12 regras para a vida, por Jordan B. Peterson
Ideias centrais:
1- Se a sua postura for ruim, vai se sentir pequeno e incapaz. Se começar a se alinhar, você pode escolher e abraçar o Ser e trabalhar por sua continuidade e melhoria.
2- A lealdade deve ser negociada, justa e honestamente. A amizade é um acordo recíproco. Você não fica moralmente obrigado a ajudar alguém que está fazendo do mundo um lugar pior.
3- As crianças sofrem danos quando os responsáveis por seu cuidado, com medo de qualquer conflito ou chateação, não ousam corrigi-las e as deixam sem uma direção.
4- Se deixar as coisas indefinidas, nunca saberá o que é uma coisa ou outra. Tudo se misturará com todo o resto. Isso torna o mundo complexo demais para ser enfrentado. A precisão é um instrumento e uma virtude. Sirva-se dela.
5- Para os psicoterapeutas: tente limpar sua mente, deixar de lado suas próprias preocupações para ficar concentrado no que é melhor para seu cliente e estar atento a quaisquer dicas que mostrem que o cliente não foi bem entendido.
Sobre o autor:
Jordan B. Peterson foi consultor do secretário-geral da ONU. Ajudou seus pacientes clínicos a lidarem com a depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, ansiedade e esquizofrenia. Atuou como consultor de sócios majoritários de grandes escritórios de advocacia. Seu primeiro livro, hoje um clássico, é Maps of Meaning: the Architecture of Belief.
Introdução
Este livro de Peterson teve origem num programa de perguntas e respostas do site canadense chamado Quora. Perguntas tais como essa: “Quais são as coisas mais valiosas que todos deveriam saber”. Lista de regras de Peterson: “Seja agradecido, apesar do sofrimento”, “Não faça coisas que você odeia”, “Não esconda as coisas na neblina” e outras.
Os leitores do Quora adoraram e até seus alunos na Universidade de Toronto vieram até Peterson para dizer que tinham gostado. Mais: a lista foi visualizada por mais de 120 mil pessoas. Estava aberto o caminho para as “12 Regras para a Vida”.
A felicidade seria o objetivo maior da vida. Só em parte. Diz Peterson: “Em momentos de crise, o sofrimento inevitável que a vida impõe pode rapidamente tornar ridícula a ideia de que a felicidade é a busca correta do indivíduo.
Em vez disso, em programa de rádio, sugeri que um significado mais profundo era necessário. Percebi que a natureza desse significado era constantemente reapresentada nas grandes histórias do passado e tinha mais a ver com o desenvolvimento do caráter frente ao sofrimento do que com a felicidade. Isso faz parte da história longa do presente trabalho”.
Regra 1
Costas eretas, ombros para trás
Num primeiro momento, Peterson apresenta as lagostas. Podem ser um bom prato, mas elas são algo mais: esses crustáceos interessantes e deliciosos nos oferecem muito em que pensar. Seu sistema nervoso é relativamente simples, com neurônios, as células mágicas do cérebro, grandes e facilmente observáveis… as lagostas têm mais em comum com você do que possa imaginar (especialmente quando você faz “boca-de-siri” – ha ha ha)”.
A observação da natureza das lagostas leva Peterson a reler as ideias de evolução que para ele deságuam em seu dualismo preferido: caos e ordem.
“Considerar a natureza como puramente estática resulta em erro grave de entendimento. A natureza “seleciona”.
A ideia de selecionar permanece implicitamente alojada dentro da ideia de aptidão… O ‘apto’ em ‘aptidão’ é, portanto, a combinação entre o atributo do organismo com a demanda do ambiente. Ora, a demanda do ambiente muda, logo a natureza não pode ser conceitualizada só como estática. Tampouco a natureza é simplesmente dinâmica. Algumas coisas mudam rapidamente, mas essas coisas estão aninhadas dentro de outras que mudam menos rapidamente.
Por exemplo, as folhas mudam mais rapidamente que a árvore, e as árvores mais do que a floresta. É o caos dentro da ordem, dentro do caos, dentro de uma ordem maior. A ordem mais real é aquela que é a imutável e não necessariamente a ordem que é mais observada.
Passando isso para a realidade humana, o passado de fracassos de diminuição de status, como no bullying, pode mudar. Você é um perdedor, mas não precisa continuar assim. Pode mudar. As circunstâncias mudam, então você pode mudar.
Os ciclos de feedback positivos, adicionando efeito após efeito, podem aumentar de forma improdutiva e negativa, mas também podem funcionar de modo a fazer você ir para frente. Se sua postura for ruim – costas curvadas, ombros caídos, peito para dentro, cabeça baixa, você vai se sentir pequeno, derrotado e incapaz; se você se apresentar como derrotado, as pessoas vão reagir negativamente. Se começar a se alinhar, elas o olharão e tratarão de forma diferente. Encorajado e fortalecido, você poderá escolher e abraçar o Ser e trabalhar por sua continuidade e melhoria.
“Busque sua inspiração na lagosta vitoriosa, com seus 350 milhões de anos de sabedoria prática. Levante a cabeça, mantenha costas eretas e ombros para trás”, conclui Peterson.
Regra 2
Cuide de si como cuidaria de alguém sob sua responsabilidade
O mundo científico da matéria pode ser reduzido, de certa forma, aos seus elementos constitutivos fundamentais: moléculas, átomos e até mesmo quakks. No entanto, o mundo da experiência tem constitutivos primais também.
São elementos necessários, cujas interações definem o drama e a ficção. Um deles é o caos. Outro é a ordem. O terceiro é o processo que faz a mediação entre os dois e que parece idêntico ao que as pessoas modernas chamam de consciência.
O caos é o domínio da ignorância em si. É um território inexplorado. O caos é o que se estende, eternamente e sem limites, além das divisas de todos os estados, ideias e disciplinas. É o estrangeiro, o estranho, o membro de outra gangue, o monstro debaixo da cama.
A ordem, ao contrário, é o território explorado. É a hierarquia de lugar, posição e autoridade com centenas de milhões de anos. Quando tudo está definido, estamos em ordem.
A percepção das coisas como ferramentas, por exemplo, ocorre antes de, ou durante, nossa percepção delas como objetos. Vemos o que as coisas significam na mesma velocidade, ou mais rapidamente, em que vemos o que são.
A percepção das coisas como entidades com personalidades também ocorre antes da percepção delas como coisas. Isso é particularmente verdadeiro em relação à ação dos outros, dos outros seres vivos, mas também vemos o “mundo objetivo” não vivo como animado, com propósito e intenção.
Jordan Peterson é uma autoridade acadêmica e clínica na psiquiatria. Daí extrai muitas experiências no convívio humano como esta descrição: “Durante minha prática clínica, encorajo as pessoas a darem crédito a si mesmas, e àqueles ao seu redor por agirem produtivamente e com cuidado, assim como pela preocupação e consideração genuínas que manifestam com os outros”.
O professor vê também o outro lado da moeda. Todas as pessoas são profundamente falhas. Todos estão destituídos da glória de Deus. Porém, se esse fato cruel significasse que não temos a responsabilidade de cuidar de nós mesmos como dos outros, todos seríamos brutalmente punidos o tempo todo. Isso não seria bom, com sérias consequências, obviamente.
Cuidar de si mesmo da forma que cuidaria de alguém sob sua responsabilidade significa considerar o que seria realmente bom para você.
Não é “o que você quer”. Também não é “o que o faria feliz”. Dar um doce a uma criança a fará feliz. Mas não é tudo. Ela precisa ser educada, responsável, um ser desperto e capaz de reciprocidade – capaz de cuidar de si mesma e dos outros.
Regra 3
Seja amigo de pessoas que queiram o melhor para você
As pessoas escolhem amigos que não são bons por outros motivos também. Às vezes, é porque querem resgatar alguém. Isso é mais típico com as pessoas mais jovens, embora o ímpeto ainda exista entre pessoas mais velhas que são cordatas demais, permaneceram ingênuas ou que são deliberadamente cegas.
Alguém pode objetar: “Nada mais justo do que ver o melhor das pessoas. A virtude suprema é o desejo de ajudar.” Mas nem todos que fracassam são vítimas e nem todos que estão no fundo desejam subir, embora vários queiram e vários consigam.
Imagine uma pessoa que não está bem. Ela precisa de ajuda. Ela até pode querer a ajuda. Mas não é fácil distinguir entre alguém que verdadeiramente quer e precisa de ajuda e alguém que está apenas explorando alguém disposto a ajudar.
A distinção é difícil até para as pessoas que estão querendo e precisando, e possivelmente até para aquela que está explorando. A pessoa que tenta e falha, e é perdoada, e tenta e falha novamente, e é perdoada, também é geralmente a pessoa que quer que todos acreditem na autenticidade de todas estas tentativas.
Antes de ajudar alguém, você deveria descobrir por que essa pessoa está com problemas.
Você não deveria simplesmente presumir que ela é uma nobre vítima de exploração e circunstâncias injustas. Essa é a explicação mais improvável, e não o contrário. Além do mais, se você comprar a história de que tudo de terrível aconteceu do nada, sem a responsabilidade pessoal por parte da vítima, você nega a essa pessoa toda sua capacidade de ação no passado (e por implicação, no presente e no futuro também). Dessa maneira, você a despe de todo o poder.
Se você tem um amigo cuja amizade não recomendaria à sua irmã, ao seu pai ou filho, por que teria tal amizade para si mesmo? Talvez você diga: por lealdade. Bem, lealdade não é o mesmo que burrice. A lealdade deve ser negociada, justa e honestamente. A amizade é um acordo recíproco. Você não fica moralmente obrigado a ajudar alguém que está fazendo do mundo um lugar pior.
Regra 4
Compare a si mesmo com quem você foi ontem, não com quem outra pessoa é hoje
Comece com a observação de que, de fato, desejamos coisas – e até mesmo precisamos delas. É a natureza humana. Compartilhamos as experiências de fome, solidão, sede, desejo sexual, agressão, medo e dor. Essas coisas são elementos do Ser – elementos primordiais e axiomáticos do Ser. Mas devemos escolher e organizar esses desejos primordiais, porque o mundo é um lugar complexo e obstinadamente real.
Não podemos apenas selecionar uma coisa em particular que queremos especialmente agora, junto com todo o restante que geralmente queremos, porque nossos desejos podem produzir um conflito com nossos outros desejos, assim como com os das pessoas e com o mundo.
Dessa forma, devemos nos tornar conscientes dos nossos desejos e os articular, priorizar e organizar em hierarquias.
A religião trata do comportamento correto. Trata do que Platão chamava “o Bem”. Existe a objeção do Iluminismo contra a religião, mas é, pelo menos, um começo. Você não consegue focar nada, se for completamente indisciplinado e ignorante. Você não saberá escolher o que deve ser o alvo e não voará em linha reta.
Por isso, é necessário e desejável que as religiões tenham u
m elemento dogmático. O que há de bom em um sistema de valores que não fornece uma estrutura estável? O que há de bom num sistema de valores que não aponte o caminho de uma ordem superior.
E como é possível que você seja bom se não internaliza essa estrutura, não como ponto final necessariamente, mas ao menos como um ponto de partida. Isso não quer dizer que a obediência é suficiente. Mas uma pessoa capaz de obedecer é, pelo menos, uma ferramenta bem desenvolvida.
Só que você não para por aqui. Você percebe que é um erro focar uma vida melhor se o preço for piorar a de outra pessoa. Então, você se torna criativo. Decide jogar um jogo mais difícil. Você decide que quer uma vida melhor, de uma forma que fará a vida de sua família melhor também. Ou a vida da sua família e dos seus amigos e dos estranhos que os rodeiam.
Regra 5
Não deixe que seus filhos façam algo que faça você deixar de gostar deles
Relata Peterson: um pai falou comigo recentemente sobre a dificuldade que estava tendo para fazer seu filho dormir à noite – um ritual que envolvia cerca de 45 minutos de luta. Fizemos as contas. Quarenta e cinco minutos por dia, sete dias por semana. Ao todo 20 horas mensais. Como situações como essa podem ser compreendidas? Onde está o erro, na criança ou no pai?
Alguns localizam esses problemas nos adultos, seja nos pais ou na sociedade mais ampla. Não há crianças ruins, pensam alguns, apenas pais ruins. Quando a imagem idealizada da criança imaculada vem à mente, essa noção parece ser totalmente justificada.
A beleza, abertura, alegria, confiança e capacidade para amar que caracterizam a criança tornam fácil atribuir a culpa total aos adultos em cena. Porém, tal atitude é perigosa e ingenuamente romântica. É unilateral demais no caso de pais que foram presenteados com um filho especialmente difícil. E também não é bom que toda a corrupção humana seja depositada incondicionalmente nos ombros da sociedade.
Peterson continua: vejo os pais de hoje em dia aterrorizados por seus filhos, sobretudo por que foram considerados os agentes centrais dessa tirania social hipotética e, ao mesmo tempo lhes é negado o crédito por seu papel como agentes benevolentes e necessários de disciplina, ordem e convenção.
Eles habitam, de forma desconfortável e insegura, a penumbra lançada pela sombra todo-poderosa do etos adolescente dos anos 1960, uma década cujos excessos levaram ao total menosprezo da fase adulta, a uma descrença impensada na existência de um poder competente e a uma inabilidade de distinguir entre o caos da imaturidade e a liberdade responsável.
Isso aumentou a vulnerabilidade parental com relação ao sofrimento emocional em curto prazo dos filhos, ao mesmo tempo em que seu medo de lhes causar danos aumentou até um grau doloroso e contraproducente.
Uma vez que as crianças, assim como outros seres humanos, não são somente boas, não podem ser deixadas sozinhas, intocadas pela sociedade e florescerem em perfeição.
Até mesmo os cães devem ser socializados se quiserem ser membros da matilha – e crianças são muito mais complexas que os cães. Isso quer dizer que há muito mais chances de que desandem de formas complexas se não forem treinadas, disciplinadas e devidamente encorajadas.
As crianças sofrem danos quando os responsáveis por seu cuidado, com medo de qualquer conflito ou chateação, não ousam mais corrigi-las e as deixam sem uma direção.
Regra 6
Deixe sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo
A vida é muito dura de verdade. Todos estamos destinados à dor e programados para a destruição. Às vezes, o sofrimento é claramente o resultado de uma falha pessoal, tal como cegueira voluntária, tomadas de decisão ruins ou malevolências. Nesses casos, quando aparenta ser autoinfligido, pode até parecer justo.
As pessoas recebem o que merecem, você pode alegar. Isso é um triste consolo, no entanto, mesmo quando é verdade. Às vezes, se aqueles que estão sofrendo mudassem seu comportamento, sua vida se desenrolaria menos tragicamente. Mas o controle humano é limitado.
Em última análise, parece que não somos os arquitetos da nossa própria fragilidade. De quem é a culpa?
Alexandre Sojenitsin tinha todos os motivos para questionar a estrutura da existência quando foi aprisionado num campo de concentração soviético em meados do terrível século XX. Ele havia servido nas linhas de frente russas, despreparadas para a invasão nazista.
Ele foi preso, surrado e lançado à prisão pelo próprio povo. Depois foi atingido pelo câncer. Ele poderia ter-se ressentido e amargurado. Sua vida foi tornada miserável tanto por Stalin quanto por Hitler, dois dos piores tiranos da história. Ele testemunhou o sofrimento e a morte degradante e sem sentido de amigos e conhecidos.
No entanto, o grande escritor, o profundo e vivaz defensor da verdade, não permitiu que sua mente se voltasse à vingança e à destruição. Durante as muitas provações, Soljenitsin encontrou pessoas que se comportavam de maneira nobre sob circunstâncias horríveis. Por fim, escreveu Arquipélago Gulag, uma história sobre o sistema soviético de prisão em campos de trabalho forçado.
Você arrumou sua vida?
Talvez você descubra que sua alma, agora menos corrupta, está muito mais forte do que estaria doutra forma, consegue aguentar aquelas tragédias remanescentes, necessárias e mínimas e inescapáveis. Talvez se torne uma força ainda mais poderosa para a paz e tudo aquilo que é bom.
Regra 7
Busque o que é significativo, não o que é conveniente
Objetivamente, esse sacrifício – o trabalho – é o adiamento da gratificação, mas essa é uma frase simplória demais para descrever algo de uma significância tão profunda. A descoberta de que a gratificação poderia ser adiada foi simultaneamente a descoberta do
tempo e, com isso, da causalidade (pelo menos da força causal da ação humana voluntária).
Aprendemos que nos comportar corretamente agora no presente – regulando nossos impulsos, considerando o sofrimento dos outros -, pode trazer recompensas no futuro, num tempo e lugar que ainda não existem.
Começamos a inibir, controlar e organizar nossos impulsos imediatos, de forma que pudéssemos parar de influenciar outras pessoas e nossos “eus” futuros.
Fazer isso era o mesmo que organizar a sociedade: a descoberta da relação causal entre nossos esforços de hoje e a qualidade do amanhã motivou contrato social – a organização que permite com que o trabalho de hoje seja armazenado com segurança.
Peterson tira conclusões morais fundamentais:
“Mire alto. Preste atenção. Conserte o que puder consertar. Não seja arrogante com o próprio conhecimento. Empenhe-se em ser humilde, porque o orgulho totalitário se manifesta na intolerância, opressão, tortura e morte. Considere a parte sanguinária do próprio espírito antes de ousar acusar os outros e de tentar consertar a estrutura do mundo. Talvez a falha não esteja no mundo. Talvez ela esteja em você. E acima de tudo não minta. As mentiras levam ao Inferno. Foram as mentiras grandes e pequenas dos estados nazistas e comunistas que produziram a morte de milhões de pessoas. Faça disso um axioma: com o melhor das minhas habilidades agirei de forma que alivie dor e sofrimento desnecessários.”
Regra 8
Diga a verdade. Ou, pelo menos, não minta
Peterson aqui, como em muitos outros passos, vale-se de experiências pessoais. Foi o que ocorreu quando fez numa palestra, antes de iniciar seus estudos clínicos.
“Percebi nitidamente que quase tudo o que dizia não era verdade. Tinha razões para dizer aquelas coisas: queria vencer os debates, ganhar status, impressionar as pessoas e conseguir o que queria. Eu estava usando a linguagem para forçar o mundo a me dar o que achava que era necessário. Só que assim eu era falso. Quando percebi isso, comecei uma prática de apenas dizer coisas, às quais a voz interna não se oporia. Comecei a praticar dizer a verdade.”
Com essa atitude, ele esmiuçou o tema, verificando e expondo fatos interessantes do dia-a-dia.
Podemos usar as palavras para manipular o mundo, para que ele nos dê o que queremos.
Esse é o significado de “politicagem”. É distorcer a realidade. É a especialidade dos marqueteiros, vendedores, publicitários. É o discurso, no qual as pessoas se engajam quando tentam influenciar e manipular os outros.
É o que os universitários fazem quando escrevem um trabalho para agradar ao professor, em vez de articular e esclarecer as próprias ideias. É o que todos fazem quando querem alguma coisa e decidem falsificar a si mesmos para agradar e lisonjear. É a conspiração, a criação de slogans e propaganda.
Fazer planos imediatos, como passear nas praias do México, mais próximas dos canadenses, não é exatamente um plano a longo prazo. Você pode passar algumas semanas na praia, curtindo o sol e as margaritas (bebida).
Simplesmente, essa não é uma abordagem sustentável para o futuro. Esse tipo de supersimplificação e deturpação é particularmente típico dos ideólogos. Eles adoram um axioma único: o governo é ruim, o capitalismo é ruim. Depois filtram e selecionam suas experiências e insistem de forma ainda mais restritiva que tudo pode ser explicado através do axioma.
Eles acreditam, de forma narcisista, que sob a tutela de toda essa teoria ruim o mundo poderia ser arrumado, bastaria que eles assumissem o controle. Conclusão de Peterson: “O totalitário nega a necessidade do indivíduo de assumir a responsabilidade máxima pelo Ser”.
Regra 9
Presuma que a pessoa com quem está conversando possa saber algo que você não sabe
Psicoterapia é uma conversa autêntica. E uma conversa autêntica requer exploração, articulação e estratégia. Quando se envolve em uma conversa autêntica, você está ouvindo e falando – mas principalmente ouvindo. Ouvir e prestar atenção.
É impressionante o que as pessoas lhe dizem quando você está disposto a ouvir.
Às vezes, quando realmente ouvimos, as pessoas nos dizem até mesmo o que há de errado com elas. Às vezes, até nos dizem como pretendem corrigir isso. E, às vezes, isso as ajuda a corrigir algo de errado consigo mesmo.
Em certa ocasião, Peterson, como clínico, recebeu uma cliente que não tinha certeza se tinha sido estuprada ou não. Para ela teria sido cinco vezes. Com a análise, não se avançava muito. Aproximadamente na mesma época em que o clínico estava atendendo a essa cliente, a mídia fervilhava com histórias de memórias recuperadas – especialmente de abuso sexual.
A discussão rapidamente se incendiou: seriam essas memórias relatos autênticos de traumas passados? Ou eram constructos pós-evento, imaginados como uma consequência da pressão intencional ou não intencional aplicados por terapeutas imprudentes, aos quais os pacientes clínicos ansiosos demais para encontrar uma causa simples para todos estes problemas se agarram desesperadamente?
“No entanto, entendi, de maneira muito mais clara e precisa, o quanto será fácil incutir memórias no território mental da minha cliente no momento em que me revelou sua incerteza sobre suas experiências sexuais”, conclui Peterson.
O abuso sexual de crianças é lamentavelmente comum. Entretanto não é tão comum quanto os psicoterapeutas mal treinados pensam e nem sempre resulta em adultos terrivelmente perturbados. As pessoas variam em sua resiliência. Um evento que devastará uma pessoa pode ser superado facilmente por outro.
Mas terapeutas com um conhecimento enviesado e pobre de Freud geralmente presumem axiomaticamente q
ue um adulto perturbado em seu consultório só pode ser vítima de abuso sexual na infância. Ajustam os fatos para que se encaixem na teoria deles.
“Tento limpar minha mente e deixar as minhas próprias preocupações de lado. Dessa forma, estou me concentrando no que é melhor para meus clientes, ao mesmo tempo em que fico alerta para quaisquer dicas que me mostrem que não entendi muito bem o que esse melhor significa”, afirma Peterson.
Regra 10
Seja preciso no que diz
Quando enxergamos o mundo, percebemos apenas o suficiente para que nossos planos e ações funcionem e para que possamos enfrentar a situação. Assim, o lugar em que nos fazemos presentes é esse “suficiente”. Essa é uma simplificação funcional, inconsciente e radical do mundo – e é quase impossível não confundirmos essa visão com o mundo em si.
Mas os objetos que vemos não estão simplesmente no mundo, lá, para nossa percepção simples e direta. Eles existem numa relação mútua, complexa e multifuncional, e não como objetos independentes, vinculados e nitidamente apartados.
Não percebemos os objetos, mas sim sua utilidade e, ao fazer isso, nós os tornamos suficientemente simples para uma compreensão satisfatória. É por essa razão que devemos ser precisos em nosso propósito. Sem essa precisão, afogamo-nos na complexidade do mundo, ensina Peterson.
Se identificar as coisas com atenção e linguagem cuidadosa, você as apresentará como objetos viáveis e disciplinados, distinguindo-as de sua interconectividade oculta quase universal.
Você as simplifica. Você as torna específicas e úteis, e reduz sua complexidade. Você torna possível conviver com elas e as usa sem sucumbir a tanta complexidade, junto com a incerteza e a ansiedade que as acompanham.
Se deixar as coisas indefinidas, nunca saberá o que é uma coisa ou outra. Tudo se misturará com todo o resto. Isso torna o mundo complexo demais para ser enfrentado. A precisão é um instrumento e uma virtude. Sirva-se dela.
Regra 11
Não incomode as crianças quando estão andando de skate
Quem não viu um bando de crianças, geralmente meninos andando de skate, fazendo acrobacias ousadas, perigosas e por vezes causadoras de quedas. Tem logo uma turma do deixa disso: é muito perigoso, é preciso evitar acidentes. Mas analisando bem, o bando continua, sem desistir, mesmo com alguns machucados.
As pessoas, incluindo as crianças (que também são pessoas, afinal de contas), não buscam minimizar riscos. Mas sim otimizá-los. Elas dirigem, andam, amam e brincam para que alcancem o que desejam, mas ao mesmo se desafiam um pouco, também, para que continuem se desenvolvendo.
Peterson aborda a tentativa de tornar os meninos iguais às meninas, como se as características dos gêneros fossem constructos sociais. As meninas deveriam se tornar mais agressivas e os meninos, mais cordeirinhos. E daí por diante.
O fato de que o mundo seria muito melhor se os meninos fossem socializados como as meninas se tornou uma doutrina de um certo tipo de teoria construtivista social. Aqueles que defendem essas teorias presumem, primeiro, que a agressividade é um comportamento aprendido, e assim poderia simplesmente não ser ensinado, e segundo (usando um exemplo específico) que “meninos” deveriam ser socializados da forma que as meninas têm sido e deveriam ser estimulados a desenvolverem qualidades socialmente positivas, como delicadeza, sensibilidade emocional, cuidado e atenção, apreço pela estética e cooperação.
Na opinião desses pensadores, a agressão somente será reduzida quando os adolescentes e jovens do sexo masculino “adotarem os mesmos padrões de comportamento tradicionalmente incentivados para as mulheres”.
Há tantas coisas erradas nessa ideia que é difícil saber por onde começar, diz Peterson.
Primeiro, não é verdade que a agressividade é simplesmente aprendida. A agressividade existe desde sempre.
Dentro dessa lógica, parece que um subconjunto de meninos de dois anos (cerca de 5%) é bastante agressivo por temperamento. Eles tomam os brinquedos de outras crianças, chutam, mordem e batem. Contudo, a maioria está efetivamente socializada aos quatro anos. Isso, porém, não se deve ao fato de terem sido encorajados a agir como garotinhas.
Em vez disso, eles são ensinados ou aprendem na primeira infância a integrar suas tendências agressivas em rotinas comportamentais mais sofisticadas. Em outras palavras, não incomode as crianças, quando estão andando de skate.
Regra 12
Acaricie um gato ao encontrar um na rua
Peterson começa o capítulo dizendo que gosta de cães, como o seu, que é esquimó e se chama Sikko. Fez isso para não melindrar os proprietários de cães, diante do título adulando os gatos. Diz ele: “Estou descrevendo meu cão em vez de escrever diretamente sobre gatos, porque não quero entrar em conflito com um fenômeno conhecido como ‘identidade social’, descoberto pelo psicólogo Henri Taifel.”
Os estudos de Taifel demonstraram duas coisas: a primeira, que as pessoas são sociais; a segunda, que as pessoas são antissociais. As pessoas são sociais porque gostam dos membros do próprio grupo. E são antissociais porque não gostam dos de outros.
O porquê exatamente tem sido objeto de um debate contínuo. Pode ser uma solução para um problema complexo de otimização. Problemas assim surgem, por exemplo, por causa da antipatia entre a cooperação e a competição, ambas social e psicologicamente desejáveis.
A cooperação serve para a segurança, proteção e companheirismo. A competição serve para o crescimento pessoal
e para o status.
Nesse passo, Peterson sonda os sofrimentos e as limitações do Ser, como os desacertos entre cooperação e competição. A ideia de que a vida é sofrimento é um princípio, de uma forma ou de outra, em todas as doutrinas religiosas predominantes. Os budistas declaram isso abertamente. Os cristãos o representam com a cruz. Os judeus homenageiam o sofrimento suportado ao longo dos séculos. Segundo esses credos, os seres humanos são intrinsecamente frágeis.
A vida tem seus limites e sofrimentos. Separe um espaço de tempo para pensar neles e planeje, não fique à mercê dos acontecimentos. Se ficar o tempo todo matutando sobre eles, a casa cai, você se prostra.
E talvez quando estiver caminhando de cabeça cheia, apareça um gatinho e, se prestar atenção nele, terá então um lembrete durante apenas 15 segundos de que a maravilha do Ser pode compensar o sofrimento que o acompanha de modo inseparável.
Acaricie um gato, se cruzar com um na rua.
Resenha: Rogério H. Jönck
Imagens: Reprodução e Unsplash
Ficha técnica:
Título: 12 Regras para a Vida – Um antídoto para o caos
Título original: 12 Rules for Life: an antidote to chaos
Autor: Jordan B. Peterson
Primeira edição: Editora Alta Books (2018)
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