transparente com eles.

[Ana Gabi] Tem muito do que a Pethra falou, de você ter que dizer para o time que de fato não sabe aquilo, quando há uma expectativa muito grande de que você saiba dar todas as respostas. Principalmente em empresas de tecnologia que mudam muito rápido, você não sabe o que vai acontecer amanhã, tudo vai mudando. O iFood acelera demais, a gente vai fazendo muitas fusões e aquisições, isso vai transformando a empresa. Você não sabe dar todas as respostas. Muitas vezes, também com as minhas lideranças e os meus pares, tive de dizer que não sabia como agir em uma determinada crise, porque isso nunca havia acontecido antes. É quase que um exercício diário de vulnerabilidade.  Só que isso vai fazer você se conectar de forma genuína com as pessoas e elas vão te ajudar. Pedir ajuda é super importante.

[Andrea] Vamos falar agora de transição de carreira. Ana Laura, conta aqui em primeira mão sobre sua decisão.

[Ana Laura Sivieri] Tomei uma decisão de fazer uma transição da Braskem. Comecei essa conversa com eles no ano passado, porque afinal foram 24 anos na empresa. Eles pediram para esperar um pouco, porque as mudanças já eram muito grandes. Comecei esse processo em maio, ajudei a organizar como a área vai ficar pois o cargo de CMO não vai mais existir, os gerentes vão ficar ligados diretamente ao vice-presidente. E a partir de setembro fico mais seis meses como consultora para capacitar esse time que vai ficar e apoiar o presidente na transição. Está sendo super bem estruturada. Desejo que todos consigam fazer uma transição como a que eu estou fazendo, depois de tanto tempo de empresa.

Ana Laura Sivieri, CMO da Braskem
Ana Laura Sivieri, CMO da Braskem

[Andrea] Como vocês imaginam suas carreiras no longo prazo? Como tomar decisões que vão ser mais interessantes no longo prazo, mas que no curto prazo talvez tragam alguma perda?

[Pethra] Uma coisa que aprendi nesses últimos anos, principalmente depois desse movimento para tecnologia, é que a visão de longo prazo é muito mais um norte, uma inspiração, uma visão de onde a gente quer chegar. Não existe mais essa linha reta, controlar como a gente vai chegar lá. Nosso ciclo de planejamento anual não serve mais em fevereiro. Então é importante ter essa visão de longo prazo, de onde queremos chegar, mas no curto prazo se adaptar, ser flexível, saber encontrar novos jeitos de fazer, até chegar lá. O mesmo acontece na vida pessoal.

[Ana Gabi] Sempre fui mais planejada, por causa do meu background. Quando veio a pandemia, todos os planos que tínhamos para o iFood mudaram do dia para a noite, todo mundo precisou se readaptar. Lembro que estávamos com uma campanha super promocional em março e de repente o delivery passou a ser um fio condutor importante para a cidade e os negócios poderem acontecer. Naquele momento, caiu uma ficha que não dá para planejar muito. Você precisa ter coragem para lidar com isso que é imprevisível. Concordo com a Pethra de que é preciso ter uma visão, porque senão você só olha para o curto prazo, mas você não sabe muito bem para onde está indo. No lado pessoal, decidi fazer uma pós-graduação em Psicologia Positiva e Mindfulness. O que vai acontecer comigo depois? Não sei, mas é o que quero fazer agora, então fiz.

Andrea Bisker, co-CEO do Clube Aladas
Andrea Bisker, co-CEO do Clube Aladas

[Andrea] Vocês reconhecem suas conquistas?

[Ana Laura Sivieri] Eu aprendi a reconhecer com o tempo. Recebi o feedback de várias pessoas e de alguns mentores e isso me ajudou muito também nessa tomada de decisão de falar que eu quero experimentar esse meu conhecimento em outro segmento. Fiquei 24 anos em Química e Petroquímica e quero colocar isso em prática, potencializar a reputação, mitigar o desgaste de imagem, potencializar. Então, ao mesmo tempo que a gente estava com a crise em Maceió, eu estava com a marca no Rock in Rio, estava com a marca no Big Brother, falando de educação ambiental. Então, como é que equilibrava essas duas coisas, dois pontos tão distantes? Então, ter exercido isso e poder levar para um outro lugar é o que eu tenho vontade de fazer. Receber das pessoas essa validação, de me apoiar em sair do lugar de conforto, me deu a certeza para fazer esse movimento.

[Pethra] Acabei de mudar de casa. E a frase que mais ouvi nos últimos dias é que eu só ficava olhando para o que ainda não estava bom. A casa está maravilhosa e eu olhava para a porta que ficou torta, para a pintura que não ficou boa. Meu marido é uma pessoa que desfruta muito mais do agora e me ajuda a equilibrar. É um aprendizado contínuo, porque tenho esse feedback da minha família, no trabalho, de que nada está bom. É um exercício que reconheço que preciso praticar e ir melhorando aos poucos.

[Ana Gabi] Eu demoro muito a reconhecer, celebrar e aproveitar. Acho que a gente está sempre pensando qual é a próxima demanda. Também recebo feedback que a gente podia celebrar e aproveitar muito mais a jornada. Reconheço que é importante, mas não é algo natural pra mim ainda.

[Andrea] O que vocês imaginam que, de uma forma coletiva, é essencial para que a liderança faça diferença na vida das pessoas?

[Ana Laura] Nesses dias, que estão sendo de despedida, eu escutei muita coisa da minha equipe e um dos depoimentos foi o de que eu ensinei que trabalhar pode ser leve e gostoso. Foi um retorno de uma gerente que começou na empresa como analista e que me disse que eu acreditava mais nela do que ela mesmo acreditava em si. Independentemente do ambiente que você estiver, da pressão, a relação entre as pessoas tem que ser leve. Porque assim é muito mais fácil resolver qualquer coisa. É o olho no olho, é o estar junto, é saber que todo mundo é humano. E você se colocar nesse lugar, ao lado deles, é o mais importante.

[Pethra] Concordo com tudo o que a Ana disse. Falamos de vulnerabilidade e de coragem. Acho que parte das pessoas poderem exercer coragem vem de um contexto e de uma rede de segurança. Porque dificilmente, se você não tem uma rede de segurança, vai ser corajoso na irresponsabilidade. Hoje estou em uma empresa onde de verdade o erro é valorizado, porque se não errarmos não estamos testando, nem aprendendo. Todo mundo precisa se colocar vulnerável para poder errar. Como é que eu posso ser esse apoio para que as pessoas na empresa se sintam capazes e confiantes de que vale a pena tentar?

[Ana Gabi] Como os líderes vão lidar com as relações humanas e essa tecnologia que cada vez mais avança? Esse é um desafio. No iFood, temos um modelo híbrido de trabalho, muita gente nem mora em São Paulo, mas, ao mesmo tempo, como é que essas conexões pessoais e humanas podem acontecer? O desafio do líder é conseguir lidar com isso em um mundo tão tecnológico, onde as coisas acontecem por AI, onde não se exige naturalmente uma interação humana. Como que a gente vai se forçar a continuar mantendo essa conexão viva?

Fotos: Marcos Mesquita

  • Aumentar texto Aumentar
  • Diminuir texto Diminuir
  • Compartilhar Compartilhar