IA sem fronteiras: o impacto do DeepSeek na visão de 6 empresários brasileiros
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Monica Miglio Pedrosa
ChatGPT (OpenAI), Gemini (Google), Grok (xAI), Claude (Anthropic) e Copilot (Microsoft) dominavam a corrida pela preferência dos usuários de IA Generativa até serem surpreendidos em janeiro pela startup chinesa DeepSeek. Em menos de um mês, a nova plataforma conquistou mais de 100 milhões de usuários e impactou o valor de mercado das big techs. O diferencial? Um modelo open source (código aberto) desenvolvido com um (declarado) investimento inicial de apenas US$ 6 milhões – cerca de 10 vezes menos do que a OpenAI investiu no ChatGPT.
Na sequência do anúncio do DeepSeek, a Alibaba lançou a nova versão do seu modelo de IA, o Qwen 2.5, consolidando ainda mais a China na linha de frente dessa corrida tecnológica bilionária. Mas o que a ascensão da IA chinesa e a popularização dos modelos open source significam para mercados emergentes como o Brasil? Para responder a essa questão, conversamos com os CEOs e founders da Zoox, Verity, Sauter Digital, Opah IT, com a CRO e cofundadora da Hera.Build e com um EVP Partner da CI&T. Leia a seguir as análises do “efeito DeepSeek” no Brasil e no mundo:
Principais impactos no mercado:
“A entrada do DeepSeek no cenário global de IA tem um impacto significativo e levanta algumas questões estratégicas para o futuro da tecnologia, especialmente em relação à competitividade, inovação e alinhamento geopolítico. À medida que modelos mais acessíveis e eficientes surjam, tanto em termos de custo quanto de recursos computacionais, teremos uma tendência de democratizar o acesso à tecnologia, permitindo que empresas menores, startups e pesquisadores individuais explorem o potencial da IA sem a necessidade de investimentos maciços em infraestrutura. Além disso fica claro que a China fortalece ainda mais sua posição no desenvolvimento de IA de ponta, desafiando a hegemonia dos EUA e de gigantes como OpenAI, Google DeepMind e Anthropic.
A abertura do código do DeepSeek e de outros modelos de IA generativa representa uma grande oportunidade para o mercado de inovação brasileiro. Isso ocorre porque o código aberto permite que desenvolvedores, pesquisadores e empresas tenham acesso irrestrito ao código-fonte da tecnologia, possibilitando sua adaptação, melhoria e aplicação em diferentes contextos.”
Impacto por setor e capacitação técnica:
“Ferramentas de código aberto têm um enorme potencial para fomentar um ecossistema mais acessível, dinâmico e personalizado. Setores como saúde, agronegócio, educação e tecnologia poderiam se beneficiar significativamente de modelos de IA abertos, como DeepSeek, Hugging Face Transformers, Grok, Mistral e outros. Na saúde, essas tecnologias ajudariam a aprimorar diagnósticos, personalizar tratamentos e antecipar riscos de doenças com mais precisão. No agronegócio, tornariam a previsão climática mais eficiente, otimizariam o uso de insumos e automatizariam processos agrícolas. Na educação, poderiam criar tutores inteligentes, adaptar conteúdos a diferentes perfis de alunos e ampliar o acesso ao aprendizado de novos idiomas. Já no setor tecnológico, abririam novas oportunidades para startups e empresas desenvolverem soluções avançadas em codificação, atendimento ao cliente e análise de dados, sem os altos custos de licenciamento, impulsionando a inovação de forma descentralizada e acessível. Além disso, o acesso a modelos de código aberto reduz a dependência de soluções proprietárias, permitindo que estudantes, pesquisadores e startups experimentem, personalizem e inovem sem restrições financeiras. Isso acelera a capacitação técnica, fomenta comunidades colaborativas e impulsiona o Brasil para um protagonismo maior. Empresas podem desenvolver treinamentos mais acessíveis e contextualizados às demandas do mercado nacional, criando um ecossistema de formação contínua e alinhado às necessidades reais do setor produtivo.”
Acessibilidade e benefícios para startups:
“Players que disponibilizam suas soluções de maneira open source permitem inovação através da reutilização de modelos existentes para fins específicos e maior controle sobre informações compartilhadas e processamento de IA Generativa, proporcionando assim oportunidades como baixo custo, redução do consumo de energia e, consequentemente, acessibilidade. Segundo publicações referentes ao baixo custo, a DeepSeek atinge um resultado superior em comparação aos outros LLMs. O modelo também opera de 20 a 50 vezes de forma mais eficiente (acuracidade e velocidade de resposta) utilizando uma quantidade menor de processamento. As oportunidades de inovação para o negócio englobam empoderar pequenos negócios e empresários a ganharem eficiência operacional e escalabilidade a custos mais acessíveis. No Brasil, existem aproximadamente 6,4 milhões de estabelecimentos, dos quais 99% são micro e pequenas empresas (MPE), incluindo microempreendedores individuais (MEI) e empresas de pequeno porte. Desse número aproximadamente 12 mil empresas são startups, que demoram de 2 a 3 anos para poderem chegar a um breakeven e 30% não sobrevivem ao terceiro ano, sendo que os altos custos são um dos motivos que impedem a escalabilidade. Uma solução open source é crucial para criação de um grande ambiente colaborativo e democratização da Inteligência Artificial, pois quanto mais acessível a tecnologia, maior é sua adoção.”
Governança dos dados e segurança:
“O DeepSeek vai democratizar absurdamente a utilização da Inteligência Artificial nos próximos anos, principalmente porque eles descobriram uma forma muito mais barata de utilização da IA. Alguns testes mostram que eles podem ser de 15 a 20 vezes mais barato do que os modelos tradicionais do OpenAI com custo muito menor de utilização de placas GPU. Fazendo uma analogia, eles conseguiram mostrar que dá para levar um Uno a 300 Km por hora. Ou seja, uma tecnologia que chega com uma alternativa mais barata e que entrega uma qualidade igual, não digo nem superior, mas parecida à da Open AI.
Com relação à questão da governança de dados, isso é uma verdadeira interrogação. Ninguém sabe de fato o que está por trás dos modelos e dos prompts que você coloca em uma tecnologia e, como eles utilizam isso. Não só em relação ao DeepSeek, mas em relação a todos os modelos de IA que estão sendo utilizados. Esse é um assunto muito novo, ninguém vai ter essas respostas pelo menos nos próximos 12 ou 24 meses. A inteligência artificial é nova até para quem está criando a inteligência artificial. E quando se trata de tecnologia chinesa, principalmente por questões regulatórias, essa interrogação fica ainda maior. Quem tem uma opinião 100% de algo relacionado a IA não conhece IA ainda. Essa tecnologia está trazendo muito mais incertezas e dúvidas do que qualquer outra coisa.
Em relação às empresas, há sempre um desafio muito maior que é a parte da estruturação de dados. Não adianta a empresa querer falar de IA se a estruturação de dados dela não for bem-feita. Todo mundo quer falar de IA mas ninguém quer se preparar para utilizar IA. Esse é o primeiro ponto que as empresas têm que ter que tomar muita atenção e muito cuidado. O segundo ponto é que as empresas precisam sim começar a fazer testes e a usar a tecnologia. Ela pode fazer vários experimentos sem subir dados sensíveis da companhia, ela tem outras formas de trazer inteligência sem subir esse tipo de dados. Com o amadurecimento da tecnologia e com a clareza de como os dados são utilizados, aí sim, na sequência, ela pode começar a fazer novas utilizações e subir dados, talvez um pouco mais sensíveis, mas não acho que a empresa não tenha que começar por medo.”
Concorrência e inovação:
Todos nós acompanhamos o grande impacto do lançamento do DeepSeek nos mercados internacionais, e eu acredito que ele e outros players desenvolvidos na China chegaram para ficar. Na prática, o que eles representam é uma democratização do acesso às ferramentas de IA, e contam com o potencial de ampliar o escopo de uso da tecnologia.
Vejo o DeepSeek e outros players mais acessíveis sendo usados pela iniciativa privada e também por órgãos públicos, ajudando na logística e no desenvolvimento de estratégias.
Também vale destacar que a OpenAI vivia uma zona de conforto, mas desde o lançamento do DeepSeek, se apressou para lançar novos recursos como a pesquisa profunda, ou seja, nada como uma boa concorrência para estimular ainda mais inovação.”
Modelos open source de IA nas empresas:
“Para que as empresas aproveitem melhor os modelos open source de IA, é fundamental investir tanto em infraestrutura tecnológica quanto em cultura organizacional. Do ponto de vista tecnológico, é essencial contar com uma capacidade computacional robusta, seja por aplicações específicas por meio de servidores internos ou soluções de cloud computing com suporte a GPUs e TPUs, garantindo que os modelos de IA rodem com eficiência. Além disso, a segurança e a conformidade regulatória devem ser prioridades, evitando vazamentos de dados e garantindo que as aplicações estejam em conformidade com legislações de privacidade.
No aspecto cultural, as empresas precisam investir na capacitação contínua de seus times, garantindo que os profissionais desenvolvam as habilidades necessárias para utilizar a tecnologia de forma estratégica no dia a dia. Programas de reskilling e upskilling são fundamentais para que as equipes saibam extrair ao máximo o potencial da IA. É necessário ainda fomentar uma cultura de experimentação, permitindo que os times testem novas soluções e explorem diferentes formas de utilização da IA sem receio de falhas, o que contribui para um ambiente mais inovador e ágil.
Outra medida essencial é a incorporação da IA como um elemento central da estratégia da empresa, indo além do uso isolado como uma ferramenta e garantindo que sua aplicação tenha impacto real nos processos e nos resultados organizacionais. Isso envolve também uma adaptação nos modelos de gestão, tornando-os mais flexíveis e orientados à inovação, de modo que a IA seja integrada às decisões e operações da empresa de forma natural e eficiente.”
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