“A siderúrgica do século 21 trabalha com o conceito de economia circular”

Entrevista com Paula Harraca, Diretora de Futuro da ArcelorMittal.

Por Denize Bacoccina

A argentina Paula Harraca, no Brasil há 11 anos, tem uma missão: transformar a siderurgia numa indústria do futuro, onde a sustentabilidade seja a base do negócio e a transformação uma constante. Diretora de Futuro da ArcelorMittal, empresa líder mundial em aço, ela é responsável pelas áreas de Estratégia, ESG, Inovação e Transformação do Negócio.

Nesta entrevista ao [EXP], ela diz que a siderurgia vive esse desafio de descarbonizar as fontes de energia e que a ArcelorMittal tem programas de inovação que buscam impactar e puxar a transformação em toda a indústria. “A ArcelorMittal assumiu o compromisso de reduzir 35% das suas emissões até 2030, e isso tem uma influência muito grande no mercado”, diz Paula. Nesta semana, ela também lançou o livro “O poder transformador do ESG – Como alinhar lucro e propósito” sobre sua experiência liderando a área de ESG da empresa.

Qual é o futuro da indústria siderúrgica?

Quais que são os futuros, não é? Eu gosto de enxergar o amanhã com esse entendimento de uma pluralidade, de várias possibilidades. No setor siderúrgico, existe um grande desafio que ao mesmo tempo é uma grande oportunidade: a descarbonização do processo produtivo. O processo de produção de aço é intensivo em carbono e está passando por uma profunda mudança.

O aço é, teoricamente, eternamente reciclável. Mas, para ser reciclado, ele demanda energia. É no processo de reciclagem que vem essa transformação?

Exatamente. O aço é produzido a partir de sucata, do minério de ferro ou gusa, ou uma mistura dos três. Para isso é preciso energia e hoje nós temos mais de 98% da energia vinda de fonte renovável. O nosso grande desafio é não usar o carvão. Já se fala em hidrogênio verde, tem uma série de tecnologias que estão sendo desenvolvidas.

O futuro é complexo. Ele ainda é incerto. Exige inovação, criatividade, cocriação, unindo ciência, academia. Não é simples.

Mas o Brasil, no cenário mundial, oferece uma riqueza, tanto natural quanto de fontes de energias renováveis, muito grande. Não apenas para a indústria siderúrgica, mas de forma geral. Temos essa grande oportunidade de colocar o Brasil nessa plataforma de transformação de mudança climática e de descarbonização mundial.

“Temos uma grande oportunidade de colocar

o Brasil nessa plataforma de transformação

de mudança climática e de descarbonização mundial”

Em que situação o Brasil está hoje nessa agenda?

Essas agendas já estão acontecendo. A movimentação governamental já tem o mercado de carbono, tudo está acontecendo muito rápido. As empresas, os cidadãos, todos precisam participar dessa construção. Não é algo inerente ao governo apenas. Como a gente usa nosso poder de compra na hora de enxergar nossa própria pegada de carbono? Qual é o meu impacto como ser humano, como cidadão? Esse exercício de uma cidadania mais consciente, e no âmbito organizacional de uma liderança mais consciente, é um exercício de apropriação de responsabilidade.

E como a ArcelorMittal está se comprometendo com essas mudanças? A indústria de aço sempre foi vista como uma indústria pesada, poluente, geradora de resíduos, exploradora de recursos minerais. Como é a siderúrgica do século 21?

A siderúrgica do século 21 trabalha o conceito de economia circular. E faz isso desde o próprio processo de produção, com o ferro velho, as fontes de energia renováveis. Mas principalmente com um papel de influência. A ArcelorMittal assumiu o compromisso de reduzir 35% das suas emissões até 2030, e isso tem uma influência muito grande no mercado. É um salto tecnológico pra chegar lá. Já existem tecnologias desenvolvidas, outras em desenvolvimento e ela lançou uma segunda meta que é ser carbono neutro em 2050. É uma meta também bastante ousada da indústria.

Dentro dessa missão de liderar o movimento sustentável e de descarbonização da indústria siderúrgica, a ArcelorMittal lançou o XCArb. São três linhas de atuação e uma delas tem US$ 100 milhões por ano de investimento em tecnologias para acelerar esse processo. São tecnologias que também atenderão a outras indústrias.

Esse é um exercício de criar futuro. Investir em startups e tecnologias de ponta que estão abrindo esses caminhos, sabendo que alguns desses investimentos podem não ter retorno.

Como é esse processo dentro da ArcelorMittal? São iniciativas internas de inovação aberta, projetos de intraempreendedorismo? Como funciona?

Um pouco de todos esses componentes. Em 2018 a ArcelorMittal lançou o Açolab, primeiro hub de inovação aberta da indústria mundial de aço. Hoje o Açolab trabalha em três grandes pilares. Um deles são os projetos de cocriação de soluções inovadoras, outro a cultura de inovação e aí entra o intraempreendedorismo, e o terceiro são as conexões de impacto.

Somos muito presentes em fóruns, congressos. Fizemos 10 mil conexões nesse período, entre ICTs (Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação), startups, pequenas e médias empresas. Fizemos 100 MVPs, dos quais 30 já estão em fase de roll out e os outros 70 não deram certo ou foram descartados nas fases de revalidação.

Nesse processo, é superimportante entender que cultura é tão importante quanto inovação. Temos três eixos: metodologia, estratégia e cultura. Um dos mecanismos é aprender com os erros. São várias iniciativas. Uma que eu gosto é o que chamamos de Falha Nossa, inspirada no movimento mundial Fuck Up Day. É um entendimento de que o erro faz parte. E que o erro, se acontece em pequena escala, é fonte de aprendizado para fazer algo melhor.

Isso parece simples, mas traz uma mudança de paradigma muito grande. Na siderúrgica, que é uma atividade que tem um risco muito alto, que se algo der errado alguém pode morrer, toda a história sempre foi de minimizar e de punir os erros.

“A cultura é tão importante quanto a inovação.

Uma iniciativa que eu gosto é o que chamamos de

Falha Nossa, um entendimento de que o erro faz parte.”

É daí que vem a ambidestria? Para conseguir fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Exatamente. Por isso que a gente fala e prega e pratica a ambidestria. A Diretoria de Futuro é justamente esse lugar, com times e células, que vai cuidando da criação do futuro enquanto outras áreas vão tocando o dia a dia. Temos o gerenciamento da rotina e aqui é o lugar de futuro, de novos negócios.

O Açolab é uma iniciativa permanente?

Permanente, desde 2018. São 15 pessoas. Mas é importante fazer uma distinção. A inovação não está numa área. A inovação está na empresa inteira. São 17 mil pessoas inovando. E o potencial inovador é imenso. O papel do Açolab é ser uma espécie de orquestrador de um hub que conecta tudo o que o ecossistema de inovação do Brasil tem para oferecer. Nós temos um pipeline de 20 mil startups muito boas.

E as estratégias ESG estão dentro da área de inovação?

O ESG norteia tudo. Nós temos a seguinte visão: não existe negócio com sustentabilidade, mas negócios sustentáveis. A sustentabilidade tem que estar dentro da essência, inerente ao negócio.

Os desafios de ESG são lançados via Açolab para adicionar todo esse ecossistema, seja numa linha de energias renováveis, seja numa linha de coprodutos. E também com centros de pesquisa, como o que temos com o Centro de Inovação e Tecnologia da Federação das Indústrias de Minas Gerais.

Que dica você daria pra um executivo se manter com um pensamento inovador? O que você faz pra se manter sempre ligada à inovação?

Eu sou uma pessoa muito curiosa, eu me considero uma eterna aprendiz. E acredito que essa busca tem que ser uma constante. As empresas morrem por dois motivos: ou por arrogância ou por miopia. E esse entendimento se faz necessário principalmente para as empresas que estão na liderança. O exercício da liderança é uma conquista permanente.

As empresas não morrem apenas por fazer coisas erradas. Também morrem por fazer o mesmo por um tempo longo demais, quando aquilo já não é mais relevante.

O sucesso é perigosíssimo. Dá uma falsa sensação de conforto. Não existe conforto na zona de crescimento, assim como não existe crescimento na zona de conforto.

O desconforto, desafiar o time, levar para outros lugares, para setores diferentes, é fundamental. O mundo não é mais linear. As fontes de aprendizado, as oportunidades e as ameaças estão em qualquer lugar.