Mercado

Transformação no centro da estratégia

Eduardo Gouveia, Alexandre Baldy, Augusto Martins e Marcelo Noronha

Monica Miglio Pedrosa

Transformação. Essa é a palavra que permeia a agenda atual dos três CEOs que estão à frente do Bradesco, da BYD Auto Brasil e do Grupo JHSF. Cada um deles lidera uma mudança estrutural em seu setor de atuação e redesenha o futuro de suas companhias à medida que a tecnologia, a mobilidade sustentável e a redefinição do mercado de luxo acontecem.

Enquanto Marcelo Noronha, CEO do Bradesco, acelera a transformação do banco em direção à IA generativa, Augusto Martins, CEO do Grupo JHSF, amplia seu ecossistema de alta renda com projetos de lifestyle, e Alexandre Baldy, Head da BYD Auto Brasil, lidera a transição do mercado de automóveis brasileiros para veículos elétricos e híbridos.

No Jantar do Ano do Experience Club Nordeste, que aconteceu nesta terça, 25 de novembro, esses três CEOs compartilharam detalhes de suas trajetórias, falaram sobre lições aprendidas e revelaram as estratégias para se manter na liderança do mercado em momentos de transição. O bate-papo foi moderado por Eduardo Gouveia, Presidente do Conselho de Administração da Mapfre e membro do conselho de várias empresas como CI&T e Capitalismo Consciente Brasil.

Confira abaixo os principais insights:

Jantar do Ano do Experience Club NE
Jantar do Ano do Experience Club NE, no Armazém Blu’nelle

Como se forja um CEO

[Augusto Martins – CEO do Grupo JHSF]

“Comecei a trabalhar muito cedo, influenciado por duas referências muito fortes, o lado acadêmico por parte de mãe e a cultura de que ‘trabalho é tudo’ por parte da família portuguesa paterna. Perdi meu pai muito cedo, aos 46 anos. Com a instabilidade financeira, mandei meu currículo para o Banco Real, e tive a sorte de ter líderes que acreditaram em mim. Participei da turma de trainees e segui minha trajetória no banco com paciência, disciplina e crescimento em espiral.”

“Aos 32 anos, me tornei o estatutário mais jovem do banco. Com o tempo, passei a liderar Private, Wealth e, depois, todo o banco de investimento. Essa especialização no cliente de alta renda e a venda do Real para o Santander me levaram à JHSF Capital, a convite de Zeco Auriemo (presidente do conselho da JHSF). Depois de comprarmos 33% do Shopping Cidade Jardim, fui chamado para assumir a companhia, em 2023.”

[Marcelo Noronha – CEO do Bradesco]

“Meu pai era mineiro e minha mãe pernambucana. Tenho três filhos, uma filha pernambucana e dois filhos paulistanos. Fiz administração de empresas na Universidade Federal de Pernambuco e comecei minha carreira como funcionário público na Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, como estagiário, depois fui efetivado. Mas pedi demissão para trabalhar em banco. Há 31 anos me mudei para São Paulo, onde trabalhei no Excel Econômico e no BBVA, que foi adquirido pelo Bradesco em 2003.

Tive passagens em M&A e a oportunidade de comprar a American Express do Brasil, pegando a licença para o Bradesco em 2006. Participei da montagem da holding Elopar, criamos a Alelo, o maior programa de fidelidade do Brasil. Depois veio a Livelo, um negócio que deu 1 bilhão de lucro há dois anos. Passei pelo banco de atacado, de varejo, payments, marketing, até assumir o Bradesco há dois anos.”

[Alexandre Baldy, Head da BYD Auto Brasil]

“Falar de mim é um desafio muito grande, porque a gente acaba sempre falando de produtos, ou do nosso sonho. Comecei muito jovem, com 19 anos, fui vendedor de embalagens para a indústria farmacêutica. Sou goiano, e lá a indústria de genéricos crescia muito. Comecei a namorar, meu sogro tinha uma pequena empresa chamada Neoquímica que começou a crescer, e decidi montar algo perto, porque remédio tem perenidade e todos consumimos. Montei uma empresa de embalagem, depois a segunda, e acabei atendendo 22% do mercado brasileiro, do zero ao topo, em 22 anos. Praticamente todas as indústrias do segmento farmacêutico no Brasil usam um produto que nós fabricamos.”

“Decidi ir para a vida pública em 2010, quando o governador de Goiás me convidou para ser secretário de Indústria e Comércio. Depois, fui candidato eleito a deputado federal em 2014, relatei muitas matérias legislativas econômicas, como o marco regulatório do Banco Central. Sempre fui um construtor de pontes, algo que aprendi com Marco Maciel. Depois fui convidado a assumir o Ministério das Cidades. Mais tarde, o governador João Doria me chamou para ser secretário de Transportes de São Paulo. Um goiano sem noção de metrô comandando as maiores obras de engenharia do país, mas eu gostava de ser desafiado. Fiquei quase três anos e depois fui candidato ao Senado em 2022.”

“Não logrando êxito, reencontrei a BYD. No projeto do monotrilho de Congonhas, a BYD entrou na licitação, ficou em segundo lugar e judicializou, atrasando a obra por 16 meses. Eu exigia explicações semanais dos chineses sobre o atraso, fazia o Tyler, hoje meu CEO, ir todas as sextas-feiras ao meu gabinete. Essa relação, apesar de conflituosa, criou um respeito mútuo, porque quando perdi a eleição ele me procurou em Nova York e me convidou para trabalhar na BYD. Eu disse que nunca tinha trabalhado para ninguém, mas ele insistiu que minha visão pública e privada era importante para a entrada da empresa no mercado de carros no Brasil. Foi assim que começou minha história com a BYD em 2022 até agora.”

Green Tech lidera a transição para a mobilidade elétrica

[Alexandre Baldy, Head da BYD Auto Brasil]

“A BYD é uma green tech. Dos US$ 107 bilhões faturados em 2024, grande parte vem da BYD Auto, mas a empresa atua em outras frentes. Desde 1994, a companhia se posiciona onde tecnologia e inovação geram vantagem competitiva. Hoje, 28% de todos os iPhones e 80% dos iPads do planeta são produzidos integralmente pela BYD, assim como 22% das baterias de smartphones do mundo.”

“A empresa começou a fabricar baterias, expandiu para semicondutores, painéis solares, ônibus elétricos e até trens de mobilidade urbana, como o projeto da Linha 17 de Congonhas. É uma empresa altamente disruptiva, que investe cerca de 3 bilhões de dólares por ano em P&D, com 122 mil engenheiros e 18 mil PHDs responsáveis por quase 50 mil patentes registradas na China e 22 mil reconhecidas internacionalmente.

“No setor automotivo, o desafio foi ainda maior. Começamos no Brasil com carros elétricos de mais de meio milhão de reais, em um mercado onde 98% dos veículos custam menos do que isso. Precisamos provocar uma reviravolta no projeto e convencer a matriz a investir no país num momento pós-eleitoral difícil.”

“Hoje, contamos com os melhores grupos concessionários do Nordeste. A BYD tem 200 concessionárias em operação no país, 47 em construção e outras 100 planejadas até o fim de 2026.”

“Os próximos passos da BYD no Brasil são consolidar o mercado automobilístico e fazer da marca a número um até 2028. É um projeto ousado, mas quem conquistou quase 8,5% de participação no varejo em menos de três anos, num segmento tradicional e totalmente baseado em confiança, sabe que esse desafio exige trabalho árduo.”

“Sempre conto uma história da pandemia, quando a BYD tinha cerca de meio milhão de funcionários e 58 indústrias. Ao ser informado de que todas as operações industriais teriam de parar, o nosso fundador, Mr. Wang, disse: ‘eu estou quebrado, vou parar tudo?’ Essa reação mostra muito da coragem e da ambição que movem a companhia, a mesma ambição que nos guia agora para liderar o mercado brasileiro em cinco anos.”

Transformação bancária pela tecnologia

[Marcelo Noronha – CEO do Bradesco] 

“Estratégia de Under Promise Over Delivery: não adianta prometer e não entregar. Sempre defendi que precisamos ter uma perspectiva mais longa para aumentar a competitividade no curto e no longo prazo. Quando assumi, disse para os 80 mil colaboradores que era hora de parar, fazer um diagnóstico, um plano e partir para a execução, que é sempre a parte mais dura. Em um painel que realizamos no banco de atacado, perguntei ao Abílio Diniz (fundador do Pão de Açúcar) o que ele fazia diante dos desafios, e ele respondeu exatamente isso: diagnóstico, plano e execução. Ganhei a turma na largada sem combinar nada.

“Não dava para fazer um plano de dez anos, porque a tecnologia está evoluindo exponencialmente. Adotamos um horizonte de cinco, usando o DBS Bank, de Singapura, como benchmark, o banco mais evoluído tecnologicamente hoje, com uso intensivo de genAI e agent AI. Do diagnóstico, concluímos que precisávamos inverter a produtividade em tecnologia: deixar de ter só 30% de funcionários próprios e chegar a 70%. Criamos ondas de transformação de 2023 a 2028, mexendo em todas as áreas e investindo muito em tecnologia e time. A McKinsey disse que é o maior transformation bancário em que eles participam no mundo hoje.”

“Nessa jornada, entregamos coisas importantes: lançamos o segmento Principal, já com 62 escritórios e 300 mil clientes. Montamos 150 agências empresas e, nos últimos doze meses, fomos o único incumbente que ganhou market share no SMI, empresas com até 300 milhões de faturamento. Nossa pesquisa de cultura saltou de 74% para 84% de engajamento. Estamos entregando com genAI o que poucas empresas no mundo fazem. E quando vier a computação quântica, vamos viver uma humanidade completamente diferente, independentemente do setor. Isso vale para a sociedade, para as empresas e, particularmente, para áreas como a saúde.”

“O nosso propósito é aumentar a competitividade ao longo desses cinco anos e, quando chegarmos a 2028, o grupo de liderança poderá olhar para frente e definir novas ambições. Sempre digo que, se eu chamasse o time para embarcar numa missão à Marte, logo depois do Elon Musk, para chegar em 2033, ninguém acreditaria. Por isso, é melhor começar com pragmatismo e elevar a ambição quando todos já estiverem engajados e confiantes na nossa capacidade de fazer muita coisa acontecer.

Desenvolvendo um ecossistema de alta renda

[Augusto Martins – CEO do Grupo JHSF]

“A JHSF nasceu na incorporação imobiliária há quase 60 anos e continua fazendo isso com muita paixão, mas evoluiu para um ecossistema de alta renda. A gente olha menos para o share of wallet e mais para o share of life do cliente, conectando projetos onde esse cliente está. Foi assim que avançamos dos empreendimentos emblemáticos, como a Fazenda Boa Vista e o Cidade Jardim, para operações de renda recorrente com shoppings como o Cidade Jardim, o Catarina Fashion Outlet e agora projetos na Faria Lima, que deixam de ser apenas shoppings para se tornarem lifestyle centers.”

“Eles integram residências, torres corporativas, serviços, saúde e experiências, como o São Paulo Surf Club, a Usina São Paulo e o Cidade Jardim Health Center. Depois expandimos para hospitalidade e gastronomia com o grupo Fasano, para o aeroporto executivo internacional, e para clubes e residências de locação, fortalecendo essa presença contínua na vida do cliente. A JHSF Capital passou a apoiar os negócios, enquanto seguimos fortes na incorporação.”

“Seguimos avançando na internacionalização, levamos o ecossistema para Punta del Este, Nova York, Miami, Londres, Cascais e Sardenha, com mais projetos a caminho. E recentemente anunciamos a aquisição da BYS, líder em charter e aluguel de iates de luxo no Brasil, conectando mais um serviço ao nosso ecossistema. Tudo isso amplia nossa relação com o cliente de alta renda de uma forma única na América Latina e cada vez mais internacional.”

“Para o futuro, temos lançamentos importantes. O Town Center, novo shopping na Fazenda Boa Vista, as obras dos shoppings na Faria Lima, mais uma expansão do Catarina Aeroporto, expansão internacional dos hotéis, vamos operar dois novos clubes e, na incorporação, as torres do Reserva Cidade Jardim serão as principais de São Paulo. Temos um plano de expansão muito grande em todos os negócios nos próximos 2 a 3 anos, para manter a liderança no setor de alta renda da América Latina.”

Conselhos que dariam a si mesmos aos 20 anos

[Alexandre Baldy] “O conselho que eu daria é: relacionamento, conhecimento e nada de ansiedade.”

[Marcelo Noronha] “Resiliência, persistência e perseverança. Nenhum empresário, atleta ou profissional vence sem isso. Acreditar no futuro, acordar motivado, engajar-se de verdade e fazer acontecer vale muito mais do que qualquer currículo.”

[Augusto Martins] “Acredite nos valores éticos e morais que você aprendeu de berço. Faça o bem, faça o que é certo. A diferença entre o bom e o bobo é enorme. Temos que ser bons e não bobos. O sucesso é uma questão de execução e não de boas ideias. Acreditar nos valores familiares. Todos temos uma vida profissional intensa, mas a família é para onde a gente volta no fim do dia. É lá que encontro meu porto seguro.”

Fotos: Lucas Moreira

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