“Com 5G, não será mais o celular conectado, será a vida conectada”
Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm no Brasil, fala sobre os impactos da chegada do 5G nos negócios e os planos da companhia no país
Por Dubes Sônego
A disseminação da tecnologia 5G pelo mundo, e sua chegada ao Brasil, neste ano, tem aberto uma infinidade de oportunidades de negócios para a Qualcomm. Até recentemente focada em chips para smartphones, a companhia americana está se posicionando para estar presente em tudo o que possa estar conectado à internet.
“A visão da Qualcomm é ser a empresa da inteligência artificial (IA) e do Intelligent Edge (borda inteligente). Ou seja, vamos produzir tudo o que vai se conectar a essa grande rede 5G inteligente”, afirma Luiz Tonisi, presidente da companhia para o Brasil e América Latina.
De forma mais concreta, isso significa desenvolver sozinha, ou em parceria com outras empresas, desde smartphones, carros autônomos e roteadores com acesso à banda larga 5G sem fio, até sistemas de iluminação com câmeras e IA embutidas, computadores conectados diretamente ao 5G, com tecnologia de celular e dispositivos para IoT, com aplicações em diferentes indústrias, afirma o executivo.
Nesta entrevista ao [EXP], Tonisi falou sobre as possibilidades abertas para o mercado corporativo com a chegada do 5G ao Brasil, os planos da companhia para o país e o que já está sendo feito para tirá-los do papel.
O 5G expandiu as fronteiras do mercado de chips muito além do setor de telecom. Quais as principais oportunidades que se abrem para o mercado corporativo brasileiro?
O 5G é um grande guarda-chuva. Se antes o 2G, o 3G e o 4G ajudavam muito na comunicação entre os humanos, agora estamos falando também de interação entre máquinas e entre máquinas e humanos. Em verticais como agro, indústria 4.0, saúde e educação, o 5G vai trazer competitividade, produtividade e facilitar o acesso a essas indústrias. Isso porque oferece três coisas simultâneas: 1 GB de velocidade, 1 milissegundo de latência (tempo entre um comando e sua resposta na rede) e a possibilidade de conexão de 1 milhão de coisas por quilômetro quadrado. O 5G vai permitir que todos esses dispositivos conectados (robôs, câmeras, drones e sensores, entre outros) tenham um nível de inteligência artificial (IA) muito maior do que temos hoje com o 4G. E vai ser possível tirar o máximo potencial de tecnologias como IoT, para a indústria e para os consumidores.
Com o 4G surgiram negócios como Uber, iFood e vários aplicativos.
Vamos ver o que virá com o 5G, sabendo que não serão
só aplicativos para smartphones, mas também para IoT
Que setores deverão sentir mais rapidamente esse impacto?
Depende muito da matriz econômica de cada país. No Brasil, temos o agro com uma participação muito importante na economia. Uma vez que as máquinas estiverem conectadas, haverá um ganho no uso de combustíveis e na precisão das colheitas. Drones irão supervisionar as fazendas, teremos estações meteorológicas inteligentes. A mineração deve ser beneficiada com o uso de espectro de câmera para fazer a identificação de minério no solo, na produção, no enriquecimento de materiais, na automação das linhas de produção. Na indústria automobilística, a mesma coisa. Em transporte, vamos conseguir rastrear o que está acontecendo online, no escoamento de cargas ou pessoas. Hoje, já temos muitos processos digitalizados e, em algumas partes, também há conectividade. Mas não necessariamente temos tudo online a um custo adequado. O 5G vai aumentar muito o número de dispositivos conectados e de casos de uso de uma forma que caberá dentro da estrutura de custo.
E no médio e longo prazos?
Várias indústrias vão se beneficiar mais a médio e longo prazo, como a do metaverso e a de realidade aumentada. Em vez de ir a uma fábrica fazer uma predição, posso ter um digital twin (gêmeo digital) e fazer isso usando óculos de realidade aumentada para visualizar os cenários. No próprio metaverso, vamos estar dentro de uma outra experiência, como se fosse realmente uma outra vida, com outras aplicações, como telemedicina ou educação. Mas, se alguém disser que sabe tudo que vai acontecer com o 5G, é um grande equívoco. Estamos escrevendo a história. Com o 4G surgiram negócios como Uber, iFood e vários aplicativos. Vamos ver o que virá com o 5G, sabendo que eles não serão só aplicativos para smartphones, mas também para IoT, para metaverso, automóveis. Por isso, falamos de uma Nova Economia digital. Não será mais um celular conectado, será a vida conectada.
O 5G é mais uma opção de conectividade para o IoT, mas já havia outras. O que muda agora?
O 4G conectava milhares de coisas por quilômetro quadrado. O 5G vai conectar milhões. Vai trazer uma escala muito maior. E tem a IA, que irá permitir que vários casos de uso sejam entregues da forma que precisam ser. Todos os dispositivos vão estar conectados ao edge (borda), a grandes servidores. Em uma fábrica, por exemplo, a câmera poderá fazer reconhecimento facial das pessoas que estão usando uma linha de produção, ou identificar eventuais defeitos nas peças que estão passando por ela. Aquela câmera está conectada por 5G e pode trazer todas essas informações. Se um drone está voando, a mesma coisa. Vai usar a IA para saber a quantidade de sementes que tem em uma determinada área, se aquelas sementes estão ok ou não, como está a umidade do solo por tipo de espectro. Essa mistura da IA com o 5G é que vai trazer esses novos casos mais fortes de IoT. O IoT vai ser massivo.
E as cidades inteligentes?
Temos um projeto com uma luminária que tem 5G, câmera com inteligência artificial e vários sensores. Imagine que ela está na Avenida Paulista e, além de trazer a conectividade 5G, monitora a empresa que fica em frente, que costuma abrir todos os dias às 8h e fechar às 17h. Se acontecer alguma coisa em um horário distinto, como a câmera da luminária tem IA e sabe do horário de funcionamento da loja, pode reportar o incidente online. Usando reconhecimento facial, posso cobrar passagens de ônibus. O semáforo inteligente fará o rastreamento dos veículos da cidade. Os bueiros podem ser inteligentes e reportar qualquer problema de escoamento. Será possível trazer banda larga para toda a população. Colocar IA em estacionamentos, para avisar através de um app onde há vagas disponíveis. E temos ainda os carros que vão dirigir sozinhos em um futuro não muito distante.
De que forma a chegada do 5G impacta a estratégia da Qualcomm no Brasil?
A nossa estratégia é totalmente alinhada ao 5G. A visão da Qualcomm é a de ser a empresa de IA e do Intelligent Edge (borda inteligente). Nós produzimos tudo que vai se conectar a essa grande rede 5G inteligente. A gente parte de ser uma empresa que, há alguns anos, fazia basicamente processadores para smartphones, para ser uma empresa que vai estar em todos os dispositivos possíveis. Hoje, fazemos smartphones e vamos continuar fazendo. Estamos nos carros, que vão estar conectados, ter entretenimento e dirigir sozinhos, com uma quantidade enorme de sensores. Trabalhamos com todas as grandes montadoras. Estamos trazendo a banda larga baseada em 5G. Na sua casa, vai ser possível ter conexão sem um cabo. O aparelho vai receber o sinal de 5G e enviar via Wi-Fi. Estamos fazendo esses roteadores no Brasil para massificar a banda larga no país. Estamos criando computadores conectados, trazendo a tecnologia dos celulares para os computadores. Estamos fazendo IoT com câmeras inteligentes, dashboards, drones, sensores. No mundo da indústria, estamos trabalhando para trazer o 5G privado para o Brasil, também.
Como a empresa está se estruturando no Brasil para atender a todos esses novos mercados?
Temos trabalhado muito com parceiros. Em celulares, temos Samsung, Xiaomi, Motorola. Em computadores, estamos com a Samsung. Duas marcas locais vão fazer um anúncio também. Para a parte de roteadores 5G, estamos trabalhando com a Intelbras. Em cidades inteligentes, temos a Juganu, com 25 cidades já usando nossas soluções. E temos nossos integradores, como a Vital, a Logicalis, a TIM e a Vivo. É sobre trabalhar em um ecossistema o desenvolvimento de produtos com parceiros e a integração junto a grandes operadoras e integradores. Estamos investindo em capacitação e pessoas. Nosso laboratório de 5G é um dos maiores da América Latina, onde a gente testa tudo com nossos clientes.
O Brasil precisa fazer parte do ecossistema de desenvolvedores de 5G.
Hoje, praticamente tudo é importado. Isso vai ser chave para o
desenvolvimento local de dispositivos e aplicações.
Que segmentos de mercado devem ser prioridade? Por quê?
A parte de smartphones continua sendo prioridade. Temos um parque de 4G no Brasil bastante grande. Temos ainda que explorar muito os benefícios de se ter um 5G, para que as pessoas façam a troca. Em indústria, temos foco em agronegócio, varejo e telemedicina e teleducação. Cidades inteligentes é outra área que temos explorado bastante com soluções de 5G com IA incorporada. Computadores conectados e metaverso têm uma tendência de começar a ter uma escala maior em breve. Além do FWA (Acesso Fixo sem Fio, na sigla em inglês), que é o carro chefe para levarmos conexão banda larga para todos os brasileiros, onde houver cobertura 5G.
Quais os principais desafios que a companhia tem pela frente para executar seus planos de crescimento no país?
No Brasil, e no mundo, estamos vivendo uma situação de inflação alta e crédito com custo elevado. As economias têm crescido pouco, precisam reagir. O 5G deve ajudá-las nisso. Mas, no curto prazo, acaba sendo um desafio. O segundo ponto, que é ainda mais importante, é a criação de um ecossistema de desenvolvedores de 5G. Hoje, praticamente tudo é importado, mesmo para as marcas que produzem aqui. O Brasil precisa fazer parte dessa cadeia, tem que criar essa capacidade de desenvolver e fabricar aqui quando necessário, para resolver problemas brasileiros. Criar esse ecossistema vai ser chave para o desenvolvimento local da tecnologia, de dispositivos e aplicações.
Esse ecossistema já está sendo criado? Quais as principais iniciativas em curso?
O FWA é um produto desenvolvido e produzido no Brasil. Estamos fazendo um Wi-Fi 6 também. Essa parte de computadores, estamos desenvolvendo algumas coisas aqui no Brasil, com outras marcas. Um dos produtos que está sendo desenvolvido na América Latina é um smartphone que será usado no Brasil. Tem gente que diz que o IoT não pegou. Por quê? Precisa ter escala e preço que faça sentido no Brasil. Então, estamos explorando como fazer e desenvolver esses dispositivos no país. Não é do dia pra noite, mas está começando.
O problema da escassez de chips, gerado durante a pandemia, já foi resolvido?
Esse problema já faz parte do passado. Alguma linha ou produto específico pode ter ainda algumas dificuldades. Mas, na grande maioria, a cadeia de suprimentos global já está restabelecida. Não esperamos problemas de curto prazo, nem para 2023.
A companhia anunciou recentemente uma parceria com a Meta para o desenvolvimento de chips para realidade virtual. O Brasil participará, de alguma forma, desse esforço?
É um projeto global. O desenvolvimento do hardware deve ficar nos escritórios centrais das duas empresas. Mas estamos vendo outras opções de óculos. Estamos participando da produção do primeiro óculos de realidade virtual no Brasil, com nossos processadores e chips. Se a Meta vier fabricar no Brasil, iremos suportá-los, se quiserem.
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