“Varejo vai se tornar um hub social para conectar marcas e comunidades”
Para Camila Salek, da Vimer, o varejo deverá se reinventar para atender os anseios da Geração Z hiperconectada. Lojas serão o ‘Analytics’ do universo físico.
Por Clayton Melo
Com mais de 25 anos de experiência na área de marketing para o setor varejista, a comunicadora Camila Salek tem o olhar apurado para identificar o next step do varejo. Sócia-fundadora da Vimer Experience Merchandising, ela já participou ou cocriou 2,5 mil projetos envolvendo mais de 300 marcas, entre as quais O Boticário, Havaianas, Motorola, C&A, Hering, brMalls, Chilli Beans, Reserva e Riachuelo.
Ao analisar as principais transformações em curso no mercado, ela afirma nesta conversa com a EXP que o varejo vem se tornando um ambiente menos transacional e mais experiencial, um espaço em que as empresas se conectem aos territórios nos quais estão inseridas. “A marca hoje tem uma oportunidade ímpar de usar o palco do varejo como um espaço de voz para se conectar a uma comunidade, um grande hub social”, diz Camila.
Nesta entrevista, ela explica como é o varejo que renasce depois da pandemia, fala sobre o impacto profundo que a Geração Z deve provocar no setor e analisa o potencial do metaverso para as estratégias varejistas, entre outros temas.
Quais são as principais transformações entre o varejo da época em que você começou e o de hoje?
Quando olhamos para o varejo como um todo a principal transformação é esse caráter menos transacional. O varejo, principalmente o varejo brasileiro, cresceu muito focado em processos de expansão, de escala, de estar presente em tudo que é ponto, uma abordagem extremamente transacional. Quando a gente olha para as oportunidades hoje, principalmente no varejo conectado a uma comunidade, vemos uma diferença muito grande do que acontecia até pouquíssimo tempo atrás e o que deve acontecer daqui pra frente. Acredito muito mais no varejo experiencial.
Trabalho com marketing de varejo há 25 anos e desde aquela época já trabalhava com sistemas de vendas à distância, com projetos de transformação digital. Isso não é algo que começou ontem, mas muitas marcas só estão despertando agora para isso.
A questão cultural seria um dos grandes obstáculos à transformação digital do varejo?
As datas comemorativas no varejo não mudam, são sempre as mesmas – Natal, Dia das Mães, Dia dos Namorados – mas é impressionante como tudo isso é muito urgente no varejo. As pessoas ficam muito absorvidas por estas urgências e deixam de olhar movimentos que são emergentes. Existe uma falta de planejamento muito grande. Uma vontade de decidir tudo de última hora pra ver se consegue uma melhor oportunidade.
A ambidestria já chegou ao varejo?
Precisa chegar. Hoje, cada vez mais, é preciso conseguir olhar para processos de inovação e continuar com essa rodinha girando. Acho que temos uma grande falha porque somos muito cobrados por resultados de curto prazo. É preciso olhar para processos que envolvam mais planejamento e movimentos emergentes pra que a gente apague os incêndios do lado de cá, mas ao mesmo tempo consiga ter esse olho no futuro para trazer a transformação para o tempo presente.
E com a pandemia, que transformações ficaram? Temos o omnichannel, a emergência do live commerce. O que ficou ou deve ficar desse processo todo da pandemia?
Para mim, a omnicanalidade faz parte do nosso jogo. Hoje uma marca do varejo que não entende que precisa operar através de canais é uma marca que tende a ter muitos problemas no curto e médio prazo. Para ser omnicanal você precisa ser multicanal antes. Aprender com que canal você vai operar, de que maneira. Não é só algo transacional. As pessoas querem se relacionar com as marcas através desses canais, seja ele qual for.
Então ser multicanal é um primeiro passo muito importante e isso veio pra ficar. Passar para o estágio de omnicanalidade, que envolve o pensamento conectado desses canais, também é extremamente importante. Conectado a isso entram essas novas tecnologias e novas formas de vender. Hoje eu abro uma câmera e posso vender para toda a minha comunidade. A gente tende a olhar cada vez mais para o impacto que uma loja tem na redondeza, no bairro onde ela está inserida, tanto faz ser no canal físico ou num canal digital.
O que uma marca do varejo deve fazer para se inserir nessa nova era de comunidades?
Entender que a marca hoje tem voz. Uma marca é como uma pessoa: você tem que saber onde você vai falar, como vai falar e sobre o que você quer falar com a sua comunidade. Uma marca pode ser uma excelente educadora de uma comunidade.
O varejo historicamente nunca foi encarado como mídia. As marcas investem em canais, compram mídia, compram lead, geram contatos que vão depois afunilar numa compra que muitas vezes é no varejo físico. Só que elas não encaram o varejo físico como espaço de mídia e com isso perdem oportunidade de voz de uma marca com a sua comunidade.
Eu tenho visto projetos incríveis de live commerce, por exemplo. Acabei de fazer um projeto onde existe um espaço dentro da loja para que o vendedor possa fazer uma live com um convidado e transmitir nas redes sociais.
O varejo, pra mim, vai ser um grande ponto para a indústria captar informação,
para usar como laboratório. É como se fosse um Analytics do universo físico.
Existe um impacto muito importante desse novo papel do varejo. Na minha opinião, esse papel é menos transacional, ele é quase um hub social. Se eu, como marca, entendo que tenho um grande hub social na minha mão, que me conecta com pessoas, eu passo a atuar de uma forma diferente. Então eu preparo o espaço pra isso, preparo uma equipe de vendas, a área à disposição de produtos. Entendendo que muitas vezes você vai fazer a demonstração desses produtos, não necessariamente a entrega de algo físico.
O que você pensa sobre a utilização do metaverso pelo varejo?
Eu vejo de forma extremamente positiva. É uma coisa que deriva de algumas tecnologias que a gente já convive há muitos anos. Realidade aumentada, realidade virtual, o universo de games como um todo. Hoje a geração Z representa quase 40% da população mundial e em oito anos vai ser a metade da população mundial. Acredito muito no metaverso, temos feito projetos nesse sentido. Temos feito campanhas, por exemplo, com filtros onde o consumidor interage com todo o processo de desenvolvimento de uma coleção por meio de uma loja física, acessando um processo no metaverso. Com o metaverso você consegue dar acesso a pessoas que estão em outros locais.
Como você falou, a geração Z vai provocar grandes transformações no varejo. Qual deve ser o papel de uma loja física quando o mercado for totalmente composto por essa geração?
É uma geração que a gente não precisa explicar o omnicanalidade, porque cresceu com gratificação instantânea, com pouco tempo, com conveniência como um fator extremamente importante. Eles não têm barreiras entre o que acontece dentro do mundo virtual e o que acontece no mundo físico. As lojas têm que estar muito bem preparadas para atender esse público. Hoje, muitas vezes a loja acaba perdendo venda porque não tem conexão entre o canal físico e os outros canais, porque não consegue consultar o estoque de uma outra loja.
O varejo, pra mim, vai ser um grande ponto para a indústria captar informação, para usar como laboratório. Algumas empresas têm 400, 800, mil lojas. É como se fosse um Analytics do universo físico. Mas também vai precisa impactar pelo celular, porque metade do público passa hoje em frente à loja olhando para o celular. Como trazer esse fluxo pra dentro do ambiente físico? É preciso testar muito, entender esse consumidor, o que ele busca, o que é importante pra ele, cruzar esses canais. Esse processo laboratorial é algo que eu acredito bastante.
Essa lojas-laboratório teriam uma cultura de startup? De usar o ponto físico também como um caminho pra testar, errar e ajustar?
Nossas grandes regras de varejo, nossas grandes verdades, estão sendo questionadas. Marcas que expandem modelos de negócio de forma padronizada estão vendo que o que funciona para uma cidade não funciona para outra. Como eu consigo entrar e entender aquele localismo, entender aquela vizinhança e como eu adapto? Vai haver um padrão? Sim, mas 30% vai ser adaptável localmente e essas lojas-laboratório vão ajudar a coletar as informações para tomar essa decisão.
O microtédio hoje é um tema para desenhar a jornada para a Geração Z.
Eles chegam numa loja grande, veem aquele monte de produto, têm preguiça.
Eu olho muito para as lojas como palco. A marca tem uma oportunidade ímpar de usar o palco do varejo como um espaço de voz que se conecta com a comunidade, um grande hub social. Claro que a loja é um centro de compras também, mas não é só isso. Hoje, quando eu chego numa reunião e a marca fala de venda por metro quadrado eu penso: Ai meu Deus, por onde eu começo?
Essa é uma lógica do passado.
Muito. Mas é a lógica do passado ainda presente. Você vai vender uma franquia, a primeira coisa que um franqueado pergunta é quanto aquela loja vende por metro quadrado, pra ver se esse negócio se paga no final. Só que no momento que eu estou com o vendedor fazendo uma live e vendendo a oito quilômetros de distância, como ele vai ser comissionado? De que forma essa loja vai considerar a venda dela?
Tem que mudar as políticas também de comissionamento, as políticas comerciais?
Todo ano nós lançamos na Vimer um relatório e esse último se chama Retail New Renaissance. Quando a gente fala do novo renascimento do varejo estamos falando exatamente disso. Não é sobre derrubar uma loja e fazer uma loja nova, linda. Isso é importante, mas é a cerejinha do bolo. O que eu quero com essa operação? Como eu posso expandi-la, treinar vendedores dentro dessa era de nativos digitais? Como que eu atendo uma pessoa que vai comprar a distância? Como eu me relaciono com ela? São várias as questões que precisam ser colocadas em pauta quando a gente faz um projeto de loja.
A primeira grande decisão é desenhar essa jornada. A geração Z, por exemplo. O microtédio hoje é um assunto superimportante para você desenhar uma jornada. As pessoas chegam numa loja grande, tem aquele monte de arara, aquele monte de produto, ela tem preguiça. O varejo precisa ser curado. Precisa trabalhar com esses micromomentos, ter pontos de atração que vão fazer com que a pessoa ande por essa jornada sem que isso se torne algo cansativo. Esses modelos estão sendo todos reinventados, por isso que a gente chamou de novo renascimento do varejo.
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