ESG

Boca Rosa aposta em diversidade para inovar no mercado de cosméticos

CMO Experience - Bianca Andrade e Rachel Maia

A trajetória de Bianca Andrade, fundadora e CEO da Boca Rosa, revela, por si só, como os talentos periféricos têm potencial para criar negócios disruptivos. A empreendedora e influenciadora, nascida e criada na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, onde viveu até os 20 anos, é hoje a empresária à frente de uma das marcas de maquiagem mais influentes do país. No final de 2023, ela decidiu encerrar a parceria que tinha com a Payot desde 2018, para ficar à frente da empresa de forma independente. Desde então, tem conseguido imprimir sua visão para o produto e vem provocando o mercado brasileiro de cosméticos com suas inovações.

Uma delas é o lançamento da paleta de cores com 50 tons de sua base Stick Pele, que agora atende a diversidade das tonalidades encontradas no rosto das brasileiras. “Essa é uma pauta urgente. Se não tivéssemos uma cartela diversa seríamos uma marca que contribui com o racismo cosmético”, disse Bianca durante o painel de encerramento do CMO Experience, evento exclusivo do Experience Club que reuniu no dia 22 de novembro cerca de 100 líderes e executivos de marketing na Experience House, em São Paulo.

No evento, Bianca foi entrevistada por Rachel Maia, Presidente do Conselho Administrativo do Pacto Global da ONU – Rede Brasil e conselheira da Vale e do Grupo Pão de Açúcar. Elas falaram sobre a importância da pauta da diversidade, mas também sobre gestão e estratégia, compartilhando aprendizados e insights de como as marcas podem inovar ao se conectar genuinamente com os desejos do consumidor.

Rachel Maia – Bianca, por que é importante falar da sua origem ao contar sua história como empresária?

Bianca Andrade – Fui nascida e criada na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, onde vivi até os 20 anos. Minha origem de mulher periférica faz parte do que eu construí hoje. Se hoje tenho essa consciência social e coloco a consumidora no centro, é porque faço parte da maior parte da população brasileira no que diz respeito à classe social. Esse é o propósito da minha marca.

Rachel – Para além disso, é importante entender o potencial dos talentos periféricos, que é uma sacada singular. Fale mais sobre isso.

Bianca – A “mulher de favela” é uma potência que poucas pessoas conseguem entender. Ela leva a economia da favela nas costas há muito tempo e isso é invisível para a maioria das pessoas. Essa mulher empreende por necessidade e transforma os desafios em potência. Grandes empresas que derem oportunidade para essas mulheres vão encontrar pessoas que “nadam de braçada” nos negócios.

Rachel – A Boca Rosa está há sete anos no mercado, construindo um legado com propósito. Como você faz essa convergência entre o digital e o mundo físico?

Bianca – Tive a sorte de começar no digital quando ‘tudo era mato’. A economia criativa é algo muito novo, sigo estudando, aprendendo e evoluindo, enquanto construímos esse mercado. A Boca Rosa está subindo a régua ao se comunicar com as pessoas pelas redes sociais. Ao mesmo tempo em que essa nova maneira de consumir tem acelerado a indústria, exige cuidados. Uma amiga fala que “a Internet é a rua mais movimentada do mundo”. O tempo da rede social é o tempo real. Mas uma gestão de crise na linha de fábrica, com produção em larga escala, não se resolve com conteúdo publicado na rede social. Por isso tenho me colocado nesse lugar de explicar as vulnerabilidades de empreender, que o mundo físico não é tão acelerado como o digital.

Rachel – Você pretende internacionalizar a marca? Como equilibrar o ecossistema externo e o brasileiro?

Bianca – Eu disse que queria faturar R$ 1 bilhão até 2030. Mas hoje isso é papo pra Bianca do futuro. Antes de pensar em internacionalizar a Boca Rosa, preciso conhecer muito mais a minha consumidora brasileira. Desde o ano passado, quando viramos marca independente, quero atender melhor meu consumidor, fazer um bom produto, antes de pensar em metas mais ousadas.

Rachel – Como você tira proveito dessa oportunidade de ser uma tradutora de informações, de trazer mensagens para o mercado de beleza, que pode ser muito cruel e não aceitar o novo?

Bianca – Quando olho pra minha trajetória, de onde vim, o que já fiz, o que queria conquistar, vejo que consegui realizar muitos dos meus sonhos. Quando decidi que minha marca seria independente, é porque queria fazer as coisas da maneira que acredito e que nem sempre um sócio investidor apoiaria. Por exemplo, criar uma cartela de 50 cores, que reflete a diversidade das tonalidades de pele das brasileiras, e que não tem necessariamente uma contrapartida financeira no curto prazo. Mas é algo que eu precisava fazer, provocar o mercado, porque essa é uma pauta urgente. Se não tivéssemos uma cartela diversa isso nos tornaria uma marca que contribui com o racismo cosmético. E não posso aceitar isso.

Rachel – Quando você faz essa cartela com 50 tons, você convida pessoas que nunca haviam sido chamadas pra mesa de conversa. Pessoas que se viam cinza quando se maquiavam. Não havia maquiagem para nós, negros. Isso é uma conquista que não tem preço. Como você vê o papel das influenciadoras neste mercado?

Bianca – As influenciadoras que são donas da própria marca estão revolucionando o mercado brasileiro de maquiagem. Mas as marcas tradicionais precisam andar junto. Ninguém faz nada sozinho. Não adianta a gente lançar uma linha com 50 cores e as marcas tradicionais não contribuírem com esse movimento. Quando a causa é social, temos que nos unir, não existe concorrência, existe propósito.

Rachel – Onde você procura inspiração pra inovar?

Bianca – Eu gosto muito de estudar as carreiras de apresentadoras como Ana Maria Braga, Dercy Gonçalves, Hebe Camargo. Mulheres que foram colocadas em um lugar de potência e tiveram uma oportunidade. Uma coisa que nós influenciadoras temos em comum com elas é a conexão com o público. A Hebe olhava para as minorias, se incomodava, provocava, trazia os temas para a elite. Questionava por que não era permitido colocar pessoas homossexuais em seu programa. Ela era disruptiva e temos que ter o mesmo papel na rede social. Eu me conecto com meu público nas redes, faço pesquisas, estudo o que as consumidoras realmente querem. Muitos estudos mostram que elas querem praticidade e eu trouxe isso para a Boca Rosa. Fiz a base stick, ao invés da líquida, porque ela é mais fácil de usar no dia a dia. É preciso se conectar com o que elas realmente querem.

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