Startup cria gêmeo digital de cadeia logística e entra em fase de tração
Kestraa, spin-off de uma das maiores tradings de importação do país, a Sertrading, tem planos para alcançar clientes pequenos e médios e dobrar a receita até meados do ano
Desde que a pandemia expôs os gargalos e fragilidades do sistema de comércio mundial, o assunto vem ganhando destaque e prioridade na agenda corporativa. Segundo a consultoria CBInsights, em seu relatório sobre tendências em tecnologia para 2022, um dos principais problemas das empresas na área hoje é a imprevisibilidade gerada sobre as cadeias de suprimentos por eventos climáticos, falta de mão de obra e portos congestionados — lista ampliada agora pela guerra na Ucrânia.
É neste cenário de incerteza que a Kestraa, spin-off de uma das maiores tradings de importação do país, a Sertrading, está investindo para ampliar fortemente as vendas e se posicionar como um gêmeo digital (digital twin) de toda a cadeia de comércio exterior. “Replicamos na plataforma, evento a evento, o que ocorre na vida real. A ideia é gerar um nível de visibilidade radicalmente diferente do que as empresas têm hoje”, afirma Isabel Nasser, cofundadora e CEO da startup.
Hoje, de modo geral, a gestão dos processos de comércio exterior ainda é feita de forma arcaica, afirma a empresária. Pouca coisa é digitalizada e automatizada. Para saber se uma carga chegou a determinado ponto do trajeto na data esperada, é preciso enviar uma mensagem ou ligar, diz Isabel. Mesmo algumas grandes multinacionais, segundo ela, seguem usando planilhas de Excel para gerenciar cadeias globais de suprimentos que chegam a ter 15 atores atuando na mesma transação.
“Cada um executa um pedaço, mas não existe um protocolo, uma padronização do processo que facilite a vida de todos”, diz a empresária. O que a plataforma da empresa faz, afirma, é justamente integrar todos os participantes em um único lugar para facilitar o fluxo de informações de uma ponta a outra, automatizar etapas do processos, aumentar a visibilidade sobre a cadeia logística inteira e a confiabilidade de todo o sistema. “Há muito espaço para melhoria”, afirma Isabel.
Investida comercial
Segundo Isabel, a empresa vem se preparando para a investida comercial deste ano desde maio do ano passado, quando fez a segunda rodada de captação de investimentos. Os cerca de R$ 35 milhões levantados foram usados para fazer os últimos ajustes no produto, para a contratação de um executivo de vendas e a montagem de uma equipe comercial. “Assim, nós fundadores podemos deixar de fazer isso”, afirma. O outro sócio-fundador é Marcelo Matos, co-CEO da empresa.
A expectativa com as mudanças é alcançar um número maior de clientes, de pequeno e médio porte, e dobrar as vendas até meados do ano. Hoje, de acordo com Isabel, a empresa tem 24 clientes muito grandes. São nomes como Ambev, Riachuelo e e-vino. A meta é chegar “perto de 80”, ao menos, até o final do ano, e crescer também dentro dos atuais clientes.
Protocolo em construção
O principal desafio para a Kestraa é a construção e a disseminação de protocolos, afirma. Quando um novo cliente entra na plataforma, é preciso convencer os fornecedores que já o atendem em comércio exterior a também aderirem a ela. Hoje, por exemplo, a Kestraa acompanha mais de 100 companhias de navegação e está integrada a uma série de outras empresas e à Receita Federal, por exemplo. Mas há milhares de outras empresas que atuam em fases intermediárias do processo.
Só com a expansão comercial deste ano, Isabel estima que deverão ser integrados a plataforma também cerca de 100 fornecedores de clientes. “Para cada categoria, a gente desenha uma estratégia de abordagem”, diz. Para despachantes aduaneiros – um dos primeiros segmentos abordados –, por exemplo, a startup criou uma funcionalidade exclusiva que permite que informem aos próprios clientes, em tempo real, a localização da carga. Para atrair pequenas transportadoras, a plataforma dá acesso à data de recebimento do pagamento, algo a que hoje, afirma Isabel, elas não costumam ter acesso. “Oferecemos vantagens para que façam negócios através da Kestraa”, diz.
Modelo de negócio
O modelo de negócio da empresa é baseado na cobrança de assinatura, que dá direito a um pacote de serviços. O preço varia de acordo com o volume de uso. Custa a partir de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil, para um cliente pequeno, até algo entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês, para os grandes, diz Isabel.
Cenário favorável
No médio e longo prazo, segundo a empresária, as perspectivas são bastante promissoras para a Kestraa. Apesar de ainda ser um dos piores para se atuar em comércio exterior, de acordo com o índice de abertura de mercado (Open Market Index), da Câmara Internacional de Comércio, o Brasil iniciou, ainda no governo Dilma Rousseff, um programa de modernização da Receita Federal que vêm facilitando os processos aduaneiros. “Na exportação, houve um avanço muito significativo. Na importação, o processo já começou, mas está mais lento do que gostaríamos”, afirma Isabel.
O avanço é importante para a Kestraa na medida em que, retirados os obstáculos da burocracia estatal, começam a aparecer os gargalos operacionais, diz a empresária. “E nós damos às empresas a capacidade de visualizar com antecedência esses gargalos, de ponta a ponta do processo”, diz.
O mercado, em si, também está crescendo, diz Isabel. De 2020 para 2021, o número de empresas importadoras ou exportadoras no país aumentou 7%, para cerca de 8 mil, embalado pela expansão de plataformas de e-comércio com alcance internacional, pelas limitações da indústria local para diversificar da produção e pelo aumento da demanda, incluindo aí a por commodities agrícolas.
É um cenário com desdobramentos favoráveis também à internacionalização da empresa. Segundo Isabel, a Kestraa já tem empresas lá fora usando a plataforma. São fornecedoras estrangeiras de clientes brasileiros. Mas, agora, está discutindo levar a plataforma para seis países da América do Sul, em um projeto piloto para atender diretamente à demanda de uma multinacional brasileira.
Tecnologia
Segundo Isabel, a Kestraa ainda não usa blockchain em sua plataforma. A tecnologia é apontada como uma das mais promissoras para a área logística. Mas a empresária diz que acompanha de perto o que vêm sendo feito de mais avançado com ela. “O blockchain ainda é uma grande promessa. Ainda está em fase de provas na vida real. Não existe nenhum grande case. Mas já estivemos duas vezes nos Estados Unidos para conversar com empresas que estão testando”, diz.
Oque a empresa já vem usando, e pretende usar no desenvolvimento de novos produtos, na medida em que aprender com os dados coletados, são tecnologias e ferramentas como big data, data analytics, computação na nuvem, mobile, APIs e inteligência artificial, afirma Isabel.
Concorrência
O desenvolvimento de novos produtos e serviços tende a ser cada vez mais importante para a empresa. Ao menos por ora, a concorrência é escassa. Isabel diz que o número de startups na área ainda é muito pequeno. No Brasil, estima em dez, no máximo. Mas, de acordo com já citado relatório da consultoria CBInsights sobre tendências em tecnologia para 2022, este é um campo no qual as Big Techs Google, Microsoft e Amazon também tem interesse e já estão se movimentando.
Foto: pigphoto / iStock
Texto: Dubes Sônego
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