ESG

Um mundo de três zeros

Autor: Muhammad Yunus

Ideias centrais:

1 – Até mesmo no mundo dos negócios, as virtudes do altruísmo e da confiança desempenham papel vital. Exemplo claro é o do Grameen Bank, em Bangladesh. O banco foi constituído com base na confiança. Nenhuma garantia é solicitada. Nenhum documento legal é exigido. A maioria dos clientes são mulheres pobres.

2 – As velhas formas de lidar com a desigualdade, por meio de ações de caridade e programas governamentais, não conseguem resolver o problema. O que as pessoas precisam fazer é expressar sua vontade de abrir negócios movidos pelo altruísmo – isto é, negócios sociais. Essa simples atitude muda o mundo inteiro.

3 – Devemos às gerações futuras caminhar rumo a um mundo de três zeros: zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono. Lutar pelos três objetivos é essencial, pois eles se complementam e se sustentam. Se perseguirmos crescimento econômico com danos ao meio ambiente, teremos de lidar com trilhões de dólares em danos ao planeta e aos recursos dos quais toda a vida depende. Crescimento sujo é crescimento insustentável.

4 – Os jovens nunca são informados de que nasceram com duas opções e que continuam a tê-las ao longo da vida. Eles podem ser candidatos a um emprego ou criadores de emprego, empreendedores por direito próprio.

5 – Universidades de todos os continentes estão abrindo Centros de Negócios Sociais Yunus para ministrar cursos, realizar pesquisas e funcionar como câmaras de troca de ideias sobre negócios sociais, envolvendo líderes empresariais, fundações, ONGs, ativistas sociais e outros.

6 – Repensar e refazer nosso sistema econômico não é apenas uma boa ideia. Simplesmente não há alternativa viável se quisermos desfrutar de um futuro compensador. Embora, a curto prazo, a tendência é favorecer alguns de nós às custas de muitos, somente um progresso compartilhado é verdadeiramente sustentável.

Sobre o autor:

Muhammad Yunus, natural de Bangladesh, foi educado na Universidade de Dhaka e estudou na Universidade Vanderbilt (EUA). Yunus é o fundador do Grameen Bank e o pai do microcrédito. É também o criador de negócios sociais. Yunus e seu banco receberam o Prêmio Nobel da Paz em 2006.

Prefácio (Fábio Colletti Barbosa, CEO da Natura&Co.):

Tive a oportunidade de conhecer Muhammad Yunus quando eu era presidente do Banco Real. Naquela época, estabelecemos uma parceria com o Grameen Bank, fundado por ele, para trazer ao Brasil o conceito de microcrédito produtivo. Esse conceito da indústria financeira envolve a concessão de pequenos empréstimos a pessoas que não têm acesso aos serviços bancários tradicionais, como indivíduos de baixa renda ou empreendedores em países em desenvolvimento. O objetivo é capacitar essas pessoas para iniciar ou expandir pequenos negócios e, assim, gerar renda e melhorar sua qualidade de vida em geral.

O Grameen Bank tem como foco principal o empreendedorismo feminino, explicação que você encontrará na segunda parte do livro. Atualmente, mulheres e jovens são os mais afetados pelo desemprego no mundo todo. Yunus mostra como o empreendedorismo e os negócios sociais podem ser um importante setor de redução das desigualdades e de desenvolvimento econômico. No Brasil, segundo pesquisa do Sebrae, em 2022, quase 1,6 milhão de empregos foram criados por pequenas e médias empresas (PMEs), cerca de 78,4% do total de novas vagas. E, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), mais de 38 milhões de lares são chefiados por mulheres. O que demonstra que há um potencial imenso que ainda precisa ser destravado em nosso país.

PARTE UM: O desafio

Capítulo 1 – As falhas do capitalismo

Muitas características específicas ao cenário financeiro e político de hoje contribuíram para o problema da concentração de riqueza. Mas o fato essencial é que se trata de um processo ininterrupto, e quase inevitável, sob o atual sistema econômico. Ao contrário da crença popular, os mais ricos não precisam ser agentes perversos, que manipulam o sistema por meio de propina e corrupção. Na realidade, o sistema capitalista atual trabalha em favor deles. A riqueza é como um ímã. O maior ímã atrai ímãs menores para si. Assim é construído o sistema econômico contemporâneo. E a maioria das pessoas fornece o apoio tácito do sistema. Elas invejam os muito ricos, mas não costumam os afrontar. Crianças são encorajadas a se tornar ricas quando crescerem.

Em seu best-seller O capital no século XXI (Ed. Intrínseca, 2014), o economista Thomas Piketty está absolutamente correto acerca da natureza do problema. Mas sua proposta de solução, que depende basicamente de tributação progressiva para corrigir desequilíbrios de renda, não é páreo para a situação.

Até mesmo no mundo dos negócios, onde se presume que o Homem capitalista reina supremo, as virtudes do altruísmo e da confiança desempenham papel vital. Exemplo claro é o do Grameen Bank, em Bangladesh. O banco todo foi constituído com base na confiança. Nenhuma garantia é solicitada, nenhum documento legal é exigido, nenhuma “análise de crédito” é feita. A maioria das tomadoras de crédito é analfabeta e não possui bens; muitas nunca tinham lidado com dinheiro antes. São mulheres que não tinham espaço no sistema financeiro. A ideia de emprestar dinheiro a elas, para que abrissem seus próprios negócios, era considerada maluca por banqueiros e economistas convencionais.

Minha experiência no Grameen Bank me ajudou a imaginar como seria esse mecanismo redesenhado. Abri o banco sem metas ambiciosas; eu queria apenas tornar a vida das mulheres nos vilarejos do meu país um pouco melhor. Mas, nas últimas décadas, tenho me visto cada vez mais empenhado a redesenhar o motor econômico e experimentá-lo no mundo real. Fiquei muito feliz ao ver a eficácia com que ele resolve problemas criados pelo motor antigo.

Capítulo 2 – Criando nova civilização: a contraeconomia dos negócios sociais

As velhas formas de lidar com a desigualdade, por meio de ações de caridade e programas governamentais, não conseguem resolver o problema. As pessoas podem resolvê-lo com atitudes que rompam a mentalidade capitalista tradicional. Tudo o que precisam fazer é expressar sua vontade de abrir negócios movidos pelo altruísmo – isto é, negócios sociais adequados à sua própria capacidade de resolver problemas humanos.

Essa simples atitude muda o mundo inteiro. Se milhões de pessoas, de todas as classes econômicas, assumirem a liderança na solução dos problemas humanos, podemos desacelerar e, finalmente, reverter o processo de concentração de riqueza.

O resultado da COP21 (Paris, 2015) me entusiasmou e inspirou. Depois de 40 anos de batalhas entre quem acredita e quem desconfia das mudanças climáticas, o primeiro grupo finalmente venceu. Cientistas e ativistas obstinados persuadiram as pessoas de que o mundo corre risco real, e que devemos agir coletivamente para evitar o perigo. Nações grandes e pequenas, ricas e pobres, assinaram um acordo, de execução juridicamente obrigatória, com o potencial de proteger nosso planeta de desastres climáticos iminentes.

Como eu não tinha experiência nem conhecimento sobre o setor, procurei bancos convencionais para aprender como operavam. Mas os métodos deles não serviam bem à população pobre de Jobra, então não pude simplesmente imitá-los. Em vez disso, cada vez que eu aprendia algo com os bancos convencionais, eu fazia o contrário. Como resultado, a instituição que criei acabou sendo a antítese de um banco convencional. Na verdade, o nome Grameen Bank dado a este banco significa “Banco da Vila” no idioma bengali.

PARTE DOIS: Os três zeros

Capítulo 3 – Zero pobreza: Um fim à desigualdade de renda

Uganda é um dos sete países onde a Yunus Social Business (YSB) opera. A YSB é uma organização sem fins lucrativos dedicada a disseminar o conceito de negócio social, treinando, apoiando pioneiros interessados em lançar negócios sociais e trabalhando com corporações e líderes empresariais que desejam abrir empresas ou divisões dedicadas a negócios sociais. Ao apoiar o crescimento desse setor da nova economia nos países onde atua, a YSB promove o surgimento de empresas autossustentáveis, que forjam soluções para problemas como pobreza, desemprego e degradação ambiental. Dessa forma, ajuda a criar a estrutura econômica de que tanto precisamos para complementar a estrutura inacabada do capitalismo tradicional.

Observar como os novos conceitos econômicos se espalham pelo mundo, por meio do esforço de empreendedores, executivos, acadêmicos, estudantes e líderes políticos, é algo animador. Agora é hora de ampliar o potencial do negócio social para resolver os problemas da desigualdade, do desemprego e da degradação ambiental, todos sintomas do motor quebrado do capitalismo.

Devemos às gerações futuras o caminhar rumo a um mundo de três zeros: zero pobreza, zero desemprego e zero emissões liquidas de carbono. Um novo sistema econômico, no qual os negócios sociais desempenham papel essencial, nos permitirá atingir tal objetivo.

É importante partir do entendimento de que a pobreza não é criada pelos pobres. Ela surge de um sistema econômico cujos recursos tendem a ir para o topo, criando um cogumelo de pobreza em constante expansão, controlado por 1% das pessoas. A imagem do cogumelo ilustra muito bem a situação. A cabeça gigante representa a riqueza possuída por poucos, e o caule, muito longo e fino, representa a riqueza pertencente aos 99% restantes da população. Com o tempo, o caule fica mais fino e comprido, enquanto a cabeça do cogumelo fica maior.

Capítulo 4 – Zero desemprego: não buscamos empregos, criamos empregos

Desde a Grande Depressão de 2008-2009, pessoas do mundo inteiro passaram a sentir que algo está muito errado em nosso sistema econômico. O desemprego entre jovens é parte integrante dessa história. Na Europa, o desemprego entre pessoas com menos de 25 anos era de 18,6% ao final de 2016. Em alguns países, como Grécia, Espanha e Itália, a taxa supera os 40%. Nos Estados Unidos, parcela significativa de jovens desanimou-se e abandonou a força de trabalho, levando a estatísticas de desemprego mais favoráveis, que subestimam o escopo do problema real.

Não há nada de errado em trabalhar para uma empresa por toda a vida ou durante parte dela. Mas há algo de errado com um sistema econômico que ignora cegamente a existência de alternativas naturais e atraentes. Os jovens nunca são informados de que nasceram com duas opções e que continuam a tê-las ao longo da vida; eles podem ser candidatos a emprego ou criadores de empregos- empreendedores por direito próprio, em vez de dependentes do emprego criado por outros empresários.

Convidamos os filhos das famílias Grameen a repetir o mantra: “Não somos candidatos a emprego, somos criadores de empregos”. Para ajudá-los a transformar a crença em realidade, iniciamos um programa de empréstimos a novos empreendedores a fim de apoiar seus esforços na abertura de negócios. Passamos a chamar os jovens que escolhem tal caminho de nobin udyokta, que significa “novos empreendedores” no idioma bengali.

Uma grande diferença entre microcrédito e o programa Nobin é que este se concentra em fornecer investimentos em participação a possíveis investidores, ou seja, oferecer financiamento voltado a investimentos, em vez de empréstimos. No programa Nobin, os empresários são responsáveis por devolver o dinheiro que receberam, juntamente com a taxa de transferência (20% do total investido, não mais).

Capítulo 5 – Zero emissões líquidas de carbono: uma economia da sustentabilidade

Bangladesh é hoje particularmente vulnerável às mudanças climáticas. Especialistas em meio ambiente dizem que a queima de combustíveis fósseis e a emissão de gases do efeito estufa ajudam a derreter as calotas polares, o que pode elevar em mais de um metro o nível do mar até o fim do século 21. Embora Bangladesh produza apenas 0,3% das emissões globais de carbono responsáveis pelas mudanças climáticas, o país e seu povo estarão entre as primeiras vítimas.

De acordo com Atiq Rahman, diretor executivo do centro de Estudos Avançados de Bangladesh e especialista em clima, é provável que a elevação do nível do mar inunde permanentemente cerca de 17% do país até 2050, obrigando 18 milhões de pessoas a deixarem suas casas. A menos que o mundo adote medidas concretas para reverter o problema, essa será apenas a primeira etapa do desastre.

Por todas essas razões, a população de Bangladesh está unida aos outros povos das nações mais pobres e profundamente comprometida em corrigir práticas que levaram a humanidade à beira do colapso.

Infelizmente, a ficha ambiental de Bangladesh está longe de ser perfeita. O governo local mantém dois projetos que ameaçam o meio ambiente. O primeiro é uma usina elétrica de 1.320 megawatts, movida a carvão, localizada em Rampal, no sul de Bangladesh, muito perto de Sundarbans, a maior floresta de manguezais do mundo. O projeto ameaça o ecossistema, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O segundo projeto é uma usina nuclear, projetada para gerar 22 mil megawatts de eletricidade. Eu me oponho à energia nuclear desde o desastre de Chernobyl, em 1986, e minha posição ganhou força após o acidente nas usinas nucleares japonesas de Fukushima, em 2011.

Não há conflito entre os três grandes objetivos que estabeleci para o nosso modelo econômico. É possível perseguir zero pobreza e zero desemprego ao mesmo tempo que nos esforçamos por zero emissões líquidas de carbono no ar. Lutar pelos três objetivos é essencial, pois eles se complementam e se sustentam. Se perseguirmos crescimento econômico com danos ao meio ambiente, teremos de lidar com trilhões de dólares em danos ao planeta e aos recursos dos quais toda a vida depende. Crescimento sujo é crescimento insustentável – não apenas em termos ambientais, mas também em termos econômicos.

Capítulo 6 – Mapa para um futuro melhor

Conforme deixei claro neste livro, considero sérios os problemas que a humanidade enfrenta. Questões como a concentração de riqueza, a pobreza global, as disparidades na saúde e na educação, o desrespeito aos direitos humanos, a degradação ambiental e as mudanças climáticas precisam de atenção imediata e concentrada. Em alguns casos, particularmente no caso das mudanças climáticas, a opinião de especialistas indica que estamos próximos a um ponto de virada crucial, que exige ações firmes e rápidas para evitar eventos catastróficos.

O exemplo mais claro da necessidade de mudarmos a maneira de pensar, para que as demandas da sustentabilidade sejam abraçadas, está nas mudanças climáticas. Há 30 ou 40 anos, quando poucos e perspicazes especialistas em biosfera alertavam sobre o perigo das emissões líquidas de carbono, a maioria das pessoas os tachava de loucos. “O mundo atravessou milhões de anos de mudanças contínuas no clima e nas condições meteorológicas, e agora dizem que a poluição de alguns carros e fábricas vai arruinar o planeta nos próximos 50 ou 70 anos? Estão fora de si”, diziam.

Um negócio social apoiado pela YSB nos Bálcãs gera oportunidades para empreendedores individuais da região: a Rizona, que conquistou mercado confiável para vegetais processados, de agricultura orgânica e de alta qualidade, produzidos por 100 pequenos agricultores de Rahovec, no Kosovo. Um terceiro exemplo vem da Fazenda Orgânica St. George Valley, negócio social de ervas medicinais, fundado por um morador local, chamado Emiland Skora.

PARTE TRÊS: Megapoderes para transformar o mundo

Capítulo 7 – Juventude: Energia e poder para os jovens do mundo

Para muitos, a notícia foi um choque. “A maioria dos millenials”, dizia a manchete do Washington Post, “agora rejeita o capitalismo”. De acordo com uma pesquisa feita em 2016 por estudiosos da Universidade de Harvard, apenas 42% dos jovens de 18 a 29 anos de idade apoiavam o capitalismo e 51% se opunham a ele. Essa foi apenas uma das pesquisas que mostram a grande desconfiança que muitos jovens nutrem em relação ao sistema econômico tradicional.

Por outro lado, a maioria dos jovens de hoje não abraça ideologias alternativas, propostas como substitutas do capitalismo, tais como o socialismo ou o comunismo. Eles enxergam esses sistemas como igualmente falhos. Em vez disso, buscam ansiosamente uma nova abordagem, um novo conjunto de estruturas que reflita com mais precisão a natureza humana e que tenha potencial de dar vazão aos poderes criativos dos indivíduos, para resolver os sérios problemas enfrentados pela humanidade.

Universidades de todos os continentes estão abrindo Centros de Negócios Sociais Yunus (YSBCs, na sigla em inglês) para ministrar cursos, realizar pesquisas e funcionar como câmaras de troca de ideias sobre negócios sociais, envolvendo líderes empresariais, fundações, ONGs, ativistas sociais e assim por diante. Alguns centros realizam competições de design de negócios sociais, em busca de soluções para problemas que os alunos identificam no campus, no país e no mundo. Em 9 de abril de 2017, o Yunus Centre assinou um acordo para estabelecer um centro universitário na Lincoln University, em Christchurch, na Nova Zelândia – o 34º YSBC no mundo.

A escola de negócios HEC, localizada em um subúrbio de Paris, ilustra maneiras pelas quais o conhecimento sobre inovação econômica avança e é disseminado pelas universidades. Um dos fundadores do Instituto Society & Organizations da HEC é o professor Bénedicte Faivre-Tavignot, que também é titular da cátedra Negócios/Empresas Sociais e Pobreza na universidade. Faivre-Tavignot liderou uma série de projetos de inovação econômica na HEC. A universidade agora oferece um certificado de negócios sociais a alunos que concluírem um curso de estudos e pesquisa. Também patrocina um programa educacional online, o Ticket4Change, que já capacitou cerca de 40 mil alunos em técnicas e estratégias que Faivre-Tavignot chama de “empreendedorismo da mudança”.

Outro exemplo vem do crescimento da Yunus&Youth (Y&Y), mais uma organização internacional de jovens dedicada a negócios sociais. Cofundada por Cecilia Chapiro, uma jovem cheia de energia e com vasta experiência tanto no mundo dos negócios quanto na arena em fins lucrativos. A Y&Y começou a partir de um grupo de pessoas de diversos países reunidos em 2013 durante a Global Social Business Summit, em Kuala Lumpur, na Malásia, para falar com líderes de negócios sociais.

Capítulo 8 – Tecnologia: O poder libertador da ciência

Há quem preveja uma era de abundância, na qual todos na terra serão cobertos de riquezas. Tudo poderá ser obtido, a qualquer hora e em qualquer lugar, ao toque de um botão. Supõem que esse será o resultado inevitável dos incríveis avanços que o futuro trará para a ciência.

Sou um grande entusiasta do potencial das novas tecnologias. Atribuo à tecnologia um lugar central na obtenção de gigantescos avanços sociais e econômicos. Mas não acredito que a tecnologia resolverá tudo automaticamente. Ela pode fazer maravilhas. Mas devemos lembrar que a tecnologia não tem mente própria, ela é uma ferramenta projetada para um propósito, e esse propósito é dos seres humanos. Nós decidimos os propósitos para os quais projetamos a tecnologia e decidimos como adaptá-la a outros propósitos.

Mas existem esforços para que o poder da tecnologia alcance objetivos sociais. Um exemplo vem da Endless, empresa de informática fundada por um jovem californiano chamado Matt Dalio. Conheço o pai dele, Ray Dalio, empresário de sucesso que se interessou por minhas ideias e meu trabalho, que forneceu a maior parte do apoio financeiro para lançar o Grameen America.

Matt Dalio concentrou-se nessas duas questões. Reconhecendo o potencial que aparelhos conectados às atuais tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm para transformar a vida dos pobres, ele decidiu combinar os poderes do computador e do smartphone. Desde o início, projetou computadores desktops e laptops acessíveis e práticos, voltados aos usuários do mundo em desenvolvimento, inclusive pessoas com pouco ou nenhum acesso confiável à energia elétrica ou conexão à internet. Ele queria um computador que custasse US$ 50.

Capítulo 9 – Boa governança e direitos humanos: chaves para construir uma sociedade funcional

Alguns indivíduos se equivocam ao ver o respeito aos direitos humanos e a necessidade de crescimento e desenvolvimento econômico como questões independentes ou mesmo ao achar que os dois imperativos estejam de alguma forma em conflito. Trata-se de um erro cometido pela antiga União Soviética, onde se justificava a dura repressão política pela necessidade de reforçar o crescimento da economia russa, para assim competir com o Ocidente. O crescimento econômico construído com medidas brutais não é sustentável. A essência do empreendedorismo está na capacidade de despertar o máximo de criatividade humana das pessoas. Ele não germina num ambiente de repressão e rígidos controles governamentais.

É impossível existir governo honesto e bem administrado sem que os parlamentares e os ocupantes dos principais cargos executivos do governo sejam escolhidos por meio de eleições limpas, livres de intimidação e dignas de aceitação popular. Em grande medida, a qualidade das eleições nacionais determina o destino da boa governança.

Escândalos frequentes nos Estados Unidos e em outros países ocidentais mostram que nenhum sistema está imune. Mas, apesar dos escândalos, algumas sociedades têm histórico melhor do que outras. Leis claras, aplicadas de forma estrita e justa, que restrinjam as autocontratações, os conflitos de interesse e o nepotismo, fazem a diferença.

Fiscais da corrupção global, como a Transparência Internacional (TI) têm feito um trabalho louvável, chamando a atenção do público para a corrupção em todos os países. Gosto do Índice de Percepção de Corrupção da TI. Eu gostaria que adicionassem a ele um indicador complementar: o Índice de Percepção Eleitoral. Olhando para eles, as pessoas poderiam enxergar a relação entre ambos e tomar medidas sempre que necessário. A percepção de que melhorias em um aspecto resultariam em avanços no outro ficaria evidente.

Parte dos recursos essenciais à abertura de negócios bem-sucedidos, sejam eles tradicionais, de maximização dos lucros, ou sociais, está além do alcance dos empreendedores individuais. Se você tem uma ideia para um produto ou serviço que beneficiará milhares ou até milhões de pessoas, isso é maravilhoso. Mas transformar a ideia num empreendedorismo de sucesso é difícil se a infraestrutura social e econômica que o cerca for inadequada. 

PARTE QUATRO: Passos em direção ao futuro 

Capítulo 10 – A necessária infraestrutura legal e financeira

Ao mesmo tempo, porém, o sistema capitalista não opera no vácuo. Um arcabouço de leis e instituições possibilita o livre mercado. Ele inclui um sistema jurídico que certifica a validade de contratos, oferece recursos contra fraudes e abusos e defende os direitos de todos a boas condições de trabalho, salários justos e oportunidades de crescimento. Inclui também um governo que destina parte da riqueza nacional aos investimentos em infraestrutura, oferece ensino aos jovens, protege o meio ambiente, assegura a saúde pública e defende o país de inimigos internos e externos. E, ainda, agrega um sistema financeiro que faz o dinheiro circular como um meio de troca confiável, disponibiliza serviços bancários, seguros, investimentos e outros produtos básicos a todos, e cria fontes de crédito para facilitar a abertura e o crescimento de empresas.      

Chega a ser irônico que, à medida que as complexas estruturas financeiras de Wall Street, com suas intrincadas redes de salvaguardas e proteções legais, entraram em colapso, os bancos de microcrédito baseados em confiança, como o Grameen Bank de Bangladesh, continuaram crescendo, indiferentes à incerteza financeira no resto do mundo. O mesmo aconteceu com o Grameen America, a versão norte-americana do banco que começou a operar naquela época na cidade de Nova York.

As leis que regem atualmente diversos tipos de instituição financeira podem ser adaptadas para apoiar a disseminação de microcrédito e fortalecer quem já opera na área. O Reserve Bank of India, banco central do país asiático, passou a emitir licenças bancárias especiais a instituições de microfinanças eficientes, operadas como organizações sem fins lucrativos, tornando-as verdadeiros bancos de microfinanças. Propus às autoridades financeiras indianas essa medida simples há muitos anos, por isso fico feliz ao vê-la colocada em prática. 

Capítulo 11 – Redesenhando o amanhã 

Repensar e refazer nosso sistema econômico não é apenas uma boa ideia. Não há alternativa viável se quisermos desfrutar de um futuro neste planeta. Embora as tendências de curto prazo possam beneficiar alguns de nós às custas de muitos outros, no longo prazo, somente medidas em prol do progresso compartilhado por todos serão verdadeiramente sustentáveis.

Os destinos dos investidores ricos atendidos por banqueiros de Wall Street e das mulheres pobres que trabalham em confecções de Bangladesh estão ligados. Os destinos de um agricultor de sorgo de Uganda, de um produtor de milho do México e de um agricultor de soja de Iowa, nos EUA, estão interligados.     

Em um mundo que parece gerar notícias cada vez mais tristes, podemos ter uma explosão de esperança, demonstrando que o indomável espírito humano jamais deve ceder à frustração e ao desespero. O propósito da vida humana neste planeta não é meramente sobreviver, mas viver nele com graça, beleza e felicidade. Cabe a nós fazer isso acontecer. Podemos dar origem a uma nova civilização, baseada não na ganância, mas em toda a gama de valores humanos. Vamos começar hoje mesmo.        

Ficha técnica:

Título: Um mundo de três zeros: A nova tecnologia de zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono

Título original: A world of three zeros: The new economics of zero poverty, zero unemployment, and zero carbon emissions

Primeira edição: Editora Voo

Resenha: Rogério H. Jönck

Edição: Monica Miglio Pedrosa

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