Uma rede que se abraça e amplia a presença de executivas negras em Conselhos
Conselheira 101 já formou 62 mulheres em três turmas; 47% delas ingressaram em Conselhos e 50% fizeram movimentações executivas após a participação no Programa.
Por Monica Miglio Pedrosa
O ano era 2020 e a pandemia estava no auge. A ativista negra Lisiane Lemos viu um post no LinkedIn de uma convocação do WCD (Women Corporate Directors) para a abertura das inscrições de seu Programa Diversidade em Conselho (PDeC) para aquele ano. Lisiane entrou em contato com Elisangela Almeida, CFO do Grupo inPress, pois estava interessada em participar e questionou a colega sobre a representatividade de mulheres negras no Programa. Com a resposta de que a participação costumava ser muito baixa ou nula, Lisiane decidiu fazer um post em seu perfil convocando executivas negras interessadas em se candidatar ao PDeC.
A imensa repercussão do post foi o pontapé inicial para a formação do Conselheira 101, ou C101 como é mais conhecido entre as participantes, cujas cofundadoras são, além de Lisiane e Elisangela, Ana Paula Pessoa, Graciema Bertoletti, Marienne Coutinho, Ana Beatrix Trejos, Jandaraci Araujo, Leila Loria e Patrícia Molino. O WCD, entidade sem fins lucrativos que tem como propósito incentivar a formação de conselhos inovadores e engajados por meio da diversidade, tornou-se parceiro do C101 e também o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
Três anos depois dessa iniciativa, 62 mulheres negras já passaram pelo Programa; 47% das participantes ingressaram em Conselhos Consultivos, Eméritos, Fiscais/Auditoria e de Administração. Outro impacto na carreira dessas profissionais foi a movimentação executiva, que aconteceu com 50% das mulheres. “Existem duas jornadas profissionais na minha vida, uma antes do C101 e outra depois”, revela Viviane Moreira em entrevista ao [EXP].
A executiva, que era Gerente Sênior de Riscos no UnitedHealth Group quando ingressou na primeira turma do C101, assumiu recentemente a posição de COO da startup Zeka Educação, após atuar como Chief Process and Innovation Officer na 99Jobs. “Durante o programa decidi dar um novo rumo à minha jornada profissional, saindo da atuação em multinacionais financeiras e de seguros e migrando para startups da Nova Economia. Brinco que o C101 foi o meu Waze, recalculando a rota da minha carreira”, conta. Além da mudança profissional, Viviane atua hoje no Comitê de Ética e Integridade da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais e foi convidada recentemente para participar do Conselho Consultivo da QIPAS, consultoria de prestação de serviços técnicos de qualidade em saúde.
Networking e visibilidade como diferenciais
“O grande diferencial do Programa é aumentar o network entre grandes nomes do mercado como Maria Silvia Bastos, Anna Chaia, Luiza Helena Trajano e Carlos Takahashi, Chairman da Black Rock Brasil, e as executivas negras altamente capacitadas que são selecionadas para o C101”, conta Elisangela Almeida, uma das cofundadoras do Programa. Estes e outros nomes de peso representam os palestrantes convidados para os encontros do C101. Todos participam da iniciativa pro bono.
Como o principal objetivo é fomentar o relacionamento entre as participantes e entre elas e os executivos do mercado, o Conselheira 101 restringe o número de integrantes de cada turma. A primeira selecionou 18 executivas autodeclaradas negras, a segunda reuniu 19 alunas e a terceira 25 mulheres.
“A primeira turma teve perfis bastante clássicos, com executivas C-Level de áreas como TI, Jurídico e Financeiro. Na última turma identificamos que o próprio mercado vem demandando outros perfis para compor Conselhos. Selecionamos então profissionais que atuam com ESG, gestão de pessoas e marketing, entre outras áreas menos tradicionais”, conta Elisangela.
O 101 do nome vem da referência às classes introdutórias das universidades americanas, mas o objetivo do Programa era menos o de ser um curso de formação e mais uma experimentação para apresentar esse universo dos Conselhos às executivas e proporcionar o networking e dar visibilidade a elas no mercado.
“O C101 impactou muito minha trajetória profissional. Quando entrei no projeto já era Conselheira da AMPRO (Associação de Marketing Promocional), mas lá eu atuava em um assunto que eu já domino. Após o Programa fui convidada para ser Conselheira da São Paulo Companhia de Danças e da Solum Capital”, conta Dilma Souza Campos, CEO e sócia-fundadora da Agência de Live Marketing Outra Praia e Head de ESG da B&Partners.co. Para a executiva, que participou da primeira turma, o C101 permitiu principalmente a ampliação de olhar que permitiu a ocupação de posições que ela não vislumbrava como possibilidades de carreira anteriormente.
“No primeiro ano, em que os encontros foram realizados online, foi muito emocionante reunir as participantes e ver vários rostos pretos juntos na telinha. Essas executivas estão acostumadas a ser as únicas ou uma das poucas representantes pretas em seus ambientes de atuação”, recorda Elisangela.
Entre as participantes estabeleceu-se ainda o que ela chama de “uma rede que se abraça”, ou seja, um grupo que mantém o vínculo e troca ideias, indicação de profissionais e melhores práticas. “Apesar de sermos todas executivas trabalhando com grandes marcas, o C101 permitiu a conexão de mulheres pretas de diversas regiões do país que não se conheciam em sua totalidade. A união permite que juntas possamos mexer ainda mais nas estruturas sociais”, acredita Dilma.
Racismo estrutural e falta de oportunidades: principais barreiras à inclusão
Mulheres negras ocupam apenas 0,4% dos cargos de liderança das 500 maiores empresas do Brasil segundo levantamento do Instituto Ethos. No recorte das 423 empresas listadas na B3, nenhum profissional negro, homem ou mulher, ocupa o cargo de CEO. Mesmo nas 73 empresas que participaram do processo seletivo do Índice de Sustentabilidade Ambiental da B3 em 2021, o tema da diversidade não está evoluído: 78% das organizações afirmaram ter apenas de 0 a 11% de negros em cargos C-Level.
As estatísticas comprovam que, apesar do aumento de iniciativas em prol da inclusão e da diversidade nas organizações, o caminho é longo e ainda há muito a ser feito. “Antes quase não havia atuação de mulheres pretas em Conselhos e isso fazia com que outros Conselhos não convidassem essas profissionais para atuar. O papel do C101 é muito importante para iniciar essa jornada de dar representatividade às mulheres pretas nesse espaço”, defende Dilma.
“A cultura brasileira é racista e enviesada. Ao mesmo tempo que o brasileiro tem uma empatia pelo outro, esta é uma empatia seletiva, pelo nosso núcleo de proximidade. O aspecto mais nocivo do racismo estrutural é tirar oportunidades de pessoas que são altamente capacitadas e que têm grande potencial porque elas não fazem parte do seu círculo de pessoas”, acredita Elisangela.
“Já passamos da fase de conscientização, as empresas sabem da importância da diversidade para os negócios, o que está faltando é ação”, completa Viviane. Para Elisangela, é importante trazer as lideranças atuais, em sua maioria composta de homens brancos, como aliados dessa causa. “Quem está nesse espaço de poder é que tem que acelerar a mudança. Abraçar a causa da diversidade, liderar esse processo, vai permitir que esse executivo deixe um legado transformador em sua trajetória”, afirma.
Veja também:
– Série Original do [EXP] As Cores da Liderança e Report CEOs Negros Importam
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