“As aquisições estão só começando”, diz CEO da Serasa Experian
Françoise Terzian
Paulista de Osvaldo Cruz, Valdemir Bertolo, 61 anos, assumiu a posição de CEO da Serasa Experian em um ano ingrato – em janeiro de 2020 foi convidado a comandar a companhia que ficou nacionalmente conhecida por produzir indicadores econômicos de referência para o ambiente de negócios nacional. Em outras palavras, o nome Serasa virou termômetro para o comércio, a indústria e o setor de serviços. Dois meses após sentar-se na cadeira mais importante da datatech, a OMS (Organização Mundial da Saúde) caracterizava a Covid-19 como pandemia.
Foi então que o executivo formado em Administração de Empresas e Contabilidade, anteriormente CFO da Serasa e COO da Experian para a América Latina, teve que combinar as melhores habilidades de seus mais de 30 anos de mercado à perspicácia de um bom velejador (seu hobby). Preparação, equilíbrio e ajustes constantes das velas, as principais características de um velejador, o ajudaram a passar pelo furacão da Covid-19.
E diferentemente do que a maioria poderia pensar, essa fase não foi traumática para Bertolo. Pelo contrário. Sua missão principal, que é democratizar o acesso ao crédito no Brasil, segue de vento em popa e, para isso, muita vela teve que ser ajustada. “Foram anos extraordinários. A gente conseguiu entregar resultados legais e ter uma empresa reconhecida no Brasil e globalmente.” Como ele gosta de elencar, a Serasa Experian posiciona-se hoje entre as melhores empresas para se trabalhar, para as mulheres trabalharem, para iniciar a carreira, para a diversidade e inclusão e também para profissionais com algum tipo de deficiência, muito além do cumprimento das cotas.
O olhar de Bertolo não é só para dentro de casa, mas também para fora. Em quase uma hora de entrevista à [EXP], o CEO da Serasa Experian tem se revelado um grande estrategista. De janeiro de 2021 até agora, já investiu em nove negócios. A última cartada foi a compra da AllowMe, por US$ 45 milhões, da Embraer. O negócio é focado na análise de riscos de dispositivos (móveis e de desktops) para detectar comportamentos suspeitos.
[EXP] – Como tem sido o desempenho da Serasa em 2023?
Valdemir Bertolo – O nosso primeiro trimestre foi muito bem. O segundo a gente executou bem, mas sentiu o ambiente um pouco mais difícil. A inadimplência subiu demais, as incertezas em relação às políticas governamentais e toda aquela questão sobre o arcabouço fiscal, a questão tributária e, obviamente, nesse ambiente, em geral, as empresas ficaram mais conservadores. Sentimos uma retração no mercado e uma diminuição no número de consultas/dia, mas no geral nosso ano está indo muito bem comparativamente aos resultados dos concorrentes. Tem que executar, executar e executar.
Com certeza será um ano de crescimento. Talvez um pouco menor do que tivemos no ano passado – a América Latina, cujo principal mercado é o Brasil, avançou 18% em 2022.
Como a Serasa tem enfrentado a crise econômica que abalou o mundo (e o Brasil) da pandemia para cá?
Ao longo de todos os anos, a gente desenvolveu um business que é bastante resiliente às questões macroeconômicas. E como a gente faz isso? A gente tem um portfólio que é cíclico e a gente tem um portfólio que é contra-cíclico. Quando a economia vai bem, a gente tem produtos que auxiliam nossos clientes a ampliar suas bases de clientes e a vender mais. E quando as coisas começam a ter maior dificuldade, a gente tem produtos contra-cíclicos, ajudando na recuperação de dívidas, ajudando na recuperação ou na prevenção à fraude. Então esses portfólios foram um grande ecossistema.
O serviço ao consumidor está crescendo mais. A gente tem acelerado muito os produtos e serviços que se conectam diretamente com eles. Hoje temos mais de 83 milhões de consumidores que se conectam à nossa plataforma Serasa Consumidor, onde é oferecida uma gama muito grande de serviços. Tudo ali é gratuito, com exceção do monitoramento do CPF que é um serviço premium e é pago. Monitorando o CPF você é informado imediatamente se uma empresa consultou seu nome ou se eventualmente tem uma dívida em atraso e pode ser negativado. Já na plataforma B2B temos produtos de prevenção à fraude, que é outra avenida que está crescendo bastante.
Qual é o carro-chefe da Serasa hoje?
O carro-chefe continua sendo toda parte de concessão de crédito, com os scores e relatórios de crédito. Esses ainda são os mais vendidos e que geram a maior parte da receita. Mas todos os outros produtos estão crescendo bastante. Por exemplo, os produtos destinados à agricultura, ao ciclo de concessão de crédito na agricultura.
Quais os próximos passos da Serasa em relação ao setor de agro?
A gente quer ser tão relevante no setor agrícola, no crédito agrícola, como a gente é no crédito mercantil. No Brasil é difícil uma transação de crédito que não passe por uma avaliação de risco pela Serasa. Queremos ter a mesma presença no setor agrícola. O setor agrícola é mais peculiar porque tem informações muito próprias, então desenvolvemos um score específico para o ESG para poder dar aos grandes bancos públicos e privados e às cooperativas de crédito uma visão completa do produtor. Se ele está produzindo eventualmente em área de floresta que ele não deveria, área protegida ambientalmente, área indígena, se tem questões de trabalho análogo à escravidão. Tudo que tem a ver com os requerimentos da União Europeia estamos colocando para esses concessores de crédito. A gente tem, por exemplo, um mapeamento aéreo das propriedades.
Hoje esse setor é bem abastecido? O que falta para melhorar?
Falta muita informação. É um setor carente de informações. O produtor tem muito mais predisposição de investir na produção agrícola. Quando se fala na parte administrativa e gestão financeira, ele ainda é um pouco menos sofisticado. Tem muito espaço para ampliar a gama de serviços para ele se proteger melhor de riscos tanto na produção quanto na venda do produto. A concessão de crédito para o setor agrícola é muito concentrada ainda nos grandes produtores rurais. Os pequenos e médios têm muita dificuldade de ter acesso a crédito e a crédito mais barato.
Quando vocês decidiram acelerar o processo de aquisição de empresas?
Em 2020 eu coloquei mais ênfase nessa estratégia de diversificar o portfólio. Ela vem acompanhada de uma lógica estratégica na questão da prevenção à fraude, uma vertical muito importante para nós. Desde então, a primeira aquisição foi em janeiro de 2021. Já são sete aquisições integrais, duas venture capital e um recém-anunciado acordo de compra.
Nessa última compra da AllowMe, o valor da aquisição foi de US$ 45 milhões. Qual o valor aportado nas nove empresas?
Não abrimos. Da Embraer a gente abriu por ser uma empresa pública que teve que divulgar.
As aquisições pararam por aí?
Não, a gente está só começando.
E qual o objetivo?
Todas as aquisições têm uma complementaridade para as nossas capacidades. Por exemplo, a AllowMe tem uma tecnologia muito interessante de identificação do device que está sendo utilizado. Isso nós tínhamos, mas não era tão robusto. Com essa aquisição, nossa oferta de prevenção à fraude fica muito mais robusta e atrativa para os nossos clientes. E o mais importante: há muitas ferramentas de prevenção à fraude que impactam muito a jornada do consumidor e tornam a experiência de compra ruim, sem conseguir completar por conta da avaliação de ferramentas de prevenção à fraude ou de sua capacidade financeira. Isso tudo tem que ser feito em milissegundos e de forma imperceptível. Tentamos tirar toda fricção na jornada de compra para o cliente nem perceber que houve essa avaliação.
Sobre o crescimento inorgânico, o negócio de vocês é comprar inteligência e tecnologia?
É mais ou menos esse olhar. Eu tenho capacidade de desenvolver uma tecnologia, mas isso vai demorar bastante tempo e obviamente todo o desenvolvimento de tecnologia tem um processo de amadurecimento. Então eu busco empresas e tecnologia com um grau de maturidade, de aceitação e aí a gente já incorpora e ganha alguns anos de desenvolvimento. Outra coisa importante nas aquisições é a massa crítica que vem com ela. Por exemplo, a aquisição da Agrosatélite (empresa catarinense de monitoramento de florestas e fazendas), a tecnologia em si já é bastante conhecida, mas você tem todas as imagens já capturadas. É um negócio de muito trabalho e demora anos para construir essa base de dados.
Quantos clientes PJ a Serasa tem hoje?
Diretos e indiretos são cerca de 350 mil clientes PJ no Brasil.
Quais os cuidados para tratar da questão da segurança na Serasa?
Dia enoite é uma preocupação constante. Se o impacto de qualquer tipo de transtorno envolvendo dados é significativo para qualquer empresa, para nós é muito mais. Até pela nossa posição no mercado, pela amplitude e penetração da nossa marca. Qualquer matéria que envolve a Serasa acaba tendo uma repercussão instantânea. Investimos constantemente nas melhores tecnologias e nas melhores pessoas para operar essas tecnologias. Obviamente, estamos sempre investindo e usando as melhores tecnologias. Mas, novamente, a tecnologia sozinha não resolve o problema. O que resolve realmente é gente capacitada para extrair o máximo dessas ferramentas. No Brasil e fora do Brasil, temos uma rede de funcionários que fazem o trabalho de segurança da informação.
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