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“A engrenagem do sistema político brasileiro é ineficiente”, diz Lucas Aragão, da Arko Advice

O cientista político Lucas Aragão, sócio da Arko Advice, no Fórum CEO Brasil 2025

A política brasileira não é o que acontece nas manchetes da imprensa nem nas redes sociais, mas o que se desenrola nas entrelinhas, nas negociações e pressões que raramente chegam ao noticiário. Esse foi o alerta do cientista político Lucas Aragão, sócio da Arko Advice, na palestra que encerrou o segundo dia do Fórum CEO Brasil 2025.

“O binarismo do noticiário muitas vezes nos faz perder a capacidade de reflexão. Enquanto a emoção da notícia nos prende e gera cliques, esquecemos que, neste momento, um novo marco da inteligência artificial está sendo debatido no Congresso”, destacou Aragão.

Para ele, o sistema político brasileiro não tem partidos que se posicionam claramente em temas de interesse nacional, diferentemente de países como os Estados Unidos. “Existe uma tese na ciência política que fala sobre a engrenagem do sistema eficiente. Eficiente não quer dizer melhor. Mostra apenas a capacidade de transportar os assuntos da sociedade para todas as camadas da discussão política”, explicou.

“Nos Estados Unidos, basta fazer poucas perguntas a uma pessoa e já conseguimos definir se ela é do Partido Democrata ou Republicano. Em um sistema político eficiente há clareza e coesão em cada um dos partidos, portanto eles podem travar grandes debates em torno de temas de interesse nacional”, completou. No Brasil, “o parlamentar de sucesso não quer falar de temas nacionais”. Para ele, os partidos raramente se organizam em torno de uma visão de país e acabam funcionando como coalizões amplas, guiadas por interesses locais ou setoriais.

O resultado é um Congresso marcado pelo pragmatismo e pela fragmentação, em que o sucesso parlamentar não depende de ideologia, mas da capacidade de direcionar recursos por meio de emendas para seus redutos eleitorais. Elas garantem a reeleição de deputados e senadores, mas deixam de lado questões estruturais que poderiam definir um projeto de nação. “Os parlamentares têm de R$ 60 a R$ 70 milhões por ano para propor emendas ao orçamento. Eles jogam esse dinheiro em seus municípios de origem, constroem escolas, centros comunitários. Não importa se são lulistas ou bolsonaristas, isso vai garantir sua reeleição por muitos ciclos”, exemplificou.

O cientista político Lucas Aragão, sócio da Arko Advice, no Fórum CEO Brasil 2025
O cientista político Lucas Aragão, sócio da Arko Advice, no Fórum CEO Brasil 2025

Partidarismo negativo

Aragão chamou atenção ainda para o fenômeno do partidarismo negativo, em que tanto políticos quanto eleitores se organizam mais pelo que rejeitam do que pelo que desejam construir. “O Brasil não se organiza pelo que sonha, mas pelo que quer evitar”, resumiu. Isso significa que é mais comum ver a sociedade civil mobilizada para barrar mudanças do que para propor soluções. O efeito é um ciclo de paralisia: políticos percebem que basta se posicionar contra algo para atender às expectativas de seus eleitores, o que torna mais fácil “jogar parado” do que enfrentar a complexidade de elaborar políticas públicas consistentes.

O Brasil não se organiza pelo que sonha, mas pelo que quer evitar”

Essa lógica ajuda a explicar por que, segundo Aragão, as grandes soluções do Brasil costumam nascer apenas em momentos de estresse extremo. O consenso raramente surge de convicções ou de planejamento estratégico, mas da pressão gerada por crises. Foi assim no Plano Real, que estabilizou a economia após anos de hiperinflação, ou na Reforma da Previdência, aprovada quando a situação fiscal já não permitia adiamentos. Até mesmo os impeachments de presidentes, lembrou, não aconteceram apenas pelo motivo jurídico apontado, mas porque havia motivação política suficiente para que diferentes forças aceitassem avançar. “No Brasil, o acordo só vem quando não há mais alternativa”, destacou.

A pentarquia que domina o País

Para Aragão, o poder no Brasil está concentrado em uma pentarquia formada pelo presidente da República, o Supremo Tribunal Federal, os presidentes da Câmara e do Senado e o presidente do Banco Central. Essa estrutura recebe pressão de outros atores, como os partidos políticos, o mercado financeiro e a sociedade organizada, como o agronegócio, as mídias, igrejas e o setor produtivo. “O estresse da base da pirâmide vai produzir efeitos na parte de cima”, explicou. É dessa dinâmica que nascem os consensos possíveis, muitas vezes contrários às intenções originais do governo ou dos parlamentares.

Se você não está sentado à mesa, provavelmente está no cardápio”

Para conseguir governar no Brasil é preciso construir consenso com os atores dessa pentarquia. Aragão trouxe dois exemplos para mostrar que as decisões são tomadas por pressão, não por convicção. No governo Bolsonaro, o então presidente queria transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, mas o agronegócio pressionou para impedir a mudança e não perder mercado no mundo árabe. O segundo exemplo é o do presidente Lula. “O Lula da convicção perdeu as eleições de 1989, de 1994 e de 1998. Em 2002, ele ganhou quando virou um candidato de consenso, quando dialogou com o mercado financeiro, quando escolheu Henrique Meirelles para ser presidente do Banco Central.”

Ao projetar o futuro, Aragão apresentou três possíveis cenários: a não reeleição de Lula, a reeleição com redução de convicções; e a reeleição mantendo as convicções. Em qualquer dos casos, a “pirâmide” é quem determina os rumos da política. Apesar dos desafios, a mensagem final foi otimista, já que o Brasil historicamente encontra saídas quando a pressão se torna insustentável. O recado final, no entanto, é que líderes empresariais e a sociedade civil não podem esperar que soluções venham apenas do alto e se organizem em torno de interesses coletivos ou nacionais para ganhar força no jogo político do País.

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