De Nova Iguaçu ao Crypto Valley, na Suíça: a trajetória de Márlyson Silva, da Transfero

Monica Miglio Pedrosa
Uma empresa que movimenta de US$ 5 a 10 milhões por dia no Brasil, com sede na Suíça, atuação na América Latina e criadora do BRZ, uma stablecoin pareada ao real. Assim é a Transfero, empresa de soluções financeiras baseadas em tecnologia blockchain com sede no Crypto Valley, na Suíça, fundada por três brasileiros, entre eles Márlyson Silva, atual Chairman. O executivo esteve nos palcos do Fórum CEO Brasil 2025 para compartilhar sua trajetória desde a infância até a criação da empresa, além de revelar seus planos de inclusão por meio da educação.
A história de Márlyson começa em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, em um ambiente marcado pela disciplina rígida do pai, fuzileiro naval, e pela criatividade da mãe, artesã, que encontrava soluções inusitadas para enfrentar as dificuldades do lar. Quando queria trocar um móvel, como a mesa de jantar, e o pai dizia não ter dinheiro, ela deixava de comprar carne de primeira e servia nuggets ou salsichas até juntar o valor necessário. Foi nesse contexto que se estruturaram os pilares que o acompanhariam pela vida: disciplina, resiliência e inovação.
Ainda adolescente, e incentivado pelos conselhos da mãe, descobriu nos estudos o caminho para transformar sua realidade. Fez cursos de datilografia e programação e, aos 14 anos, começou a trabalhar como chaveiro. “Os coaches adoram essa parte da história, porque eu sei abrir portas”, contou, com humor.
Posteriormente, mergulhou no aprendizado de linguagens como Pascal, C++, Delphi e Java. Introvertido, refugiava-se na frente do computador para programar, evitando os encontros sociais da família. “Ficava só por 30 minutos para cumprimentar todos e voltava para meu quarto. A disciplina me deu muito foco para seguir nesse caminho.”
Seu primeiro emprego formal na área foi na Sirius, onde permaneceu por dez anos. “Fui contratado para ler e corrigir manuais técnicos de até 300 páginas e, quando terminava, já havia me tornado programador naquela linguagem. Dei minha vida na empresa e foi ótimo, pois aprendi a respeitar hierarquia, a ser técnico no pré-venda e no pós-venda”. Ao chegar ao topo da empresa, onde não havia mais espaço para crescer além do fundador, decidiu buscar novos desafios.

Passou pela BRQ, onde trabalhou na SulAmérica Seguros, em um cargo de gestão técnica e de liderança de equipe. Foi nesse período que consolidou sua reputação de consistência e entregas no prazo, habilidade que abriria portas para os passos seguintes.
O setor de pagamentos entrou em sua vida na startup maxiPago!, que tropicalizou um software americano para o mercado brasileiro e conquistou mais de 300 clientes em apenas dois meses. Ali, Márlyson entendeu na prática o fluxo do dinheiro global e como o intervalo de 30 dias no repasse dos adquirentes se transformava em lucro.
Transição para o empreendedorismo
Com a venda da maxiPago! para o Grupo Rede, recusou-se a mudar para São Paulo e preferiu permanecer no Rio de Janeiro para ficar perto da mãe, que estava doente. Foi então que fundou a Bit.One, em 2015, gateway de pagamentos que processava débito, crédito e boleto, com foco inicial em startups. Logo em seguida, decidiu incluir o bitcoin na operação, em uma época em que a criptomoeda ainda era vista com desconfiança, muitas vezes associada a fraudes.
A aposta abriu novas portas e a startup foi selecionada pelo Inovabra, do Bradesco, reconhecida como uma das empresas mais inovadoras do mercado, e estampou a capa da revista Exame. Sua solução permitia transformar reais em moedas estrangeiras em questão de minutos, utilizando blockchain. O Banco Central, contudo, não autorizou a continuidade, diante da falta de regulamentação. Foi o empurrão para a criação da Transfero, em 2017, instalada na Suíça, no coração do Crypto Valley, onde também está a Ethereum Foundation.
O crescimento da Transfero, no entanto, não foi simples. Custos elevados em euros, entraves jurídicos, entre outros desafios, desafiaram os sócios a buscar alternativas. Foi aí que surgiu o BRZ, um ativo digital pareado ao real brasileiro, que permitia transferências internacionais de forma ágil e segura.
O BRZ abriu espaço para que grandes companhias e traders recebessem em reais na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa. Uma época, recorda Márlyson, em que os fusos horários entre essas regiões foram grandes ofensores. “Acordava às duas da madrugada para falar com clientes na China, depois às sete para conversar com nosso escritório na Europa e então às 15h com o Brasil. Isso quando não recebia uma mensagem para uma reunião à meia-noite”, relembra.
O mercado de cripto tem os bons, os maus, os loucos e os normais. Nós queríamos ser os normais, criando coisas loucas.”
As conquistas, no entanto, foram acompanhadas por perdas pessoais marcantes. Em outubro de 2016, Márlyson perdeu a mãe e, alguns meses depois, a irmã, justamente durante uma apresentação importante no Web Summit Lisboa. “Ficamos tão focados no dia a dia que às vezes esquecemos de compartilhar grandes momentos com nossas famílias. O conselho que dou pra vocês é: aproveitem o dia.”
Hoje, além de liderar a Transfero, Márlyson dedica-se ao Transfer Academy, criado para ampliar oportunidades a jovens da periferia, de onde ele espera “descobrir o novo Márlyson”. Incomodado ao ver que apenas executivos de universidades de primeira linha chegavam ao mercado de trabalho, e que quase nenhum deles era negro, decidiu investir R$ 300 mil para estruturar uma jornada de seis meses, com bolsas de estudo, ambiente de aprendizado completo e infraestrutura adequada. Mais de sete turmas e 200 alunos já foram formados. “Tivemos 36% de empregabilidade após um treinamento em parceria com o Senac”, contou.
“Vivo cinco anos à frente trabalhando com tecnologia. Mas não tenho equipe técnica, nem desenvolvedores para os próximos cinco anos. Preciso formá-los hoje”, afirmou, reforçando sua visão de futuro e o compromisso em preparar novas gerações para este mercado.
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