‘Alta performance com abraço’: a estratégia de marketing do Grupo Boticário
Monica Miglio Pedrosa
Criar vínculos emocionais com o consumidor é a essência da estratégia de marca do Grupo Boticário para fidelizar os clientes e ir além do marketing convencional. Reconhecida como a Profissional de Marketing de 2024 do Prêmio Caboré, Renata Gomide, VP de Marketing do Grupo Boticário, compartilhou sua visão estratégica para a marca — que vendeu R$ 30,8 bilhões em 2023 e registrou um crescimento de 30,5% no ano passado — durante a última edição do CMO Lunch de 2024, evento exclusivo do Experience Club, que recebeu cerca de 70 CMOs e líderes de marketing na sexta, 13 de dezembro, na Experience House, em São Paulo.
Ela abriu o evento apresentando a campanha de Natal deste ano, que mostra um almoço em família onde duas irmãs entram em conflito sobre o compartilhamento das responsabilidades no cuidado com a mãe idosa. O Grupo Boticário optou por investir em um tema sensível que permeia a dor de muitos brasileiros durante as festas natalinas e é um dos exemplos de campanha institucional que tem como objetivo se conectar emocionalmente com as inquietações dos consumidores, dando lugar de fala às pessoas. “Fizemos o filme para gerar reflexão, emocionar. Não cabia colocar entrega de presente de Natal no fim, como fazíamos todos os anos. O filme não exibe nenhum produto do Boticário”, contou.
Essa estratégia é a que vem sendo adotada pela marca, como na campanha “Tormenta”, que debateu o conflito entre mães e filhos adolescentes no Dia das Mães deste ano, e na campanha de Dia dos Pais, que falou de licença parental universal e da importância de ampliar os 5 dias de licença-paternidade nas empresas para 120 dias, prática obrigatória no Grupo Boticário. Com a primeira campanha, a empresa “nunca vendeu tanto em um Dia das Mães”, segundo Renata. A segunda foi premiada com o Bronze na categoria Glass em Cannes Lion 2024, que reconhece campanhas que promovem mudanças culturais significativas na sociedade. “A construção da marca vai muito além da venda do produto. Quando veiculamos um filme como o do Natal e começamos a receber o retorno de pessoas falando que se reconectaram com os irmãos, estamos entregando o objetivo da marca”, disse. “O mundo não é cor-de-rosa, não adianta fazer uma campanha linda se ela não toca as pessoas que estão vivendo uma dor, um dilema. Estamos trazendo verdade para as comunicações, com um olhar sempre otimista ao final, característica da marca.”
Renata contou que há dois anos uniu a área de mídia à área de CRM para intensificar o entendimento do consumidor em toda sua jornada. “Isso tem nos ajudado a olhar pela perspectiva de fora para dentro”, disse. A VP acredita que o consumidor não absorve mais campanhas que trazem temas definidos pela empresa e aposta no sentido inverso deste diálogo.
Para captar o que está na boca do consumidor, ela tem um time que faz social listening de forma ativa. Foi dessa maneira que a equipe de comunicação captou o trend para a ação que desenvolveu quando Madonna fez o show gratuito no Rio para 1 milhão de pessoas, em maio. Nas redes, se falava “Madonna, empresta sua casa, queremos ver seu show!” e esse foi o gatilho para a marca patrocinar um camarote na casa da socialite Narcisa Tamborindeguy, que recebeu cinco consumidores para assistir ao show da cantora com toda a comodidade. Eles vivenciaram a experiência em um ambiente que foi inspirado na linha Casa 214, divisão de perfumaria para casa lançada este ano pelo Boticário. Renata comemorou a ação, dizendo que, com um investimento muito menor do que o feito pelo banco patrocinador do show da cantora, a marca ‘pegou carona’ no assunto mais falado daquele momento.
Ela compartilhou outro exemplo de ação, dessa vez no TikTok. A equipe que faz o social listening para a marca buscava identificar gatilhos para a criação de produtos, com o olhar de estratégia de portfólio. Eles viram que o público tinha um alto interesse por um produto que tivesse o cheiro de melancia, fruta cujos atributos se conectam com os valores da Geração Z. A marca usou uma creator ‘viciada em melancia’ para liderar a ação e o conteúdo viralizou: mais de 1,5 milhão de visualizações em dezenas de vídeos organicamente publicados pela comunidade, com mais de 70% de menções à marca. Em apenas três meses foi lançada a linha Egeo Melancia, com cheiro inspirado na fruta.
“Esses exemplos mostram como funciona esse novo modelo de pensamento. Precisamos estar cada vez mais conectados com o consumidor, entendendo que não é mais uma conversa top-down, é uma estratégia que vem de fora para dentro”, concluiu.
Confira outros insights compartilhados por Renata Gomide no CMO Lunch:
Estratégia ESG:
“Algumas marcas estão desconstruindo suas áreas de ESG, deixando de colocar metas. Na nossa visão, se o ESG não está no core, não nasce junto com o negócio, existe um problema de sustentabilidade. No Grupo Boticário, buscamos o lucro, o crescimento, temos grandes ambições. Mas é preciso fazer o certo. Isso está na nossa essência.”
Growth e Marketing:
“Muitas marcas separam as áreas de growth e de marketing. Eu não entendo essa divisão, é como se marketing não fosse growth e growth não fosse marketing. Precisamos entender que é uma construção conjunta, as coisas não andam separadas. Marca forte vende. Temos uma mesa de performance que funciona como na Bolsa de Valores, monitorando a campanha. Se ela não está dando certo, trocamos o conteúdo. O jeito de fazer marketing hoje é completamente diferente do que fazíamos há cinco anos.”
Cultura corporativa:
“Tem uma pessoa que passou pelo marketing do Boticário e com um mês e meio de casa fizemos uma reunião juntos. Ela me disse que nesse período tentou entender a cultura da empresa. E falou algo que marcou demais: ‘o Grupo Boticário é alta performance com abraço’. Eu achei muito poderoso, porque é possível ter as duas coisas, alta performance e abraço. Abraço é cuidado com as pessoas. Nossas metas são double digit, mas temos preocupação com o cuidado, na mesma medida que temos com a performance. Isso retrata a potência e o sucesso do grupo.”
Licença parental universal:
“Temos um super orgulho de falar sobre licença parental universal. Os colaboradores que se tornam pais obrigatoriamente têm que sair quatro meses de licença e isso está sendo espetacular. Não perdemos competitividade de forma alguma. Pelo contrário, trouxe mais equidade e consciência para a empresa, não deixamos de vender menos por causa disso. Os pais voltam mais felizes e conseguem liderar melhor as mulheres, porque entendem a importância do cuidado.”
Investimento em diversidade:
“Criamos uma coleção de pincéis acessíveis para pessoas que têm algum tipo de deficiência e colocamos elas na capa da Vogue. São pessoas que querem ser representadas da melhor maneira possível, em sua melhor versão, não porque têm algum tipo de deficiência. As marcas precisam perceber que não tem uma só forma de falar de diversidade.”
O poder do intraempreendedorismo:
“Nem toda ação de comunicação vinda de social listening é super estruturada. Algumas não são e é ótimo que não sejam. No ano passado, tivemos um caso de uma mãe que perdeu o filho durante a pandemia de Covid. Ele adorava o perfume do Boticário que ela usava, dizia que tinha ‘cheiro de mãe’. Era um produto que havia saído de linha e alguém da família escreveu pra gente contando essa história e pedindo para o produto voltar. Uma pessoa do time de redes sociais viu, teve a iniciativa de levar para a área de P&D fazer o produto, falou com o Miguel [Krigsner, fundador do Boticário], que escreveu uma carta à mãe e enviamos o produto e a carta para a mãe. O empreendedorismo dos colaboradores é nossa grande vantagem competitiva. Pessoas engajadas com a marca, que entendem seu papel e são empreendedoras fazem coisas incríveis. É alta performance com abraço.”
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