“Não podemos mais crer que o líder tenha respostas para tudo"
O imperativo digital se impôs definitivamente no contexto da pandemia. O uso de tecnologias exponenciais como AI e machine learning está sendo acelerado e transformando negócios. Neste contexto, os dados mais do nunca têm um potencial de entrega de valor inestimável para clientes e empresas.
Em entrevista para o Experience Club, o presidente da Alelo, Cesario Nakamura, fala sobre o reposicionamento da companhia ao longo dos últimos anos, deixando de ser uma empresa de benefícios para uma companhia que acredita no poder da “inteligência que conecta pessoas e negócios”. “Estamos falando de dados, gerados a partir de milhões de transações, que nos apoiam no desenvolvimento de produtos e serviços para estabelecimentos comerciais, RHs, gestores de frotas, usuários dos cartões e até mesmo novas alternativas de negócio”.
Cesario falou ainda sobre o papel da humildade na liderança em um mundo cada vez mais complexo e de transformações exponenciais. “Não dá mais para seguir com a crença de que a liderança precisa ter respostas ou soluções para tudo. Mesmo os profissionais mais experientes precisam ter humildade no processo de aprendizagem e, por isso, nós da Alelo acreditamos muito na troca entre todos os colaboradores e usamos métodos como mentoria reversa, por exemplo.” Confira:
O imperativo digital se impôs definitivamente no contexto da pandemia. O uso de tecnologias exponenciais como IA, machine learning está sendo acelerado e transformando negócios. Como a Alelo vem se posicionando neste contexto?
Na Alelo, já estamos no processo de transformação digital e escalando isso há dois anos e meio. A pandemia também contribuiu para acelerar ainda mais o que já vínhamos desenvolvendo. O uso das ferramentas digitais se tornou exponencial com o distanciamento social. No início de março, ninguém poderia imaginar que em poucos dias estaríamos todos 100% em home office. Somos 800 funcionários trabalhando remotamente há seis meses, com excelente produtividade. Claro, cuidando sempre da saúde física e mental dos nossos times. Além da adoção de tecnologias para suportar essa nova realidade, também continuamos investindo em analytics, inteligência artificial e algoritmos para desenvolver os nossos negócios. Este é um processo contínuo de aprendizado. Com a LGPD entrando em vigor, temos o cuidado redobrado com a proteção das informações e dados de nossos clientes, fazendo isso de forma anonimizada. Afinal, o que nós buscamos é identificar novos padrões comportamentais. As ferramentas nos permitem fazer análise e o cruzamento de dados, melhorando desta maneira a assertividade de nossas ações comerciais e de marketing e, claro, evoluindo o mix de soluções que ofertamos.
Ainda no contexto da pandemia, quais foram as respostas imediatas da Alelo para consumidores, RHS e restaurantes?
Nossa primeira preocupação foi o cuidado com os nossos colaboradores. Já tínhamos o ‘anywhere office’ como prática. Então, em uma semana, todos os nossos funcionários estavam em home office. Enquanto isso, analisamos como poderíamos ajudar os nossos clientes (os usuários dos nossos produtos, as empresas e os RHs, os gestores de frotas e estabelecimentos comerciais). Ficou claro que estávamos lidando com uma mudança da realidade como a conhecíamos. Do ponto de vista dos portadores, como as pessoas passaram a ficar mais tempo em casa, houve a necessidade de colocarmos opções de delivery à disposição deles. O que fizemos então foi integrar os processos de utilização de nossos cartões em plataformas de delivery como iFood e Rappi. Alguns deles demandaram a transferência dos créditos do cartão refeição para o alimentação, o que fizemos rapidamente. Do ponto de vista dos estabelecimentos, vimos um impacto tremendo nos restaurantes, que foram seguramente os mais afetados. Para apoiá-los, nós criamos o site “Pede Aí com Alelo”, por meio do qual os restaurantes cadastrados podem divulgar seus serviços de delivery para os nossos portadores. Olhando para os RHs, a dificuldade foi lidar com a logística de entrega dos cartões, que normalmente é feita nos escritórios. Para resolver esta questão, passamos a fazer a entrega descentralizada, direcionando os cartões às residências dos funcionários.
[Para além das respostas rápidas aos clientes, Cesario destaca as ações da Alelo voltadas a minimizar os gargalos e problemas que atingiram toda a sociedade no contexto da pandemia. Um exemplo foi a parceria firmada com prefeituras e governos para distribuição de cartões com créditos para garantir às famílias dos estudantes a compra de alimentos no período em que as escolas permanecem fechadas – o cartão merenda]:
Nós temos um conjunto de informações super rico dos nossos 8 milhões de usuários e mais de 600 mil estabelecimentos comerciais, sejam supermercados, restaurantes, padarias, lanchonetes, farmácias e postos de combustíveis, onde os portadores dos nossos cartões fazem suas compras diariamente. Além das informações das empresas que contratam os nossos serviços. O dado é o nosso petróleo. A companhia vem ao longo dos últimos anos se reposicionando – de uma empresa conhecida pela oferta de seus benefícios para uma empresa de múltiplas soluções, que acredita no poder da “inteligência que conecta pessoas e negócios”. Esse é o nosso olhar e também o nosso posicionamento institucional. Estamos fundamentalmente falando de dados, gerados a partir de milhões de transações, que nos apoiam no aprimoramento e desenvolvimento de produtos e serviços para estabelecimentos comerciais, RHs, gestores de frotas, usuários dos cartões e até mesmo novas soluções que atendam mercados adjacentes aos que tradicionalmente atuamos. Usamos também as ferramentas de big data para segmentar as ações, levando em consideração os comportamentos dos clusters de clientes, suas diferentes jornadas, gerando mais valor e uma experiência cada vez melhor para todo mundo que compra, usa ou aceita Alelo. De novo, a nossa preocupação não é olhar para comportamentos individuais e sim de grupos. Tendo essas segmentações bem definidas, nós podemos investir em ativações para promover nossos produtos e serviços ou um estabelecimento comercial de maneira mais assertiva. Do ponto de vista do RH (são mais de 130 mil empresas contratantes), conseguimos prover informações sobre como os funcionários estão usando os benefícios, por exemplo, por meio de dashboards analíticos que ajudam na tomada de decisão. São informações que servem também para que os RHs consigam balizar se estão sendo competitivos em relação aos seus concorrentes.
Do outro lado, como os dados podem ajudar as empresas a entender melhor o perfil de seus consumidores e funcionários?
Nós temos um serviço que é um painel de RH customizado para cada empresa, que permite a elas terem um termômetro de sua competitividade em relação à sua região de atuação e ao seu setor. No caso dos estabelecimentos comerciais, com o uso de big data, é possível gerar tráfego. Sabemos que há um horário de pico nos restaurantes no horário do almoço e outros intervalos em que eles estão mais vazios. Então, consigo gerar ‘pushes’ para os usuários comunicando um desconto, um mimo, como uma sobremesa ou um café, para direcioná-los aos estabelecimentos nos horários menos concorridos. A ideia é usar o nosso banco de dados de maneira inteligente e estratégica, para gerar valor tanto para os estabelecimentos quanto para os usuários.
[O uso de big data também está sendo direcionado para fornecer dados para o mercado. Aqui, Cesario fala sobre a parceria firmada com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, a Fipe, para o desenvolvimento de índices de comportamento de consumo em restaurantes, o ICR, e supermercados, o ICS]:
Quando olhamos para a jornada do cliente, o que deve ser central?
Todas as áreas da Alelo estão trabalhando incessantemente para ajustar processos, projetos e gestão para que o foco seja cada vez mais dirigido ao cliente e sua melhor experiência. Proximidade, escuta ativa, agilidade e experimentação é o que está movendo nossos times e isso muda tudo para gente. O cliente, suas necessidades e seu tempo, precisam estar no centro das nossas decisões e isso está claro para nós. Com base em nossas melhores experiências, atestamos que processos construídos de dentro para fora não funcionam mais. E por isso, apostamos em processos de cocriação com os nossos clientes. Ou seja, não se trata de desenvolver um produto ou serviço e depois chamar o cliente para opinar e validar, mas sim envolvê-lo desde a concepção, teste de hipóteses e desenvolver em conjunto um MVP. A hora da verdade é sempre o lançamento ao mercado e o importante é estar disposto a aperfeiçoar continuamente um novo produto ou serviço, a partir do feedback dos consumidores. Se trata de realmente trazer as dores dos clientes para o foco da organização. É a partir daí que desenvolvemos as soluções. É uma mudança de mindset e eu diria que estamos evoluindo em uma jornada de aprendizado contínuo e cada dia mais consistente, que nos enche de orgulho.
Quais são as características do líder do século XXI? Na Alelo, vocês têm um programa de mentoria reversa. De que formas este tipo de iniciativa ajuda a formar lideranças horizontais e abertas?
Nós temos na Alelo, assim como em outras companhias, quatro gerações de profissionais com visões de mundo e perspectivas diferentes. Não dá mais para seguir com a crença de que a liderança precisa ter respostas ou soluções para tudo. Mesmo os profissionais mais experientes precisam ter humildade no processo de aprendizagem e, por isso, nós da Alelo acreditamos muito na troca entre todos os colaboradores e usamos métodos como mentoria reversa, por exemplo. O mundo está cada vez mais complexo, novas tecnologias estão surgindo, disrupções acontecendo em todos os setores. Se tem uma coisa que os jovens são capazes é de entender os novos cenários, absorver e adotar rapidamente as tecnologias emergentes. Quando consideramos esta perspectiva, nós, da liderança, entendemos que temos muito o que aprender com os jovens. Daí, surge a implementação da mentoria reversa. Começamos a pilotar e agora estamos fazendo o roll out do Unboxing – Programa de Jovens Mentores, com profissionais de até 24 anos. Eu participei do piloto com uma profissional de 23 anos da área de Recursos Humanos e posso dizer que foi uma experiência muito rica de troca e aprendizados no que se refere à visão de mundo, perspectivas e desenvolvimento de carreira, entre outros assuntos. Agora temos outros níveis de liderança participando do programa e o feedback tem sido muito positivo.
Qual é o novo papel do RH no contexto de alta performance?
Na Alelo, nós nem chamamos de RH. Temos uma Diretoria de Gente e Transformação. A Soraya Bahde, que é a nossa líder nesta área, prefere ainda chamar de Equipe de Gente e Transformação. Afinal, estamos falando em pessoas e não recursos. Fundamentalmente, a transformação digital está calcada na visão dos clientes e na cultura. Então, é preciso ter estímulos para que as pessoas adotem uma cultura de colaboração, com estruturas horizontalizadas, segurança psicológica, experimentação e tolerância ao erro. Essa jornada de transformação só vai acontecer na medida em que tivermos líderes que adotem essa cultura, que sejam capazes de valorizar o conflito de ideias. Estamos estimulando as equipes a terem uma visão crítica e abrindo espaços para debater os assuntos baseados em argumentos e dados. Também nos preocupamos em como os reconhecimentos são feitos, procurando ressaltar os times e não indivíduos e na forma como fazemos as avaliações. É um processo doloroso, muitas vezes as pessoas têm dificuldades em sair daquela estrutura de comando e controle para este novo formato de trabalho em squads. Mas, estamos evoluindo nisso.
Texto: Luana Dalmolin
Imagem: Reprodução
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