Histórias da Vida

Angelo Canuto: do cárcere a empresário e gestor de atletas esportivos

Angelo Canuto, empresário da Elenko Sports

Monica Miglio Pedrosa

Ele passou 15 anos caminhando, de um lado para o outro, nos pátios de diferentes presídios, condenado por organização criminosa e tráfico de drogas, pensando em uma saída para o caminho de escolhas tortuosas que o levaram até ali. Foi dessa forma, andando em silêncio por longos minutos de um lado para o outro, que o agora empresário Angelo Canuto iniciou sua palestra de abertura no Fórum CEO Brasil, na noite dessa quinta-feira, 18 de setembro. Seu objetivo era fazer a plateia sentir, ainda que por instantes, a angústia que o acompanhou durante aqueles anos.

O começo da história de Angelo é similar à de milhares de crianças nascidas nas periferias. Filho de pai desconhecido, cresceu em meio à miséria e a situações muito duras para qualquer criança e adolescente. Sua mãe teve outros filhos, de pais diferentes, e eles precisaram viver a dor de entregar duas irmãs recém-nascidas a outras famílias, em um gesto desesperado diante da pobreza extrema. Seu porto seguro nessa época era a avó, que nunca deixou de estar presente, mesmo quando a mãe desaparecia.

Angelo, que era o primogênito, teve de assumir cedo o papel de “pai” da família, defendendo os irmãos na “quebrada”. O sonho de ser jogador de futebol não se concretizou. Era preciso vender doces nos trens para garantir a comida em casa, e ali competia com outros em igual miséria, que às vezes chegavam a roubar sua mercadoria para também sobreviver.

Ser homem na quebrada é outra parada. Porque o perigo te ronda toda hora. A traição te ronda toda hora.”

Foi nesse contexto que conheceu um homem que lhe ensinou o valor da palavra e de “ser homem”. Uma figura que se aproximava da ideia de pai, mas que era, na verdade, o traficante mais poderoso da favela. Ele lhe fez uma proposta, perguntou se ele aceitaria entrar para a polícia como caminho para enriquecer rapidamente. Em Guaianases, um dos bairros mais violentos de São Paulo, a promessa parecia a única saída e Angelo aceitou a oferta.

Na primeira tentativa de ingressar na Polícia Militar, foi aprovado na concorrida prova, mas reprovado no exame médico por causa de um desvio de septo, resultado das muitas brigas de rua em que se envolvia para proteger irmãos e amigos. Ele arrumou um emprego de carteira assinada como auxiliar de expedição em uma empresa de tecelagem. Assim que passou o período de experiência e ele teve direito a usar o plano de saúde, realizou a cirurgia corretiva. Quando voltou a prestar o concurso, não apenas passou como ficou em segundo lugar. “Eu não sei fazer nada pequeno”, costuma dizer.

O desempenho lhe deu a possibilidade de escolher onde servir. Poderia ter seguido para o 1º Batalhão, o da Rota, unidade tática de elite da Polícia Militar em São Paulo, mas foi para o 2º, pois seria mais fácil servir ao crime de lá. “Eu ganhava R$ 450 de salário em 1993. Se levava um ‘pacote’ no carro, ganhava R$ 8 mil. Se fosse até a Baixada Santista, R$ 30 mil. Quanto eu teria de trabalhar na polícia para ganhar isso?”

Aprendi a ser ruim na polícia, com o sistema. E aprendi a ser bom na cadeia.”

Foi na polícia que Angelo diz ter aprendido a ser ruim. Foi testemunha de execuções a sangue frio feita por policiais e tinha que manter o silêncio, pois o lema era: “o que acontece na viatura, fica na viatura”. Nessa trajetória errática na polícia, trabalhando para o crime organizado, Canuto acabou preso. Encarcerado, experimentou o peso do estigma, o sentimento de culpa e a consciência de que precisava mudar.

Para extravasar seus sentimentos na cadeia, escreveu 32 capítulos de seu primeiro livro, Extracampo – Na ótica do cárcere. A escrita, se tornou uma ferramenta de resgate, primeiro de si mesmo, depois de outros. Fez faculdade de Administração de Empresas e depois migrou para um presídio especial. “No presídio comum, 90% da população é negra. No especial, 90% são brancos”, contou, denunciando como a desigualdade de renda reflete também a exclusão racial. Nesse período, a visita da esposa Patrícia, namorada da adolescência, e da filha, Brenda, eram o único olhar amoroso que recebia.

Malandro também chora, também sente dor, também tem família.”

Depois de cumprir a pena, o livro abriu portas. Angelo foi convidado a dar palestras em universidades, até que Guilherme Miranda, um dos sócios da Elenko Sports, enxergou seu potencial e o levou a trabalhar como gestor de carreira de atletas de futebol. “Guilherme é o homem da bifurcação da minha vida”, disse Canuto. A Netflix o convidou para atuar na série “DNA do Crime”.

Fé sem ação é Ferrari sem combustível, não te leva a lugar nenhum.”

Hoje, além de palestrante e empresário, ele defende a criação de oportunidades reais para ex-presidiários, que frequentemente são ignorados pelo poder público e acabam reincidindo no crime. “Tenho um projeto de transformar o prédio da antiga FEBEM em um grande centro de qualificação profissional para ex-sentenciados.” Para quem não sabe fazer nada pequeno, é bem provável que vejamos mais esse sonho se tornar realidade.

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