Mercado

Havaianas: A Internacionalização de um Ícone Brasileiro

Autores: Alexandre Utino, Eduardo Bissoli, Renato Pinheiro e Sérgio Sanches

Ideias centrais:

1 – Por questões estratégicas, a empresa dividiu o mundo em quatro partes: América do Sul; América do Norte, Central e Caribe; Europa, Israel e África; Ásia e Oceania. Cada um de nós assumiu a responsabilidade comercial por um desses territórios.

2 – Em 2007, 100 anos depois de sua fundação no Brasil, a Alpargatas brasileira adquire 60% de participação de sua irmã argentina. Quatro anos depois, ela compra outra fatia, totalizando 90% da sociedade.

3 – No período entre 2000 e 2010, a Havaianas participou, nos Estados Unidos, de pelo menos 70 feiras de negócios nas principais praças do país: Orlando, Las Vegas, Salt Lake City, San Diego e Nova York.

4 – Para que a engrenagem da exportação não parasse, cada um de nós precisava aprender rápido sobre os mercados temporariamente sob nossa responsabilidade e, para isso, foi importante o apoio da analista de exportação de cada região. Prevaleceu forte espírito de equipe.

5 – Quando o projeto de expansão das exportações se iniciou, em 2000, a marca Havaianas estava presente em apenas oito países. Sete anos depois, havíamos ampliado para mais de 80 mercados, que compravam de modo significativo e regular.

Sobre os autores:

Com destacadas carreiras na área de negócios internacionais, Alexandre Utino, Eduardo Bissoli, Renato Ribeiro e Sérgio Sanches foram contratados para desenvolver o projeto de internacionalização da empresa Alpargatas S/A, formando o time que planejou e executou a expansão da marca Havaianas entre os anos 2000 e 2010. Para narrar sua experiência no projeto, estes profissionais escreveram a presente obra.

A última década colocou os autores em trajetórias e desafios distintos. Todos seguiram suas carreiras na área de desenvolvimento de negócios, atuando em empresas multinacionais de grande porte em variados setores e sob distintos modelos de negócios.

Capítulo 1 – Introdução

Nossa história começa no ano 2000, logo após a constatação de que o mundo não tinha acabado.

Para quem não era nascido àquela época, ou não se lembra, a expectativa pela virada do ano de 1999 para 2000 gerou preocupação, sobretudo para as empresas, que temiam a perda de dados importantes em seus sistemas de informática, caso estes confundissem o ano 2000 com 1900. Esse fenômeno ficou conhecido como “Bug do Milênio”, que não se concretizou, na maioria dos casos, mundo afora.

Além dessa apreensão, várias profecias apocalípticas assustavam algumas pessoas nesse mesmo período, mas nada de grave aconteceu. Pelo contrário, no ano 2000 a economia mundial estava verdadeiramente se recuperando da crise de 1998, e a década que se iniciou no ano seguinte foi especialmente rica para nós, motivo pelo qual escrevemos este livro. Nosso intuito é o de compartilhar essa experiência desde o momento em que nos conhecemos até desenvolvermos um projeto de alcance e sucesso mundial, com a ajuda de várias outras pessoas-chave.

Fomos contratados para a equipe do Departamento de Exportação da Alpargatas para atuar, de maneira ativa, no desenvolvimento de negócios da empresa no exterior.

O primeiro a ser contratado foi Renato Pinheiro, seguido por Eduardo Bissoli. Posteriormente, uniram-se ao time Sérgio Sanches e Alexandre Utino, todos atuando na função que, àquela época, era chamada de “trader”, que é mais bem-definida pela denominação Gerente de Mercado Internacional (GMI).

Por questões estratégicas, dividimos o mundo em quatro partes: América do Sul; América do Norte, Central e Caribe; Europa, Israel e África; Ásia e Oceania, e cada um de nós assumiu a responsabilidade comercial por um desses territórios. Eduardo, que era responsável pelo gerenciamento da América do Sul, passou esta área a Renato, a fim de ampliar nossa presença na América Central, do Norte e no Caribe. Com a chegada de Sérgio, Renato, por sua vez, transferiu-lhe a gerência da América do Sul para que pudesse avançar em direção aos mercados da Europa e África. Alexandre, que foi contratado mais tarde, ingressou trabalhando nas regiões da Ásia e Oceania. Esta foi a formação inicial do quarteto. A experiência vivida por cada um de nós nesses mercados e a adaptação cultural e de comunicação que tivemos de aplicar para que entrássemos em novos países e atendêssemos a diferentes tipos de clientes, enriqueceram ainda mais nosso entendimento sobre as infinitas oportunidades que estavam à nossa frente.

Capítulo 2 – Desenvolvimento de produtos

Sempre nos perguntam, entre amigos, familiares e até distribuidores e clientes, qual era a nossa função na empresa. A resposta técnica é: “Éramos Gerentes de Negócios Internacionais, ou International Business Development Managers (IBDMs), mas a definição que mais se aproxima da nossa realidade, àquela época, é a de que atuávamos promovendo a conexão entre a Alpargatas e os clientes e distribuidores.

Tínhamos um pé na Alpargatas e outro no nosso cliente, especificamente no que diz respeito a desenvolvimento de produtos. Naquela época, éramos os articuladores entre as diversas áreas da empresa no Brasil (gerentes de produto, marketing e as fábricas) e os negócios no exterior (clientes, prestadores de serviço, representantes, distribuidores, varejo etc).

Nossa contribuição em cada fase de um projeto, desde desenvolvimento de produto, produção e planejamento de marketing, era essencial para que a empresa pudesse pensá-lo de forma global e dar mais um passo em direção ao caminho que levaria a Alpargatas a ter como objetivo uma marca internacional, com presença mundial.

Em meados de 2003, já contávamos com uma minifábrica dentro da fábrica principal, que atendia à demanda desses produtos especiais. Isso não só viabilizou projetos em pequena escala como facilitou o processo de aprovação, reduzindo os custos e melhorando a produtividade da fábrica.

Em função dessa demanda, foram criados dois catálogos com produtos especiais para a exportação. Um deles continha coleções superexclusivas, como o chinelo cujas tiras eram cobertas por pequenos cristais da marca Swarovsky, modelo que é conhecido até hoje, quase 20 anos depois. Vendido nas lojas da Europa, dos Estados Unidos e de alguns países da Ásia, o valor ultrapassava 150 euros. No Japão, o modelo mais caro custava o equivalente a US$ 250 dólares.

O outro catálogo, chamado de “Coleção exclusiva de exportação”, continha uma gama de produtos que diferia da coleção standard, comercializada pelo mercado interno, pelo fato de refletir da melhor forma – em suas cores e estampas – os anseios da moda dos mercados internacionais formadores de opinião. Ainda que a coleção exclusiva de exportação fosse tecnicamente similar aos produtos da linha standard, seus preços eram bem superiores, refletindo um maior custo de produção em virtude de menor escala.

Uma ideia ainda muito inicial na companhia e nas outras marcas era a do co-branding, ou seja, um produto com duas marcas. Outra colaboração de bastante repercussão foi a das Havaianas com a joalheria H. Stern. A sandália mais cara chegou a custar R$ 58.500 à época, e era uma edição muito limitada. Certamente produtos mais baratos também foram disponibilizados. Eles custavam entre R$ 7.200 e R$ 10.800, dependendo do modelo. Com certeza, o objetivo não era vender grandes volumes do produto, mas ser um assunto amplamente divulgado, especialmente via artigos relacionados à moda. O resultado de divulgação e valorização de marca foi muito bem-sucedido.

Make Your Own Havaianas (MYOH). Um dos eventos mais marcantes e de sucesso realizados até os dias de hoje envolvia ações de customização de sandálias, o Make Your Own Havaianas (Faça suas próprias Havaianas ou MYOH), que dava, aos participantes a oportunidade de combinar diferentes cores de tiras e solas para montar as suas sandálias, além de permitir a colocação de pequenos adornos nas tiras, criando um produto exclusivo e personalizado.

Capítulo 3 – Os países

Contaremos a seguir como e quando a marca Havaianas foi introduzida em alguns dos países para onde ela foi exportada, focando nos desenvolvimentos que ocorreram entre os anos 2000 e 2010. Foram mais de 100 países visitados, com negociações realizadas em mais de 80 deles.

Argentina. Segundo fontes internas da empresa e, de acordo com alguns relatos e histórias encontradas na internet, a história da Alpargatas teria se iniciado na Argentina, por volta do ano de 1885, quando Juan Echegaray e Robert Fraser uniram suas experiências e habilidades para criar uma empresa de fabricação de espadrilles (um calçado com lona de juta). Juan já era fabricante desse tipo de calçado, conhecido como “alpargata” em alusão a um tipo de biscoito que podia ser recheado por qualquer um dos lados, como uma torrada. Os calçados tinham um formato único, não diferenciando o pé esquerdo do direito. Por isso, a alusão ao biscoito. Foi inaugurada, então, a fábrica argentina de Alpargatas.

Alguns anos depois, a empresa expandiu suas operações ao Uruguai, abrindo uma filial por lá em 1890, também dedicada à fabricação do calçado de lona com sola de juta. Em 1907, o escocês Robert Fraser migra da Argentina para o Brasil e, juntamente com um grupo inglês, funda a Sociedade Anonyma Fábrica Brasileira de Alpargatas e Calçados.

Para fazer um resumo dessa longa história, durante décadas essas empresas atuaram com algum tipo de sincronização e colaboração e, por várias décadas, também atuaram de forma completamente independente, ou até mesmo concorrente, até que, em 2007, cem anos depois de sua fundação no Brasil, a empresa brasileira adquire 60% de participação em sua irmã argentina para, quatro anos mais tarde, adquirir outra fatia relevante, totalizando mais de 90% da sociedade. A Alpargatas do país hermano produzia as sandálias e chinelos Sea Club e Samoa, com alguma circulação no Brasil.

Estados Unidos. À medida que as vendas ficaram com apenas um só distribuidor, e sem disputas por territórios e clientes, a marca Havaianas iniciou uma trajetória de sucesso, com muito empenho em RP, participações nos eventos de moda mais famosos do mundo, como NY e Miami Fashion Week, entrega do Oscar em Los Angeles e Video Music Awards, em Nova York. As portas se abriram e redes varejistas famosas, como Saks, Macy’s e Nordstrom nos principais estados do país, vendiam os produtos da marca.

Em 2007, a Alpargatas se comprometeu com um projeto ainda mais audacioso para a América do Norte e decidiu evoluir sua trajetória corporativa nos Estados Unidos montando um novo e completo escritório em Nova York. Para isso, mandou seu GMI a esse país, a fim de contribuir para o novo ciclo.

Apenas no período entre 2000 e 2010, a Havaianas participou, nos Estados Unidos, de feiras de negócios nas principais praças do país: Orlando, Las Vegas, Salt Lake City, San Diego e Nova York. Nesses 10 anos, foram pelo menos 70 feiras, quatro estandes produzidos, que perduraram por esses dez anos (um deles é usado até os dias de hoje).

França. A distribuição na França se deu pelas mãos de três jovens sem muito capital, mas apaixonados pela marca e em busca de um negócio para chamar de seu. Eles apresentaram um consistente plano de negócios. No entanto, para executá-lo, havia uma questão financeira a ser resolvida, pois o distribuidor não tinha o capital total necessário para iniciar o projeto. Apesar de haver outro candidato com maior potencial financeiro, a escolha recaiu nos três jovens, apostando nas qualidades pessoais e profissionais dos sócios e na dedicação integral ao negócio. Foi uma escolha certa, os resultados comprovaram.

Além das ações de RP, organizamos diversos eventos na França, ao longo dos anos. Dentre eles, destacamos nossa participação na Mostra sobre a América Latina, de fevereiro e março de 2002, na Galeries Lafayette, loja departamental de luxo em Paris. Em 2003, estivemos no desfile de moda do famoso estilista Jean-Paul Gaultier, durante o qual nossos produtos foram expostos nas passarelas e apreciados por seus seletos convidados. Foram vários MYOH, com especial destaque para o ano de 2002, na Galeries Lafayaette, e o de 2003, na loja departamental Samaritaine. Vale recordar também a ação na loja de departamentos Printemps, em 2004, quando expusemos os chinelos em todas as vitrines durante quase um mês, fazendo-se notar, por quem passava pelo Boulevard Haussmann, as criativas ambientações.

Capítulo 4 – Senso de equipe

Para que a engrenagem da exportação não parasse, cada um de nós precisava aprender rápido sobre os mercados temporariamente sob nossa responsabilidade e, para isso, contávamos com o apoio da analista de exportação de cada região, que atuava como um suporte administrativo e operacional. O job rotation no time interno de Exportação nos proporcionou uma visão de mundo muito interessante. Por exemplo: alguém que gerenciasse a América do Sul, poderia, por algumas semanas, aprender e coordenar atividades na Europa. Também participávamos, concomitantemente com outros executivos da exportação, de eventos de outros mercados, quando as agendas de viagem permitiam. Assim, podíamos ver in loco, uma vitrine, participar de convenções de vendas ou feiras de negócios de outros mercados. Era um aprendizado intensivo e, dessa maneira, acabávamos conhecendo quase todos os clientes distribuidores das diversas regiões, o que também alimentava o senso de equipe.

Durante o processo de internacionalização, por conta da expansão a novos territórios, ocasionalmente éramos remanejados para um novo continente. O fato de já conhecermos os clientes das demais regiões contribuía para que nos adaptássemos rapidamente. Esse senso de equipe e comprometimento por parte do Time de Exportação era evidente e muito comentado por nossos distribuidores. Durante nossas viagens, cada um de nós contava com um suporte interno dedicado na empresa, a analista de exportação, que era nossos “olhos e mãos” quando estávamos em trânsito, nos aeroportos, táxis e áreas afins.

Ao longo dos anos, não apenas a Área de Exportação foi se desenvolvendo; nossa parceria interna com outros setores da empresa também evoluía com tal crescimento, estabelecendo novos procedimentos internos e nos tornando mais preparados para atender todas as demandas e prioridades do projeto em andamento. Áreas como Marketing e Mídia foram determinantes para o nosso sucesso, principalmente porque a grande oficina criativa das campanhas era baseada no Brasil, pensando exclusivamente em peças publicitárias para o nosso país, portanto era necessário que estas passassem por adaptações a fim de atender à diversidade cultural e à percepção de cada região onde eram expostas fora do Brasil.

Home Office. Esse conceito pode até parecer comum no contexto atual, mas, nos idos de 2000, era algo novo e bem pouco exercitado. Afinal, como imaginar e aceitar que o executivo de uma grande multinacional brasileira, com necessidade de contatar diversos profissionais, de várias áreas da empresa, pudesse estar em sua casa grande parte do tempo, interagindo por meio de telefone e e-mails?

A ideia era que nós trabalhássemos em nossas casas quatro dias por semana e dedicássemos o quinto dia para estar com todos, na empresa, a fim de que seguíssemos interagindo e aprendendo em equipe e participando de reuniões com todas as áreas de suporte da empresa. Para isso, a empresa nos equipou com uma impressora multifuncional e uma linha telefônica dedicada para nosso uso diário, em casa.

Capítulo 5 – Empresa multinacional

Com a nossa chegada à Alpargatas, um modelo de negócios mais agressivo e estruturado avançou dentro da empresa, e este consistia em, por meio de prospecções comerciais, estabelecer novos distribuidores pelo mundo, os quais seriam gerenciados por nós de forma direta, especializada, consistente e dedicada. Isso permitiria um acompanhamento mais intenso dos distribuidores, bem como um estreito relacionamento entre estes e a empresa. Também seria possível aplicar mais diretamente todas as iniciativas de marketing e vendas da marca e ter a certeza de que estavam sendo seguidas e respeitadas pelos distribuidores pelo mundo. Em resumo, podemos dizer que foi possível trazer para mais perto da Alpargatas o relacionamento comercial com o distribuidor.

Em 2007, após todas as diligências jurídicas, fiscais e operacionais, o escritório foi aberto em Nova York, e o GMI, que já havia estado em Miami por quatro anos, foi para esta nova filial a fim de ser o facilitador desse processo e seguir coordenando diversas ações importantes para a empresa conforme este novo modelo. Iniciou-se, então, não apenas um novo modelo de negócios, mas uma importante mudança no que, desde o início da década, estava estabelecido.

Com toda essa estrutura firmada, fazia parte dos objetivos assumir o lado operacional e comercial, desde a chegada do produto aos Estados Unidos até a compra pelo varejo e, também, pelo consumidor final por meio do e-commerce da marca. Seria necessário, portanto, negociar a saída de distribuidores e assumir a atividade de negociar, vender e entregar o produto aos clientes nos Estados Unidos. Foi, definitivamente, o modelo de negócios mais completo e intenso que a empresa poderia ter, e continua a funcionar até os dias de hoje. 

Quando o projeto de expansão das exportações se iniciou, em 2000, a Havaianas estava presente em apenas oito países e, por volta de sete anos depois, já havíamos ampliado seu alcance para mais de 80 mercados. É importante ressaltar que nos referimos a 80 países que compravam significativa e regularmente, disponibilizando os produtos em sua rede de distribuição local, com suporte de venda e de marketing, bem como as ferramentas necessárias para desenvolver a marca.

Ficha Técnica - Havaianas

Ficha técnica:

Título: Havaianas: A Internacionalização de um Ícone Brasileiro

Autores: Alexandre Utino, Eduardo Bissoli, Renato Pinheiro e Sérgio Sanches

Primeira edição: Lisbon International Press

Resumo: Rogério H. Jönck

Edição: Monica Miglio Pedrosa

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