ESG

Para combater etarismo, empresas começam a criar vagas afirmativas para profissionais 50+

Por Andrea Martins

O aumento da expectativa de vida e a constante redução das taxas de natalidade no país estão causando uma rápida transformação no mercado de trabalho brasileiro. Enquanto a população envelhece (por um bom motivo, já que a expectativa de vida aumentou) e a natalidade cai, a idade média dos trabalhadores aumentou para 39,3 anos, de acordo com um levantamento da LCA Consultoria Econômica a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre 2012 e 2023, de acordo com o IBGE, o número de profissionais com mais de 40 anos passou de 38,6% para 45,1% do total. Já a participação dos jovens entre 18 e 24 anos caiu de 17% para 14%, o que empurrou a média para cima. Mas isso não significa que os mais velhos tenham mais oportunidades. Mesmo com a mudança demográfica, muitos profissionais com mais de 50 anos ainda enfrentam dificuldades para se manter ou se recolocar no mercado.

Com o envelhecimento populacional, hoje 27% dos brasileiros têm mais de 50 anos. Mas apesar de tão numerosos, os profissionais maduros representam apenas de 3 a 5% dos empregados nas empresas, segundo o IBGE. Um dos principais motivos para a baixa representatividade desta fatia da população no ambiente laboral é o etarismo (ou idadismo), preconceito e discriminação em relação às pessoas com base na idade.

“A falta de políticas de contratação para pessoas 50+ reflete um etarismo estrutural no mercado de trabalho. Muitas empresas ainda não reconhecem o valor da experiência e da maturidade que os profissionais mais velhos trazem. Isso ocorre mesmo com o envelhecimento da população, fruto de estereótipos ainda fortes na nossa cultura, e a crescente importância da agenda ESG, que deveria incluir a diversidade etária como um de seus pilares”, afirma Mórris Litvak, CEO e fundador da Maturi, empresa que conecta pessoas acima de 50 anos a oportunidades de trabalho, networking e desenvolvimento pessoal e profissional.

Para Litvak, a diversidade etária agrega valor aos negócios de várias maneiras: ela promove um ambiente de trabalho mais rico em termos de experiência e perspectivas, melhora a tomada de decisão e pode levar a uma maior satisfação do cliente pela compreensão de um espectro mais amplo de necessidades e preferências.

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“A elevação da idade média no mercado de trabalho não tem influenciado muito as políticas de diversidade etária no mercado corporativo, até porque a grande maioria das empresas não têm políticas de diversidade etária”, diz a pesquisadora Fran Winandy, psicóloga com MBA em RH e mestre em Administração de Empresas e pesquisadora na área de diversidade etária. “O etarismo é regra, porque temos essa associação entre juventude e talento”, diz ela.

Leia aqui a entrevista completa com Fran Winand: “Diversidade etária enriquece a organização”.

E quanto mais avançada a idade, pior a situação. A pesquisa Tsunami 60+, sobre o brasileiro com mais de 60 anos, mostra que três em cada cinco pessoas nesta faixa etária já sofreram algum tipo de preconceito.

“Ele é muito velho, ele é muito lento, ele não vai saber mexer. Mais de 50% se sentem completamente descartados do mercado. O preconceito ainda é muito grande e uma das coisas que as pesquisas mostram é que os líderes não estão dando muita importância para esse assunto. E eles são, justamente, as pessoas que têm 50, 60 anos”, diz Andréa Bisker, especialista em tendências de comportamento do consumo.

Leia aqui a entrevista completa com Andréa Bisker: “Empresas estão só começando a olhar para a economia prateada, que movimenta R$ 2 trilhões no Brasil”.

De olho nesse descompasso e na escassez de mão de obra especializada, algumas empresas estão desenvolvendo programas para aumentar a diversidade etária de suas equipes. É o caso do Grupo Pereira, sétimo maior grupo varejista do país, composto pelas redes Comper (supermercados), Fort Atacadista (atacarejo), Atacado Bate Forte (atacadista de distribuição) e SempreFort (varejo farmacêutico), de Santa Catarina.

Dos 18 mil funcionários, quase 13% têm mais de 50 anos, mais do que o dobro da média do mercado, entre 3% e 5%. A meta até o final de 2024 é chegar a 20% dos colaboradores nesse perfil etário e a 25%, em 2025. Para isso, a companhia investe em campanhas de contratação exclusivas para pessoas com mais de 50 anos e que estão buscando oportunidades de trabalho.

Em 2023, a empresa abriu 2500 vagas para profissionais com mais idade, de funções operacionais e administrativas a atendente de caixa e gerente, em todos os estados em que o grupo atua (SC, MT, MS, GO, SP, RJ e no Distrito Federal). Estudo realizado na companhia mostrou que em termos de rotatividade, absenteísmo e produtividade o público 50+ era o que tinha melhor performance. Sem contar que, historicamente, a empresa tem muitos funcionários que envelhecem na casa, com até 45 anos de carreira.

Mulheres: cobrança ainda maior

O etarismo não é exclusividade das empresas brasileiras. Levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), feito em 2021, mostra que uma em cada duas pessoas pratica esse tipo de preconceito contra os mais velhos em todo planeta.

Para as mulheres, o peso da idade é ainda maior, o que faz com que elas sejam as mais afetadas pelo preconceito, especialmente no ambiente de trabalho. De acordo com a American Association of Retired Persons (AARP), quase duas em cada três mulheres com 50 anos ou mais dizem ser discriminadas regularmente, com alto impacto em sua saúde mental. O dado é da pesquisa Mirror/Mirror de 2022, feita nos Estados Unidos.

Para Fran Winandy, a questão de gênero e a pressão imposta às mulheres faz com que elas sejam as mais afetadas pelo preconceito de todos os lados, principalmente por conta do fenômeno chamado age shaming, que é a vergonha de envelhecer.

“Como a beleza está associada à juventude, a mulher não tem permissão para envelhecer. Na nossa sociedade ainda é falta de educação perguntar para uma mulher quantos anos ela tem”, comenta. Pesquisas mostram que dentro das empresas o conhecimento das mulheres mais velhas não é avaliado da mesma forma que o conhecimento dos homens. “Tem um sistema de valores patriarcal que tende a excluir pessoas de idade, principalmente quando são mulheres. O etarismo tem uma lente mais forte com relação às mulheres, porque há uma intersecção de idade, gênero e aparência. Então, elas sofrem tripla discriminação”, comenta Fran Winandy.

Justamente a liderança feminina pode ser um diferencial para ampliar a diversidade etária e o debate sobre o tema nas empresas. É o que acontece no Grupo BCW Brasil, uma das principais empresas globais de comunicação, sob o comando das copresidentes Rosa Vanzella, 53 anos, e Simone Iwasso, 43.

O grupo, composto pelas agências BCW BrasilMáquina Cohn & Wolfe, trabalha com um Comitê de Diversidade que se reúne formalmente todo mês e implementa ações em quatro frentes prioritárias: capacitismo, gênero (LGBTQIA+, equidade da mulher etc), racismo e etarismo. Com 67% do quadro de funcionários composto por mulheres, no último trimestre de 2023 o grupo lançou a campanha “Se eu quero, eu sempre posso”, voltada para os profissionais com mais de 50 anos darem seus depoimentos sobre a carreira.

“Nosso objetivo é trazer estes assuntos para o nosso dia a dia, de forma elucidativa, despertando o interesse e engajamento dos nossos profissionais. Fazemos isso por meio de workshops com profissionais da casa e do mercado e com campanhas externas, como a do etarismo”, conta a copresidente Rosa Vanzella, que também preside o comitê de diversidade.

“Também buscamos trazer os temas para a pauta dos gestores e publicamos vagas afirmativas em nosso processo permanente de recrutamento e seleção, a fim de ampliarmos as contratações entre públicos mais diversos, incluindo o 50+”, diz a copresidente Simone Iwasso. O maior desafio, diz ela, é que as informações sobre as vagas abertas cheguem a esses profissionais, para que eles se candidatem. “A grande vantagem é a capacidade da empresa em uma entrega mais completa, mais diversa. É um diferencial. Valorizar a contribuição que cada público pode dar ao todo”, diz Simone.

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