Mercado

Retail Dinner reúne CEOs de gigantes do varejo

Paulo Correa, José Rafael Vasquez, Renato Raduan e Ricardo Natale

Monica Miglio Pedrosa

Uma verdadeira aula prática sobre cultura, inovação, gestão de pessoas, engajamento, fidelização e resultados. Assim foi o Retail Dinner, que reuniu ontem quatro dos principais CEOs do varejo brasileiro: Paulo Correa, CEO da C&A, José Rafael Vasquez, CEO do Sam’s Club & Carrefour Varejo, Renato Raduan, CEO da RD Saúde e Renato Franklin, CEO das Casas Bahia, que participou por vídeo, de forma assíncrona. O debate, moderado por Ricardo Natale, CEO e Fundador do Experience Club, revelou as estratégias, desafios e conquistas de quem está na linha de frente da transformação do varejo no país.

Durante o jantar na Experience House, que recebeu cerca de 100 líderes de empresas varejistas, Franklin destacou que empoderar os vendedores das Casas Bahia foi um fator crítico de sucesso para o turnaround da companhia. Renato Raduan explicou por que a RD Saúde mudou a composição dos indicadores de bônus das farmácias, reduzindo de 70% para 20% o peso das vendas.

Vasquez contou a importância da curadoria de mercadorias para um clube de compras e como o Sam’s Club usa os dados dos seus mais de 4 mil sócios para personalizar a experiência. Já Paulo Correa revelou o processo teste-escala da C&A, que produz pequenas quantidades de roupas que podem virar tendência para testar nas lojas antes de escalar, e como isso tem se tornado um diferencial competitivo da marca: “Não estamos no negócio de acertar a tendência, mas de testar tendência”, disse.

A seguir, confira um resumo dos melhores momentos do bate-papo:

Paulo Correa, CEO da C&A
Paulo Correa, CEO da C&A

Rentabilidade com transformação

[Ricardo Natale] A C&A voltou a entregar lucro num mercado ultracompetitivo. O que explica a retomada: disciplina financeira ou produtos mais desejados?

[Paulo Correa] Um pouco de ambos. No final do dia tem a ver com ter clareza de onde a gente quer chegar e de quais são os planos que estão por trás da execução dessas transformações. Ao final, muita disciplina financeira, muito foco no consumidor. À medida que você vai conseguindo construir uma história que o consumidor entende que é melhor, ele reage a essas histórias, e isso vai gerando um ciclo de prosperidade. O resultado gera caixa, que gera investimento no negócio, com foco em melhorar a experiência do cliente e isso vira um ciclo de prosperidade.

[Ricardo Natale] Vasquez, o modelo de clube exige valor percebido constante. Como transformar lealdade em rentabilidade, sem se tonar apenas guerra de preços?

[José Rafael Vasquez] O Sam’s Club, como modelo de varejo, é um animal bem diferente mesmo. É o único clube de compras no Brasil. O valor percebido para o sócio é a curadoria de mercadoria que entregamos. Enquanto o Carrefour tem 32 mil SKUs e um atacarejo ou atacadão tem em torno de 10 mil, o Sam’s tem apenas 5.500 SKUs. Nossa obrigação é a de fazer uma curadoria e entregar um produto que faça sentido para o sócio. Lembrando que somos o único varejista que o cliente tem que pagar um membership, que vai de R$ 95 a R$ 175, para comprar. É curadoria, preço competitivo e a criação de um ciclo virtuoso que gere mais venda e rentabilidade.

[Ricardo Natale] Em saúde, escalar com margem nunca é simples. O que a RD está fazendo para crescer mantendo a qualidade de atendimento?

[Renato Raduan] O negócio de farmácia é diferente do varejo de moda ou alimentar. No fundo, o que vendemos pode ser encontrado em qualquer farmácia. São 90 mil no Brasil. Tirando alguns produtos específicos de skinceuticals, que podem diferenciar em cada rede, o medicamento é igual em qualquer marca concorrente. Então o diferencial precisa estar na experiência, na qualidade da execução, na disponibilidade de estoque, no ambiente da farmácia e, principalmente, no atendimento humano.

Não dá para expandir a rede sem entregar antes qualidade de experiência desde o dia um. Estamos chegando a 3.500 farmácias e isso é claro para todos nossos controladores. Todo mundo tem que ter a nossa cultura e o nosso jeito de ser. Para inaugurar uma nova loja, trazemos balconistas e gerentes de outros estados para garantir a qualidade da execução. Nossos gestores foram todos formados internamente, ninguém vem de fora.

José Rafael Vasquez, CEO do Sam's Club & Carrefour Varejo
José Rafael Vasquez, CEO do Sam’s Club & Carrefour Varejo

Consumidor, Desejo e Experiência

[Natale] Como a C&A constrói coleção que gera desejo? O que para você é moda democrática em 2025?

[Paulo Correa] Construir coleção é uma competência que precisa ser desenvolvida dentro da empresa. É preciso perceber tendências que o olho tradicional não vê. Antigamente, as grandes casas de moda ditavam as tendências, hoje tudo é tendência, ela pode vir de qualquer lugar, de um influenciador, por exemplo. Não estamos no negócio de acertar a tendência, mas de testar tendência. Criamos um processo chamado teste-escala que monitora tendências, produz pequenas quantidades do produto, coloca em algumas lojas e o que o cliente gostar mais a gente escala. O dinheiro aparece quando você consegue identificar que algo que estamos testando vai dar certo e ganha volumetria nisso. Esse é o momento onde estão as melhores margens. Comportamento humano hoje é versatilidade. Um produto versátil é um produto democrático, acessível, que a maioria da população pode usar várias vezes.

[Natale] A experiência na loja do Sam’s Club é crucial para esse modelo. Quais as inovações recentes que realmente têm mudado essa recorrência dos sócios?

[Vasquez] O Sam’s está fazendo 30 anos no Brasil. A marca chegou em 1995, pelo Walmart, e passou por diferentes períodos, alguns melhores, outros piores. Nos últimos três anos resgatamos a consistência na cultura e a maneira de operar. Uma colega me deu um feedback esse final de semana, ela é sócia antiga do Sam’s e disse que está vendo a marca recuperar a essência do que era anteriormente. Pra nós, recuperar esse DNA é a inovação do momento.

[Natale] Renato, o que realmente fideliza o cliente popular hoje, crédito, serviço ou curadoria?

[Renato Franklin] O brasileiro está cada vez mais seletivo. Ele pensa bem antes de comprar, gosta de avaliar várias variáveis. E fidelização vai muito além do crédito. O crédito é muito importante, mas vai muito além. Para mim, fidelização trata-se de confiança. Qualquer empresa tem que entregar o que promete. Isso vale muito para o cliente, não ter fricção e estar presente lá quando ele precisa. Então a resposta para mim não é só o crédito, é serviço, é curadoria, tudo junto, fazendo isso de forma inteligente. Ter os produtos certos, o preço justo e aquela experiência que faz o cliente sentir que valeu a pena comprar aqui. No fim, para nós, o que fideliza é a dedicação total a nossos clientes.

[Natale] Raduan, a RD tem 60 mil colaboradores lidando com pessoas, em boa parte, em situação de vulnerabilidade na saúde. Como manter o cuidado humano no centro, mesmo com a automação crescente?

[Raduan] Primeiro um ajuste, esse mês estamos chegando a 70 mil pessoas. No nosso negócio, a presença humana é superimportante e quase insubstituível pela tecnologia, que vai apoiar o humano, mas não substituí-lo. Além de ser um mercado regulado, que não permite autosserviço na compra de medicamentos, o atendimento humano é o que provê a experiência. Lembro uma história do fundador da RD que dizia que uma pessoa que entrava na farmácia para buscar informações sobre endereço ou outra que ia comprar produtos precisavam ser tratadas com a mesma qualidade de atendimento.

Quando eu entrei e percebi isso, mudamos completamente os indicadores da farmácia. O peso das vendas no bônus, que era de 70%, caiu para 20%. A pesquisa de engajamento dos colaboradores representa 30% e a avaliação do consumidor, 50%. Se estivermos cuidando bem das pessoas e elas atenderem bem os clientes, a fidelização vem. Essa é a nossa história.

Renato Raduan, CEO da RD Saúde
Renato Raduan, CEO da RD Saúde

Digital, Dados e Ecossistemas

[Natale] Paulo, com a chegada da H&M, o jogo ficou mais complexo. O que a C&A tem de vantagens competitivas, de diferenciais, que a concorrência não copia?

[Paulo Correa] Em todos os lugares que a H&M abriu loja, a minha venda aumentou. E isso tem a ver com atrair mais atenção. Na época que chegou a Forever 21, alguns anos atrás, foi exatamente a mesma coisa. O mercado de moda é um mercado muito fragmentado. As três maiores não têm nem 20% do market share. Então, no final da história, tem espaço para todo mundo, tem muita informalidade. Quando chega um player novo desse, a informalidade é quem sofre mais no final do dia.

O que a C&A tem de diferente? Primeiro, completamos 50 anos de Brasil no ano que vem. A C&A é considerada a mais brasileira de todas as marcas em pesquisas, embora não seja. Sua origem é holandesa. Conhecemos profundamente a mulher brasileira, seus desejos, preferências. Segundo, hoje temos um time bastante robusto e muito experiente. Isso é muito difícil e demorado de montar no segmento da moda. E terceiro é nossa rede de lojas, são 332 nas principais capitais do Brasil, nos principais shopping centers. Construir esse portfólio de lojas e de reputação leva tempo. Bem-vindos aos novatos, mas não tenha muita pressa, porque vai levar um tempinho para chegar lá.

[Natale] Vasquez, o que vocês estão usando, no grupo como um todo, de estratégia de dados para personalizar benefícios e aumentar o ticket?

[Vasquez] O grupo faz 600 milhões de transações por ano nas três bandeiras (Atacadão, Carrefour e Sam’s). Mas ainda somos incipientes na tratativa desses dados. No Sam’s isso é bem forte. Todos os clientes são sócios, temos os dados detalhados deles. O Carrefour é uma empresa com cinco divisões: hipermercado, supermercado, Express, postos de combustível e drogaria. O que estamos procurando fazer é extrair informação desses dados. Começamos a usar IA em supply chain, em precificação e está funcionando bem, mas é como o Paulo falou, testar e aprender. Já no Sam’s o CRM é muito bem utilizado e trabalhamos com grandes parceiros nessa frente.

Renato Franklin, CEO das Casas Bahia
Renato Franklin, CEO das Casas Bahia

Liderança, Cultura e Execução

[Natale] Raduan, como é a tua estratégia para ganhar o coração do board e da equipe de 70 mil colaboradores?

[Raduan] Não quero ter a pretensão de me colocar no lugar de quem já conquistou o coração das pessoas. Estou ainda nessa jornada e não tenho uma estratégia pensada para isso. Estou há 13 anos na empresa e comecei como responsável pela operação. Depois acumulei a área de expansão, supply chain, canais digitais, M&A e agora sou CEO. Tive a chance de estar muito próximo de várias equipes, nas farmácias, nos CDs, na matriz, então tive o privilégio de construir uma história com eles.

Não tenho uma estratégia para conquistar as pessoas, a não ser fazer o que acho certo e fazer o certo para todos. Eu realmente acredito que as pessoas é que fazem diferença e falo isso para eles. Com relação ao board, eles querem ver o resultado entregue e a empresa crescendo, isso é o que conquista o coração deles. Tive o privilégio de ter sido escolhido como CEO pelo board. O que eles valorizam é a transparência, mesmo que tenha que levar desafios para eles.

[Natale] Paulo, você como guardião da cultura da C&A, quais aprendizados teve para construir essa cultura tão forte na companhia?

[Paulo Correa] Nossos valores não são alegóricos, são histórias que talvez sejam o maior patrimônio dessa companhia. Não fui eu quem inventei a cultura, mas sou apaixonado por ela. Respeito, ética e diversidade são inegociáveis. O respeito é um elemento extremamente necessário na sociedade brasileira hoje e tenho privilégio de vivenciar isso todos os dias. O segundo ponto é que o cliente é tudo. Está escrito exatamente assim no nosso valor: o cliente é tudo. É a razão da gente estar lá. Quando mandamos embora uma pessoa excepcional em termos de talento e entrega, mas que tem dificuldades de relacionamento com as pessoas, não consegue respeitá-las, essa é uma decisão difícil, mas que permite construir uma história de muito resultado à frente.

[Natale] Franklin, o que você tem feito para engajar a base de lojas nesse turnaround?

[Franklin] Quem me segue no Instagram sabe o tanto que me dedico a esse tema. Sem dúvida nenhuma, a cultura está acima da estratégia em qualquer lugar. A cultura é que molda as atitudes, os comportamentos. Então a gente começou aqui com o foco nas pessoas, no resgate da cultura, empoderando o vendedor.  Trouxemos ferramentas com base em inteligência artificial que geram leads pro vendedor trazer cliente pra loja, mas que também ajudam ele a atender o cliente, com tantos SKUs pra vender. Acho que todo turnaround é cultural antes de ser financeiro.

Futuro e Coragem Estratégica

[Natale] Vocês estão empenhados em serem os protagonistas de saúde preventiva, de longevidade, de cuidado. Como é que as farmácias podem, de fato, se tornar essas protagonistas?

[Raduan] Essa é uma jornada que não é tão simples assim. Temos a clara vocação para desempenhar esse papel e ajudar a reeducar as pessoas para cuidar da saúde de maneira preventiva, não corretiva. Recebemos visitas de clientes crônicos em média de duas a três vezes por mês. Clientes não crônicos com menor frequência. Nosso profissional de saúde farmacêutico tem uma frequência de interação com os pacientes, maior do que ele tem com médicos ou laboratórios. Temos a ambição de influenciar as pessoas a desenvolverem estilos de vida mais saudáveis. Desenhamos uma estratégia há alguns anos para nos tornarmos um healer (curador) mais do que um dealer (distribuidor de drogas), construímos um ecossistema em torno disso, uma rede de parceiros, compramos pequenas empresas, mas esta é uma jornada difícil. Com os clientes mais fiéis, que vão desenvolvendo relacionamento com os farmacêuticos, temos mais espaço para essa abordagem, especialmente entre os doentes crônicos.

Tenho uma história interessante para contar da época da pandemia, que soma o propósito com a cultura. Quando passamos a fazer teste de Covid nas farmácias, em algumas lojas, sem que ninguém pedisse, o vínculo que alguns farmacêuticos haviam desenvolvido com os clientes era tão grande que eles ligavam para o cliente dois dias depois para saber se ele havia melhorado. Isso é a cultura se manifestando de forma espontânea. Começamos a receber muitas ligações no SAC elogiando a atitude. Deu tão certo que institucionalizamos essa prática e várias farmácias a seguiram.

[Natale] Como você visualiza o futuro dos supermercados e hipermercados?

[Vasquez] Temos alguns estudos e usamos ferramentas de AI como decisor de compra, ajudando o assistente pessoal a fazer uma lista e eventualmente gerar compra no e-commerce. Mas pegando o gancho do Raduan, a pandemia nos ensinou uma coisa superimportante, que o varejo é uma experiência humana. As pessoas gostam de ir nas lojas, de interagir. Então temos usado tecnologia, mas a experiência na loja física, para nós, é ainda muito relevante.

[Natale] Na sua concepção, como será a loja da C&A em 2030?

[Paulo Correa] Não tenho a menor ideia, de verdade. Daqui a cinco anos, não conseguimos saber o que estará acontecendo e o impacto disso na nossa vida. O que vemos é que as pessoas gostam de ir à loja física. O shopping center é entretenimento para a grande maioria da população brasileira. Mas a dinâmica da loja física precisa evoluir dramaticamente. É preciso achar as coisas muito rapidamente. Reduzir o atrito nas jornadas. Personalizar a loja para cada cliente. Então imagine uma cena de futuro em que seu armário está cadastrado no seu celular e você consegue andar na loja e montar looks com as peças que você já tem. A loja que você vai entrar será diferente da loja que eu vou entrar. Essa é a beleza desse futuro do varejo da moda.

[Natale] Franklin, como é sua visão das Casas Bahia 5.0 no imaginário do consumidor brasileiro?

[Franklin] Essa pergunta é difícil, mas nos inspira. As Casas Bahia remetem à loja física, ao caminhão, ao carnê… Mas estamos cada vez mais nos tornando digitais. Nossos canais online já representam 40% das nossas vendas. Somos os maiores compradores de telas do Brasil, de celulares, de eletrodomésticos, de tecnologia, e com isso nos tornamos mais competitivos para vender da forma que o cliente quiser. Casas Bahia é aquela empresa que entende o que o cliente quer antes mesmo dele falar, usando dados, inteligência artificial e crédito para concretizar as vendas.

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