Debate sobre lideranças negras avança em companhias aberta
B3 adere ao Pacto de Promoção da Equidade Racial com o objetivo de incentivar outras empresas a adotarem ações afirmativas
Os números disponíveis sobre diversidade no meio corporativo brasileiro não deixam dúvidas. O Brasil é um país com uma população formada majoritariamente por negros (56%), mas apenas 30% dos cargos de liderança em empresas são ocupados por pretos ou pardos. Quando mais se sobe na hierarquia, menores são os percentuais.
Só 4,7% dos CEOs das 500 maiores empresas brasileiras são negros. Entre os CEOs das 70 companhias que compõem o Ibovespa, o principal índice de ações da Bolsa de Valores brasileira, não há nenhum, segundo um levantamento realizado pelo jornal Valor Econômico, no início de 2020.
A boa notícia, porém, é que o debate sobre o tema está avançando mais rápido na elite empresarial brasileira. Na semana passada, por exemplo, a B3 anunciou a adesão ao Pacto de Promoção da Equidade Racial. O objetivo, segundo a Bolsa, é incentivar outras empresas a adotarem ações afirmativas que aumentem a diversidade no meio corporativo.
Idealizado pelo empresário Jair Ribeiro, presidente da Parceiros da Educação, o Pacto de Promoção da Equidade Racial é uma associação sem fins lucrativos formada por mais de 140 pessoas. Entre elas, há representantes da comunidade negra, especialistas financeiros e em ESG, acadêmicos, pesquisadores, empresários, profissionais do terceiro setor e líderes de ONGs e outras entidades envolvidas com o tema.
Padrões de referência
Com a adesão ao pacto, a B3 adere também ao Protocolo ESG Racial no Brasil e ao Índice de Equidade Racial (IEER). O protocolo é um conjunto de propostas voltadas a garantir a equidade racial nas empresas, à promoção de ações afirmativas e investimentos de suporte à educação pública e à formação de profissionais negros.
Já o Índice ESG, calculado pelas empresas quando aderem ao Pacto, é uma ferramenta para avaliar o grau de equidade racial dentro das organizações. Foi desenvolvido por matemáticos do Insper, que criaram um algoritmo para avaliar o número de empregados negros na empresa – com maior peso à participação em cargos de liderança –; a adoção de ações afirmativas no recrutamento, a permanência e promoção de profissionais negros; e os investimentos sociais voltados à equidade racial. É uma adaptação do Protocolo ESG para a realidade racial brasileira, muito diferente da da maioria dos países desenvolvidos.
“O índice foi uma resposta à inquietação de como podíamos medir o grau de equidade racial nas empresas e, mais do que isso, sua evolução ao longo do tempo, estimulando o incremento de políticas de desigualdade racial nas organizações”, explica Theo van der Loo, ex-CEO da Bayer no Brasil, fundador e CEO da NatuScience e co-executivo associado do Pacto. “Com o apoio da B3, queremos estimular a inclusão deste índice nos relatórios anuais das empresas”.
Primeiras iniciativas
Empresas como iFood e Gerdau já aderiram ao Pacto e se comprometeram a calcular seus índices ESG. Com o diagnóstico, as organizações podem aumentar a adoção de ações afirmativas e realizar investimentos em equidade racial dentro dos parâmetros do programa.
Gabriel Milanez, doutorando em Sociologia na USP, que pesquisa ações afirmativas em empresas privadas, já reuniu informaçõe sobre ao menos 25 grandes companhias com ações afirmativas voltadas a ampliação da participação de negros no mercado corporativo. É uma lista que inclui nomes como DOW, GM, L’Oreal, GM e O Boticário, entre outras.
Do total, ao menos duas, L’Oreal e O Boticário, realizaram neste ano programas de trainees com cota de 50% para negros. A PepsiCo não estabeleceu cota, mas estipulou uma meta. Idealmente, “gostaria” de contratar ao menos 80% de negros. Dow, GM, Carrefour, Folha de S.Paulo, YduQs tiveram programas esclusivos para negros, em 2021.
Outras empresas, como Bank Of America, TIM, Mondelez, Falconi, Aqua Capital e Abbot não reservaram vagas em programas de trainne para pretos ou pardos. Mas trabalharam com programas de estágio voltados parcial ou integralmente a jovens negros. Algumas companhias, como Carrefour e O Boticário, trabalharam a inclusão em ambas as frentes.
São exemplos de ações estruturadas. Mas, de acordo com Milanez, há também iniciativas difusas em curso. “Muitas empresas tem feito recrutamento de vagas específicas, e colocam como pré-requisito ser negro”, afirma o pesquisador. “É nesse circuito que também começam a entrar consultorias”.
Um exemplo de empresa que vêm adotando essa forma de trabalhar é o NuBank. A empresa estabeleceu como meta ter 30% dos funcionários e 22% dos cargos de liderança ocupados por negros, até 2025 — a política foi estabelecida depois de Cristina Junqueira, sócia fundadora, receber críticas por declarar no Roda Viva que a empresa não tínha políticas de inclusão para não “nivelar por baixo” e pedir desculpas publicamente.
Estrada longa
Apesar do avanço no debate, o caminho da inclusão ainda deve ser longo e cheio de altos e baixos. De acordo com a edição mais recente do Índice de Equidade Racial Empresarial (IERE), o número de executivos negros em conselhos de administração no Brasil caiu em 2021, em relação a 2020. O percentual era de 6,6% em, agora, é de 4,1%. Quando o gênero dos executivos é considerado, a presença no topo da pirâmide é ainda menor. Entre as 500 maiores empresas brasileiras, apenas 0,4% dos cargos executivos são ocupados por mulheres negras.
Trata-se de uma realidade que, para além do debate, muito necessário, ainda vai demandar muita ação.
Texto: Monica Miglio Pedrosa
Foto: divulgação B3
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