Futuro

A revolução transumanista

Autor: Luc Ferry

Ideias centrais:

1 –O transumanismo é um amplo projeto de melhoria da humanidade atual em todos os aspectos: físico, intelectual, emocional e moral, graças ao progresso da ciência, particularmente, da biotecnologia.

2 – O acrônimo NBIC refere-se à Nanotecnologia, Biotecnologia, Informática (big data, internet das coisas) e Cognitivismo (inteligência artificial e robótica), inovações tão radicais quando ultrarrápidas que provavelmente vão modificar a medicina e a economia nos próximos 40 anos mais do que nos 4 mil anos anteriores.

3 – Aos olhos do filósofo e economista Francis Fukuyama, a modificação da dotação biológica dos indivíduos anuncia o fim do homem, porque representa ameaça irreversível para a integridade da espécie humana enquanto espécie moral.

4 – Mesmo que a máquina nos imitasse de maneira perfeita, porque superior às nossas capacidades atuais, ela seria incapaz de sentir prazer e pena, amor e ódio, assim como de ter uma verdadeira consciência de si mesma.

5 – Existem três “internets”: a da comunicação, da energia e a da logística. Essa última diz respeito especialmente às questões de transporte e mobilidade. Há muitos defeitos na logística atual e desperdício de uso dos veículos que poderiam ser corrigidos se organizássemos os transportes segundo as duas primeiras internets.

6 – A globalização que vem na universalidade da tecnociência levanta um problema crítico: o da impotência pública, num contexto no qual, tendo o mercado se tornado mundial, as políticas regulatórias permaneceram estatais e nacionais, ou seja, meramente locais.

Sobre o autor:

Luc Ferry é filósofo graduado pelas universidades Sorbonne e Heidelberg e possui doutorado em Ciência Política pela Universidade de Reims. Foi ministro do ministério francês de Juventude, Educação Nacional e Pesquisa (2002-2004).

Introdução:

Chegou o momento de tomarmos consciência de que uma nova ideologia se desenvolveu nos Estados Unidos, com seus profetas e sábios, suas eminências e seus clérigos, sob o nome de transumanismo, uma corrente cada vez mais poderosa, apoiada pelos gigantes da web, a exemplo do Google, e dotada de centros de pesquisa com financiamentos quase ilimitados.

Esse movimento já suscitou milhares de publicações, colóquios e debates apaixonados nas universidades, nos hospitais, nos centros de pesquisa, e em círculos econômicos e políticos. Ele é representado por associações, cujo alcance internacional é cada vez mais impressionante. Estima-se até que um dos candidatos à próxima eleição americana deve levantar a bandeira do transumanismo.

De modo geral, os transumanistas militam, com o apoio de meios científicos e materiais consideráveis, em prol da utilização de novas tecnologias, do uso intensivo das células-tronco, da clonagem reprodutiva, da hibridização homem/máquina, da engenharia genética e das manipulações no genoma, aquelas que poderiam modificar nossa espécie de modo irreversível, no intuito de melhorar  a condição humana.

Desde os tempos mais remotos, de fato a medicina se fundamentava em uma ideia simples, um modelo bem comprovado: “recuperar” no homem vivo o que tinha sido “danificado” pela doença. O âmbito desse pensamento era, essencialmente, para não dizer exclusivamente, terapêutico. Na Antiguidade grega, por exemplo, o médico supostamente almejava a saúde, isto é, a harmonia do corpo biológico conforme é julgada pela harmonia do corpo social. Procura-se a volta à ordem após a desordem, a restauração da harmonia após a aparição da doença, biológica ou social, causada por agentes patógenos ou criminais. Navegava-se entre dois limites bem determinados, o do normal, por um lado, e o do patológico, por outro.

Para os defensores do movimento transumanista, especialmente graças à convergência dessas novas tecnologias, designadas sob o acrônimo NBIC – Nanotecnologia, Biotecnologia, Informática (big data, internet das coisas) e Cognitivismo (inteligência artificial e robótica) –, inovações tão radicais quanto ultrarrápidas, que provavelmente vão modificar a medicina e a economia nos próximos 40 anos, mais do que nos 4 mil anos anteriores. É possível acrescentar, como acabo de sugerir, novas técnicas de hibridação e também a invenção da impressora 3D, cujos usos diversos, entre os quais também médicos, desenvolvem-se de maneira exponencial.

As NBIC hoje, portanto, permitem considerar as profissões de saúde sob um novo ângulo. Não se trata mais simplesmente de “recuperar”, mas sim de “melhorar” o ser humano, de trabalhar naquilo que os transumanistas chamam de improvement ou enhancement, seu “aumento”, no sentido em que se fala de uma “realidade aumentada” ao se evocar esses sistemas de informática que permitem superpor imagens virtuais a imagens reais. Você aponta a máquina fotográfica do seu smartphone para um monumento da cidade que está visitando e vê surgir imediatamente na tela informações como a data da construção, o nome do arquiteto, a finalidade inicial ou final etc. Trata-se, portanto, de uma verdadeira revolução no mundo da biologia e da medicina.

Capítulo I. O que é transumanismo?

Numa primeira aproximação, trata-se, como já dissemos na Introdução, de um amplo projeto de melhoria da humanidade atual em todos os aspectos, físico, intelectual, emocional e moral, graças aos progressos das ciências e, particularmente, das biotecnologias. Portanto, uma das características mais essenciais do movimento transumanista diz respeito ao fato de que pretende passar do paradigma médico tradicional, o da terapêutica, cuja finalidade principal é “reparar”, curar doenças e patologias, para um modelo “superior”, o da melhoria, ou até do “aumento” do ser humano. Como escreve Nick Bostrom, cientista e filósofo sueco que leciona em Oxford, um dos principais representantes dessa corrente:

“Virá o dia que nos será oferecida a possibilidade de aumentar nossas capacidades intelectuais, físicas, emocionais e espirituais, além daquilo que parece hoje em dia. Sairemos então da infância da humanidade para entrar na era pós-humana.”

Assim, no primeiro transumanismo, não abandonamos nem a esfera do vivo, do biológico, nem a de sua humanidade, cujo aumento não procura destruí-la, nem mesmo superá-la qualitativamente, mas enriquecê-la, melhorá-la. Isto é, essencialmente, torná-la mais humana. Idealmente, essa vertente do transumanismo sonha conseguir uma humanidade mais razoável, mais fraternal, mais solidária e, a bem dizer, mais amável, porque mais amorosa, diferente daquela que, até então, ensanguentou o mundo com guerras tão absurdas quanto permanentes.

Do transumanismo biológico ao pós-humanismo cibernético: rumo ao fim da humanidade?

Na outra vertente, bem representada por personalidades como o matemático e autor de ficção científica Vernot Vinge, mas ainda mais atualmente por Hans Moravc (Robot, mere machine to transcend mind, Oxford University Press, 1999) ou, claro, Ray Kurzweil (The singularity is near, when humans transcend biology, Penguin Books, 2005), trata-se mesmo de sair completamente ao mesmo tempo do biológico e do humano. É algo que quer destacar claramente a noção de “singularidade”: oriunda da física e da matemática, remete à ideia de que, a partir de certo ponto de evolução da robótica e da inteligência artificial, os humanos serão totalmente ultrapassados e substituídos por máquinas autônomas ou, para dizer melhor, pelo surgimento de uma consciência e de uma inteligência globais, milhares de vezes superior à do humano atual, uma inteligência cujas redes criadas pelo Google já constituem uma prefiguração.

A pós-humanidade não terá quase nada mais humano, porque não será mais enraizada no vivo, sendo a lógica das novas tecnologias fundamentalmente a desmaterialização. Assim Kurzweil e seus discípulos supõem que a consciência se situará fora de qualquer substrato biológico corporal, que será possível armazenar a inteligência, a memória e as emoções e suportes informáticos de um tipo ainda a ser imaginado.

As teorias de Kurzweil, por mais hipersofisticadas que sejam, provocaram a crítica de tantos cientistas que, ao contrário do primeiro transumanismo, que não quer ter nada de ficcional, o trans/pós-humanismo da “singularidade” se parece mais com uma utopia fantástica, para não dizer uma fantasia delirante, do que com o racionalismo científico. Ademais, a ideologia da singularidade se baseia em grande parte em um materialismo filosófico que, como qualquer materialismo, reduz ingenuamente a consciência humana a um simples reflexo mecânico da maquinaria cerebral, como se o mistério da liberdade humana pudesse ser decifrado por máquinas capazes de passar no famoso teste de Turing. Nesse teste, um humano dialoga com um computador até o momento em que não sabe mais se está conversando com outro humano ou com uma máquina, já que as respostas desta última seriam apropriadas, inventivas, inteligentes e, claro, sensíveis.

Muitos transumanistas têm obviamente consciência dos riscos científicos, assim como dos problemas éticos suscitados por seu projeto. Conhecem, muitas vezes “de cor”, as críticas que lhes são endereçadas por seus detratores e nunca se cansam de argumentar para trazer respostas. É preciso notar desde já que sua posição libertária-social-democrata é acompanhada, ao menos em princípio, de uma abertura constante à discussão, de um apelo no mais das vezes sincero e fervoroso ao diálogo democrático, na tentativa de elaborar soluções ao mesmo tempo arriscadas e mais racionais.

Capítulo II. A antinomia das biotecnologias – “bioconservadores” contra “bioprogressistas”

As mais sérias objeções contra o projeto transumanista nem sempre são as mais sofisticadas. Pertencem antes ao bom senso, às evidências até, a começar por esta que vem imediatamente à mente: será que não assumimos riscos insensatos, no plano simplesmente médico e científico, ao praticar manipulações genéticas germinativas, ao mesmo tempo transmissíveis e irreversíveis? Podemos garantir que o projeto de melhoria da humanidade vai realmente seguir o rumo do melhor e não o do pior, da monstruosidade?

Os transumanistas respondem invariavelmente que, se a pesquisa científica não for barrada, e sim incentivada e financiada, nada permite afirmar a priori que a esperança de um dia erradicar as diferentes formas de patologia vinculadas a essa senescência que nos ameaça a todos esteja fora de alcance. O raciocínio é sempre o mesmo: diante dos processos realizados nos últimos anos pela genética e pelas novas tecnologias, seria absurdo e irresponsável fechar a porta às revoluções que a ciência ainda pode muito provavelmente realizar para o bem da humanidade, na luta contra o envelhecimento e as doenças genéticas incuráveis, até para a melhoria de toda a espécie humana.

Argumentos de Francis Fukuyama contra o transumanismo. Se assumirmos a perspectiva das religiões tradicionais, segundo as quais qualquer manipulação de um ser vivo é sacrílega, considerando que Deus, e apenas Ele, detém o monopólio da manipulação, e acrescentarmos, mais amplamente, os defensores, crentes ou não, de uma sacralização da natureza humana (do genoma humano), entenderemos que proceder à modificação da natureza humana possa parecer a maneira mais garantida de arruinar a moral universal. Porque essa moral, para os tradicionalistas, não poderia estar enraizada em outro lugar senão na consideração dos traços naturais comuns à humanidade. Não os respeitar, querer modificá-los, é simplesmente destruir os fundamentos naturais da ética. É por isso que, aos olhos de Fukuyama, a modificação da dotação biológica dos indivíduos anuncia o fim do homem, porque representa uma ameaça irreversível e aterrorizante para a integridade da espécie humana enquanto espécie moral, digna de ser protegida pelos direitos humanos.

A ideia central do filósofo Michael Sandel é que, com o transumanismo passamos de uma ética de gratidão pelo que é dado (giftedness) para uma ética (se ainda podemos usar esse termo) do domínio absoluto do mundo externo como de si mesmo pelo homem prometeico. Um esclarecimento; a noção de “dado” não remete obrigatoriamente a um viés religioso; quer seja Deus, para quem acredita que o dado nos é dado, quer seja pela natureza, para quem não acredita, pouco importa. O que conta é que, em ambos os casos, há um lugar para uma transcendência a um princípio de doação externa e superior aos homens. É justamente essa referência à contingência, ao acaso e ao mistério do Ser, que o transumanismo abandona, em prol de uma vontade desenfreada de domínio, uma atitude prometeica que literalmente despedaça três valores morais absolutamente fundamentais para organizar a vida comum: a humildade, a inocência (que desaparece diante de uma extensão exorbitante das nossas responsabilidades) e a solidariedade.

Crítica do projeto transumanista pelo filósofo Jürgen Habermas. No livro intitulado O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia?, Habermas aborda o problema de forma original, a partir de um ângulo bem peculiar, o da criança cujos pais resolveriam modificar o genoma com a finalidade não de reparar ou curar, mas de aumentar e melhorar o material genético original, portanto, no sentido do transumanismo. A liberdade da criança ou, como diz Habermas em seu costumeiro jargão, sua “relação reflexiva à própria autonomia”, isto é, para falar mais simplesmente, à maneira como ela mais tarde entenderá como ser livre, ficará, pelo menos segundo Habermas, gravemente comprometida por essa operação, com os pais impondo suas escolhas, como aumentar tal capacidade em vez de outra, ou os dons para esporte, por exemplo, em vez das artes ou das letras).

Limites do materialismo transumanista: confusão entre homem e máquina. A tese materialista é inteiramente baseada em uma abordagem puramente comportamentalista ou behaviorista do problema da inteligência humana. Seu postulado principal é que, a partir do momento em que as máquinas, finalmente dotadas de inteligência artificial forte, sejam capazes de passar com sucesso no teste de Turing, não haverá motivo nenhum para essencialmente se diferenciar a inteligência humana de uma inteligência artificial. As máquinas, dotadas assim da consciência de si e capazes de sentir emoções, deveriam ter, assim como nós, um estatuto jurídico, direitos e, por que não, também obrigações, já que poderiam se prevalecer de todos os atributos do ser vivo, todos os raciocínios, mas também de todos os sentimentos e de todas as paixões de que a humanidade é capaz.

Intuitivamente, contudo, e pelo próprio uso do simples bom senso, outra resposta se impõe a nós: mesmo que nos imitasse de maneira perfeita, até mais que perfeita, porque superior às nossas capacidades atuais, a máquina ainda seria incapaz de sentir prazer e pena, amor e ódio, assim como de se dotar de uma verdadeira consciência de si mesma. É provável que pudesse fazer “de conta”, mas não sentiria nada, porque, para sentir emoções, é preciso ter corpo, é preciso algo biológico – motivo pelo qual o critério externo, somente comportamentalista, é insuficiente, para não dizer de uma ingenuidade desconcertante.

Capítulo III. A economia colaborativa e a “uberização” do mundo

Uma relação tanto profunda quanto durável se instalou entre essa “infraestrutura do mundo” que é a internet e o surgimento de uma nova economia, chamada colaborativa, hoje simbolizada pelos famosos GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon), e ainda mais pelos aplicativos recentes que a web viabiliza e que tece vínculos até então desconhecidos entre particulares, no modelo do Uber, do Airbnb ou do BlaBlaCar, só para citar alguns dos mais conhecidos na França. Segundo um ideólogo como Jeremy Rifkin, essa forma inédita de vínculo social seria ligada diretamente à emergência de uma nova organização econômica, que se torna possível por meio de uma “terceira revolução industrial”.

Vejamos em breves termos as três revoluções industriais, que, segundo prognósticos de Rifkin, vão conduzir à morte do capitalismo.

A Primeira Revolução Industrial é a da imprensa e máquina a vapor. Foi certamente no fim do século XV que Gutenberg inventou sua famosa máquina impressora, mas foi com o surgimento de uma nova energia, nos anos 1780, que ela realmente desenvolveu todo o seu potencial, as rotativas e outras impressoras de rolo propelidas a vapor permitindo pela primeira vez na história do mundo produzir jornais, livros e cartazes de modo industrial. Assim se desenvolveram novas formas de comunicação, começando pela estrada de ferro, enquanto, paralelamente, o ensino público e a imprensa se tornaram possíveis graças a livros e jornais de baixo custo. Foi também nesse contexto que a urbanização ganhou terreno em relação à ruralidade, com o surgimento de unidades de produção centralizadas e hierarquizadas, as fábricas modernas, provocando um recuo contínuo do mundo rural.

A Segunda Revolução Industrial seguiu a primeira com um século de intervalo. Graças a duas fontes de energia, o motor de combustão interna (de explosão) e a eletricidade, o século XIX abriu a era do desenvolvimento exponencial do capitalismo. Ela também foi acompanhada de novas formas de comunicação, como telefone, telegrama, e logo o rádio e a televisão, mas igualmente, claro, o carro, os caminhões e aviões, que revolucionaram a logística e os transportes, enquanto a urbanização e a hierarquização continuaram se acentuando em detrimento do campo e das províncias e as empresas se tornaram multinacionais.

A Terceira Revolução Industrial, que hoje vivemos, associa, como as outras, novas fontes de energia, nesse caso as energias descarbonizadas ou energias verdes (eólica, fotovoltaica, geotérmica, células de hidrogênio e, logo, hidrato de metano), com uma nova forma de comunicação, a da internet, ou, como veremos, das internets, porque existem diversos tipos. É, então, uma organização da vida econômica “lateral” e “distribuída” que surge, uma estruturação ao mesmo tempo pós-nacional, desierarquizada e descentralizada da vida econômica, cultural e política, vinculada ao surgimento das redes sociais universais, e também de instrumentos de coleta e análise dos big data, permitindo uma expansão crescente de economia do compartilhamento.

Passemos a encarar as diferentes internets, descrevendo-as brevemente:

A primeira internet é a mais conhecida, a de todos os dias, isto é, a internet da comunicação. É amplamente dominada pelo quase monopólio dos GAFA, aos quais é preciso acrescentar inúmeras redes sociais, como Twitter ou LinkedIn, e também todos os aplicativos que tornam viva a economia colaborativa no modelo Uber, Airbnb, BlaBlaCar, TroisMaison.com, Wikipédia e muitos outros. Hoje eles agregam e “pilotam”, com fins mais ou menos mercantis, centenas de milhões de indivíduos reunidos em comunidades e redes.

Em seguida, vem a internet da energia – também chamada de “redes inteligentes” (smart grids). É certamente nesse ponto que os trabalhos de Rifkin impressionaram mais os políticos encarregados dessas questões. Baseiam-se na ideia de que as comunidades, seja na escala de um prédio, de uma empresa, de um vilarejo ou de uma região, poderiam se organizar em redes no modelo da web para produzir por conta própria eletricidade com a ajuda das energias verdes e renováveis (eólica, painéis solares etc.), que nos próximos 20 ou 30 anos entrariam em concorrência em termos de preço e eficiência com suas estruturas centralizadas tradicionais do tipo EDF (Électricité de France). Cada comunidade poderia então não somente produzir quantidades de energia suficientes para seu próprio consumo, mas também trocar com outras – por analogia com a primeira internet, a da comunicação – os excedentes de produção gerados, sendo estes então armazenados antes de serem compartilhados.

A terceira internet é da logística. Diz respeito especialmente às questões de mobilidade que, hoje, ainda, são tratadas de modo totalmente irracional. Nossos carros, por exemplo, são utilizados em média apenas 6% do tempo (os 94% restantes ficam estupidamente imobilizados em estacionamentos, o que explica o interesse que desperta o compartilhamento de carros); quanto aos caminhões reservados para o transporte de mercadorias, em geral eles circulam com metade da capacidade de cargas, quando não voltam vazios após a entrega. Existem ainda na logística atual muitos defeitos que desapareceriam se organizássemos os transportes rodoviários segundo o modelo das duas internets que acabamos de citar.

Big data. Os mercados bilaterais é uma das principais fontes de valor desses “grandes dados”, os famosos big data, vendidos às empresas e que se enriquecem continuamente graças aos bilhões de coisas conectadas que transmitem sem parar na internet. O “pseudogratuito”, portanto, é altamente lucrativo para quem domina a arte e a maneira de usá-lo, sendo as redes sociais aparentemente “sem custos” gerenciada de forma oculta, como empresas privadas com fins altamente lucrativos. Assim, vemos quanto a economia de rede, que se desenvolve de forma exponencial a partir das novas tecnologias e das coisas conectadas, gera um mundo caracterizado por tudo o que quisermos, menos o fim do capitalismo.

Conclusões:

É preciso, queiramos ou não, regular, evitar que a humanidade caia naquilo que os antigos gregos chamavam de hybris, a arrogância e o descomedimento, isto é, fixar limites para o homem prometeico. Mas não nos enganemos. Para impor regras à sociedade civil, para pôr ordem e colocar limites à lógica do individualismo, é preciso não apenas dispor de um Estado esclarecido, de uma classe política que entenda as evoluções da sociedade, os movimentos de fundo que a transformam, suas novas aspirações, às vezes radicalmente inéditas, mas também de um Estado forte, capaz de se fazer respeitar por essa esfera privada pela qual se pretende responsável. Mas é justamente aí que está o ponto, no fato de que a globalização, que vem na universalidade da tecnociência que atravessa todas as fronteiras um aspecto inseparável, levanta um problema particularmente crítico: o da impotência pública num contexto no qual, tendo o mercado se tornado mundial, enquanto as políticas permaneciam estatais e nacionais, isto é, locais, a eficiência real dos Estados-nações se reduz aos poucos a quase nada.

Permita-me aqui lembrar, de forma resumida, o raciocínio que possibilita sustentar essa observação. É o que chamei de “desapropriação democrática”, uma realidade cuja raiz precisamos entender para medirmos com alguma exatidão a dimensão do problema hoje levantado em ambas as áreas, a do transumanismo e a da economia colaborativa, pelo ideal da regulação.

 

Ficha técnica:

Título: A Revolução Transumanista

Título original: La Révolution Transhumaniste

Autor: Luc Ferry

Primeira edição: editora Manole

Resumo: Rogério H. Jönck

Edição: Monica Miglio Pedrosa

 

Leia também:

– Resumo de livro – Aprender a Viver – Luc Ferry

 

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