Tecnologia

Techfins agitam mercado bilionário de tecnologia para serviços financeiros

Por Fernanda Angelo

Nos últimos anos, o surgimento e crescimento das techfins, empresas de base tecnológica que desenvolvem serviços financeiros, prometem ampliar a atuação das empresas de TI.  Este novo mercado vem crescendo a passos largos e atraindo uma série de fusões e aquisições bilionárias. É o caso do recente anúncio de compra da Pismo pela Visa. O acordo, cuja conclusão definitiva está prevista para o fim de 2023, prevê a aquisição da processadora de pagamentos e outros serviços bancários da fintech brasileira por US$ 1 bilhão.

Segundo comunicado das companhias, a compra posiciona a Visa na oferta de soluções de processamento bancário e de emissão para cartões de débito, pré-pago, crédito e empresariais por meio de APIs nativas em nuvem. No Brasil, a Pismo também vai permitir que a Visa ofereça suporte e conectividade para transações como o Pix.

Rodrigo Melato, Vice-Presidente de Vendas da Pismo, contou à [EXP] que a empresa seguirá operando de maneira independente. “Seguiremos no modelo Pismo: não vamos nos posicionar como provedor de ofertas financeiras, não queremos envelopar esses serviços. A proposta é seguir oferecendo infraestrutura”, assegura.

Outra movimentação expressiva vista recentemente foi a joint-venture formada por Totvs e Itaú Unibanco. A nova empresa, batizada de Totvs Techfin, teve seus termos aprovados pelo Banco Central em 31 de julho deste ano. Em 2022, quando o acordo foi inicialmente anunciado, o banco informou que pagaria mais de R$ 1 bilhão por 50% de participação na techfin. Eduardo Neubern, CEO da Totvs Techfin, explica que a nova empresa vem elevar a outro patamar as ofertas de integração de serviços financeiros ao seu ERP em uso nos clientes.

Tratado como ERP banking, o serviço da joint-venture é focado especialmente nas médias empresas que já compõe a carteira de clientes da Totvs – de acordo com Neubern, são cerca de 70 mil empresas com faturamento anual entre R$ 30 milhões e R$ 500 milhões. “Essas empresas respondem por aproximadamente 25% do PIB brasileiro. Nossa proposta de valor é fazer a roda da economia girar melhor”, afirma o executivo. 

Através das ofertas da divisão techfin, criada em 2019, a Totvs já permitia aos empresários e gestores contratarem serviços financeiros de crédito consignado, por exemplo, diretamente na tela do ERP. “Com a joint-venture, elevamos a oferta embarcada no ERP. O jogo muda de patamar a partir do momento em que temos muito mais conhecimento e capacidade para atender melhor aos clientes”, diz. Agora, Itaú Unibanco e Totvs unem suas expertises complementares para oferecer aos clientes da techfin melhores experiências de contratação de produtos financeiros diretamente nas plataformas já oferecidas pela Totvs.

Como atuam as techfins

De maneira simplificada, as techfins são empresas de base tecnológica que expandiram suas operações para o setor financeiro. A depender da perspectiva, embora utilizem a mesma nomenclatura, as techfins atuam de duas maneiras específicas.

De um lado temos as empresas que surgem com tecnologia nova para ajudar organizações de qualquer setor a lançarem serviços financeiros modernos. Aqui elas não atuam com serviços financeiros embarcados. Ao invés disso, desenvolvem a engrenagem para que seus clientes formem portfólios de ofertas financeiras. Do outro lado estão companhias de tecnologia, na maioria dos casos estabelecidas como BigTechs, que aproveitam a capilaridade que já possuem para ampliar suas ofertas, integrando serviços financeiros aos produtos já implementados nos clientes.

Globalmente, exemplos notáveis de empresas deste segundo grupo incluem gigantes da tecnologia como Google, Apple, Amazon e Alibaba, que estabeleceram parcerias com instituições financeiras tradicionais para oferecer serviços financeiros. “No Brasil, algumas empresas amplamente reconhecidas que seguiram essa tendência incluem Locaweb, Stefanini e Totvs”, enumera Eduardo Fuentes, Head de Pesquisas da empresa de inteligência de mercado Distrito.

Com forte atuação no mercado de techfins, a Stefanini Group mescla os modelos de negócios, já que é uma organização de mais de 30 anos e que se consolidou no Brasil como uma das maiores empresas de serviços de TI. O grupo é dono da techfin Topaz, uma plataforma de soluções financeiras que apoia empresas de diversas indústrias a romper paradigmas e implementar soluções para atender demandas de seus clientes. A Topaz é responsável pelo alicerce tecnológico da oferta Banking in a Box do Grupo Stefanini. 

Atuando como desenvolvedora das engrenagens por trás dos serviços financeiros oferecidos por seus clientes, nas palavras de Rodrigo Melato, a Pismo é peça importante para ajudar organizações a lançarem serviços financeiros eficientes e escaláveis. “Na essência, as techfins, independentemente do modelo de negócios que adotem, habilitam mais negócios e recursos na instituição financeira do que na empresa de tecnologia em si”, define.

Mercado em franco crescimento

O mercado financeiro vem passando por uma profunda transformação nos últimos anos, acelerada também pela pandemia. “A abundância tecnológica, associada à simplificação regulatória, tem propiciado a inovação e a construção de novos modelos de negócios. Assim, muitas vezes é mais rápido e barato adquirir tecnologias e plataformas prontas, do que as construir em casa, já que a janela de oportunidade é curta e o tempo para lançar produtos e disputar a preferência do cliente é curto”, afirma Flávio Gaspar, Diretor de Produtos da Topaz, do Grupo Stefanini.

Fuentes, do Distrito, engrossa o coro: “a aquisição de empresas de tecnologia é algo que certamente acelera o processo de consolidação de um setor ou a entrada da empresa em outro mercado. Nos últimos anos, esse tem sido um movimento amplamente utilizado”, analisa.

O potencial do mercado de techfins, embora ainda não tenha sido medido, é promissor. “O conceito de techfin é relativamente novo e pouco explorado para que possamos mensurar amplamente o mercado, mas o que já se sabe é que por volta de 10% da receita de tecnologia global é proveniente de soluções financeiras, número que pode dobrar nos próximos anos com Inteligência Artificial e o avanço da transformação digital”, diz Gaspar, da Topaz. “Se olharmos para o Brasil, esse número provavelmente é ainda maior e, no próprio Grupo Stefanini, temos uma representatividade bem superior a isso. Ou seja, ainda há muito potencial para ser explorado e esse tema só tende a crescer.”

Fintechs e techfins, concorrentes ou parceiras?

Há cerca de cinco anos, o mundo experimentou um boom das fintechs, aquelas empresas de tecnologia e inovação aplicadas no desenvolvimento de soluções para serviços financeiros. O setor de fintechs viveu em 2020 o melhor ano de sua história em termos de investimentos e continuou crescendo e recebendo ativos ao longo dos anos seguintes. De acordo com um recente relatório do Distrito, juntas, as startups financeiras brasileiras captaram R$ 9 bilhões ao longo de 2022, que foi considerado o segundo melhor ano para elas.

Na visão dos especialistas, a bolha não parece estar para estourar. Ainda que 2023 venha sendo um ano desafiador para o ramo das fintechs, com juros globais altos que limitam investimentos, o Distrito acredita que, apesar de não continuarem crescendo como foi em 2020, as fintechs devem seguir prosperando.

E uma das razões pode estar justamente no surgimento das techfins. “As fintechs desempenham um papel fundamental na inovação e no desenvolvimento das operações financeiras das techfins, seja por meio de fusões e aquisições (M&A), investimentos e/ou parcerias e contratações”, afirma Fuentes. Gigantes como Locaweb e Stefanini utilizaram fintechs no processo de desenvolvimento de soluções financeiras para ingressar no mercado das techfins. Também foi o caso da TOTVS, antes de anunciar a joint-venture com o Itaú Unibanco.

Gaspar, da Stefanini, também enxerga as techfins como aliadas das fintechs. “Techfins não são concorrentes diretos de fintechs, ao contrário, podem sim fornecer infraestrutura tecnológica para que fintechs operem. Entretanto, ainda há muita dificuldade no mercado para entender as diferenças entre elas”, comenta.

Melato, da Pismo, afirma que, na concepção da companhia, os fundadores não queriam ser vistos como concorrentes dos clientes, entre os quais estão bancos, fintechs, marketplaces e outras instituições financeiras. “Por isso, a empresa não envelopa serviços financeiros. Ao invés disso, foca na tecnologia para que as organizações levem os serviços aos seus clientes. São habilitadores desses serviços”, explica.

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