Certificação B diferencia empresas na era do ESG
Por Monica Miglio Pedrosa
Criado há 17 anos pelos americanos Bart Houlahan e Jay Coen Gilbert, empresários e empreendedores, fundadores da marca esportiva AND1, e por Andrew Kassoy, que se uniu a eles após trabalhar em Wall Street, o B Lab é uma rede mundial que promove a conscientização das empresas na adoção de práticas mais sustentáveis, aliando o lucro ao impacto social e ambiental dos negócios. Na América Latina, o B Lab chegou em 2011 ao Chile e à Argentina, com o nome de Sistema B. O Brasil se integrou ao grupo dois anos depois, em 2013.
Além de definir padrões, políticas e ferramentas para as empresas avaliarem os impactos de seus negócios segundo os padrões ESG (no âmbito social, ambiental e de governança corporativa), o B Lab desenvolveu a Certificação B, uma espécie de selo que garante altos padrões de transparência, responsabilidade e desempenho financeiro.
Para obter a certificação, as empresas passam por um extenso processo de avaliação e auditoria, que pode levar até um ano, dependendo do porte da companhia, e se comprometem a fazer um plano de desenvolvimento contínuo, que sai da lógica de mitigação de impacto negativo para a geração de impacto positivo.
Hoje, são 7 mil empresas B Corp, como são conhecidas as certificadas, em 91 países e 161 indústrias, empregando 620 mil pessoas. A pressão da sociedade, dos investidores e do mercado por práticas mais sustentáveis, impulsionada pelo ESG, aumentou a busca pela certificação B. Quase 5 mil das 7 mil empresas certificadas (70% do total) obtiveram o selo nos últimos dois anos.
No Brasil, são pouco mais de 300 certificadas com sede no país e 400 no total, entre elas a Natura, maior empresa B certificada do mundo, a Gerdau Summit, Hering, Nespresso, Arezzo, Danone, Clearsale e Copastur [confira a lista completa de empresas brasileiras certificadas aqui].
O objetivo dos fundadores é incutir um novo modelo de negócios com fins lucrativos e mudar sua definição de sucesso para além do retorno aos acionistas, trazendo benefícios para a sociedade e o meio ambiente. Hoje, mais de 150 mil empresas no mundo, 10 mil delas no Brasil, utilizam a ferramenta de Assessment do B Lab, conhecida como BIA (B Impact Assessment), para gerenciar sua evolução nesse processo.
“Empresas B são empresas que buscam ser melhor PARA
o mundo e não apenas as melhores DO mundo.”
[Sistema B do Brasil]
Engenheiro agrônomo de formação, brasiliense, pai de duas filhas, a Rafa de 9 e a Gabi de 4, Rodrigo Gaspar se aproximou do Sistema B Brasil em 2017. Em 2019 tornou-se multiplicador, representante local do B Lab, foi líder de uma comunidade B local, aplicou programas corporativos, assumiu a posição de coordenador de especialistas e gerente de programas até chegar à posição de Diretor de Novos Negócios na empresa.
Ironicamente, no início da carreira Rodrigo trabalhou na Cargill, maior exportadora de soja do mundo. “Acompanhei de perto a expansão da produção de grãos que, na época, não tinha nenhuma preocupação com o impacto social e ambiental. O mercado de crédito de carbono começou há cerca de 15 anos no hemisfério norte, é um tema muito novo. Mas fiz uma transição de carreira há seis anos e hoje brinco que estou no lado B da força”, conta.
Hoje, Rodrigo é especialista em Estratégias de Impacto Social pela Universidade da Pensilvânia, e facilitador de metodologias como Comunicação Não Violenta, Teoria U e Disciplina Positiva, liderando dois projetos de impacto, Speak to Share – hub de conhecimento de inclusão e diversidade – e Instituto Pai por Inteiro, que ressignifica o papel do pai na construção da inteligência emocional das crianças.
[Leia a entrevista completa aqui]
Case da Natura, a maior empresa B corp do mundo
Fundada em 1960, a multinacional brasileira de cosméticos e cuidados pessoais é líder em venda direta no Brasil e pioneira no modelo de negócios sustentável que promove a conservação da sociobiodiversidade amazônica. É carbono neutro desde 2007 e obteve a primeira certificação B em 2014 – em 2003 segue para a terceira certificação, já que a renovação é feita a cada 3 anos. Não faz testes em animais e é 95% vegana.
“Para cada R$ 1 de receita, a Natura gerou
R$ 2,7 de impacto socioambiental positivo.”
[Relatório Integrado Natura & Co]
A Natura utiliza a metodologia Integrated Profit & Loss (IP&L), que monetiza os impactos da empresa na economia, no meio ambiente e na sociedade. Em 2022, a empresa gerou um impacto líquido positivo de R$ 34,2 bilhões para a sociedade. Os cálculos demonstram que para cada R$ 1 em receita gerada pela companhia, R$ 2,7 são gerados em impacto socioambiental positivo. Em bases comparáveis, esse resultado foi impulsionado pela evolução da renda das consultoras, principalmente no Brasil, pelo pagamento de impostos e pelo fornecimento de matérias-primas.
Práticas de negócio:
– Para maximizar os impactos positivos e mitigar os negativos a empresa busca a inovação, circularidade e soluções regenerativas, mantendo a neutralidade de emissões de carbono e caminhando rumo ao Net Zero;
– Aumento contínuo do uso de materiais renováveis e reciclados nas embalagens;
– Amazônia representa a principal plataforma de inovação da empresa e, por meio dela, amplia o investimento na conservação e na regeneração da biodiversidade;
– Compromisso de respeitar os direitos humanos e promovê-lo em toda a cadeia de valor. Por meio do Instituto Natura e Instituto e Fundação Avon, impulsionam o acesso à educação, combatem a violência contra mulheres e meninas e apoiam a luta contra o câncer de mama.
Investidores:
– Ebitda de R$ 1,9 bilhões e receita líquida de R$ 22 bilhões em 2022.
– Na holding Natura&Co. US$74,8 milhões foram investidos nas principais causas do Grupo e US$ 13,5 milhões no desenvolvimento de soluções regenerativas.
Consumidores finais:
– Alta capilaridade e presença das marcas por meio de uma estratégia de vendas e experiência digital;
– Acesso a produtos de qualidade e sustentáveis, expressão das causas e compromissos das marcas Natura &Co, que fomentam hábitos de bem-estar e responsáveis com o planeta.
Colaboradores:
– Construção de um time cada vez mais diverso e de um ambiente inclusivo, com remuneração digna e equitativa entre gêneros e raças e foco em bem-estar;
– 95% dos colaboradores atingem o living wage (salário digno) ou acima dele. Valor estabelece o mínimo para necessidades básicas de uma família;
– 51,8% da alta liderança formada por mulheres.
Consultoras e representantes:
– Formação de um ecossistema que favorece o empreendedorismo e a geração de renda a partir de um modelo justo e confiável, de independência financeira e de apoio às causas que melhorem a qualidade de vida das mulheres.
Fornecedores:
– Por meio do Programa Embrace, a Natura desenvolve a própria cadeia de suprimentos, além de mobilizar práticas sustentáveis;
– Relacionamento baseado na Declaração de Direitos Humanos do Grupo e na evolução para a certificação e/ou rastreabilidade integral das cadeias críticas.
Comunidades fornecedoras e de relacionamento:
– Acesso à renda por meio do relacionamento e comércio justo de bioingredientes com cooperativas e pequenos produtores que incentivam a manutenção da floresta de pé;
– Apoio ao desenvolvimento de infraestrutura local, acesso a serviços e direitos básicos. Em 2022, foram compartilhados R$ 45.713 milhões (de recurso diretos) para 48 comunidades.
[Fonte: Relatório Integrado Natura & Co 2022]
Entrevista com a Plano CDE, primeira certificada no Brasil
Empresa de pesquisa e consultoria de avaliação de impacto especializada nas famílias das classes CDE no Brasil, a Plano CDE foi fundada em 2009 e tem clientes como a Fundação Roberto Marinho, o Itaú Social, o Instituto Brasil Solidário, a Natura, Gerdau, Heineken, entre outras.
“De 7 anos para cá estamos sendo muito procurados para avaliar projetos voltados ao S, de Social, do ESG, com o objetivo de criar indicadores mensuráveis que podem ser monitorados”, conta Maurício Prado, diretor executivo da Plano CDE, em entrevista à [EXP]. Primeira empresa a ser certificada pelo Sistema B do Brasil, em 2013, a Plano CDE está em sua terceira certificação e acompanhou de perto a evolução do Sistema B no país.
“A valorização do certificado aumentou muito
nos últimos dois anos, é um diferencial competitivo
para nosso negócio”
[Maurício Prado – Diretor Executivo da Plano CDE]
[EXP] Maurício, qual sua percepção do processo, desde a primeira certificação?
Maurício Prado – Entrei em 2014, um pouco depois do processo de certificação ter sido concluído, e tenho acompanhado de perto a evolução. No início havia muitas reuniões longas para apuração das respostas sobre cada um dos pontos da avaliação e hoje o processo está muito mais automatizado. O sistema ficou mais fácil de ser preenchido e mais inteligente para as duas partes.
Como sua empresa se beneficia do processo?
Tem uma coisa bem bacana de aprendizado, onde eles indicam como podemos melhorar em transparência, em governança, em equidade, em diversos critérios. Também somos comparados com a média das empresas do setor, o que nos dá uma ideia de onde ainda podemos melhorar. Hoje, 90% do que eu faço é avaliação de impacto, temos buscado mais clientes de impacto social e menos de marketing e negócios tradicional, uma mudança também impulsionada pelo processo.
Que pontos de melhoria você vê?
Algumas perguntas não são tão aplicáveis para empresas menores, como no nosso caso, em que trabalhamos home office e neutralizar nossa pegada de carbono tem baixo impacto, por exemplo. Nossa possibilidade de atuação em questões ambientais é mais restrita. Em equidade, iniciamos um programa de estágios afirmativo e trouxemos duas novas pessoas para o time. Tem alguns desafios, como a criação de processos e documentação que fazem mais sentido em estruturas maiores, mas que não são tão prioritárias para empresas pequenas, que precisam dedicar mais tempo ao negócio do que a questões mais burocráticas, a meu ver.
Ser uma empresa B certificada agrega à marca?
Confesso que estou impressionado com o crescimento do Sistema B, como vimos tudo do início, jamais pensamos que aquele sonho, que parecia até uma utopia, chegaria a 300 empresas e a marcas potentes como a Natura. Ter o certificado está cada vez mais valorizado, em especial nos últimos dois anos. Uma coisa que acho que poderia agregar mais valor às empresas B certificadas é aumentar a troca entre elas, é um potencial ainda pouco explorado.
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