ESG

Conta Black: R$ 100 milhões para crédito a empreendedores negros

Por Monica Miglio Pedrosa

Um fundo que já nasceu ESG. É assim que Fernanda Ribeiro, CEO e cofundadora da Conta Black resume o fundo que lançou em Nova York, em parceria com a Genial Investimentos, com o objetivo de aumentar o acesso ao crédito de empreendedores negros e periféricos. “Vamos personalizar uma ferramenta de análise de crédito com a plataforma Gyra+ que se adeque à realidade e especificidades de nossos clientes. Hoje, a maioria dos birôs de crédito faz a análise de uma maneira pregressa e não futura”, explica. O lançamento do fundo foi feito no “SDG´s in Brazil”, evento promovido em setembro pelo Pacto Global da ONU no Brasil em Nova York, que debate o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG em inglês) ligados à Agenda 2030.

Criada em 2017, a Conta Black nasceu para resolver um problema de mercado. “O empreendedor negro tem o crédito negado quatro vezes mais do que um empreendedor branco, nas mesmas condições”, revela Fernanda. Foi justamente o fato de seu sócio e cofundador da Conta Black Sérgio All ter passado por essa experiência com sua agência de publicidade o estopim para a criação da empresa, alguns anos depois.

Fernanda, que é também presidente da associação AfroBusiness Brasil, que capacita e conecta empreendedores negros para gerar negócios entre eles, brinca que “hackeia” o sistema desde que nasceu. A mãe ficou grávida dela aos 47 anos, usando DIU. Turismóloga, resolveu deixar o mercado corporativo e empreender após sofrer um burnout. “Trabalhava de 14 a 18 horas por dia. À medida que ascendia na carreira, ia me aproximando do próximo não. Cada vez menos via pessoas parecidas comigo.”

Nessa entrevista à [EXP], após sua apresentação no Fórum CEO Brasil (disponível na íntegra na área de vídeos do site), Fernanda explicou os critérios de seleção dos negócios que receberão crédito do fundo, falou sobre a necessidade de intencionalidade para gerar transformação social e sobre a importância da parceria com empresas que tenham interesse em desenvolver relações com empreendedores negros de sua cadeia de valor e gerar impacto social nos negócios.

[EXP] Fernanda, durante sua palestra você contou que o empreendedor negro tem o crédito negado quatro vezes mais que o branco nas mesmas condições. De certa forma esse foi o motivo da criação da Conta Black. Como foi o início da empresa?

Fernanda – Exato, meu sócio, Sérgio [All], teve o crédito negado para seu negócio, mesmo com o nome limpo e sem nenhuma restrição. Percebemos que esse era um problema não só dele, mas de toda a população negra. A Conta Black nasceu com investimento próprio nosso e a jornada também passou por esse mesmo desafio de captação. Começamos como um arranjo de pagamento, com oferta de cartão pré-pago recarregável. Em 2019, após receber um capital de investimento anjo, conseguimos desenvolver nosso aplicativo e aí efetivamente trazer uma experiência bancária para nossos clientes, com conta digital, produtos de pagamento, investimento e seguros.

Qual é o diferencial dos produtos da Conta Black?

Tudo o que oferecemos tem esse olhar para a especificidade. Vou dar um exemplo simples: nosso investimento começa a partir de R$ 10. Quando falamos em intencionalidade é exatamente sobre isso, nosso DNA tem essa necessidade de gerar transformação social, construir um futuro de forma colaborativa.

Qual é o perfil dos clientes?

Atendemos tanto pessoa física como jurídica. A população preta é extremamente empreendedora, mas isso nem sempre reflete na forma que ela se enxerga. Temos muitos empreendedores cadastrados como pessoa física, por exemplo, mas, ao observarmos a movimentação bancária, percebemos que trata-se de uma conta de pessoa jurídica. Temos clientes em todo o Brasil, a maior parte são mulheres, o que é um reflexo da composição da sociedade brasileira: 51% dos micro e pequeno empreendedores são negros e, no recorte de gênero, mais de 60% do sexo feminino.

Com relação ao fundo anunciado em setembro, em parceria com a Genial Investimentos, que critérios os negócios precisarão atender para receber crédito da Conta Black?

É importante lembrar que já rodamos alguns produtos de crédito com pequenos grupos, em uma perspectiva de MVP, para validar e gerar uma solução que de fato atenda esse empreendedor preto. Ao anunciar esse fundo em Nova York, queremos atingir negócios que tenham algumas particularidades e a primeira delas é acesso a educação financeira: 70% das pessoas economicamente ativas estão em processo de endividamento e, quando olhamos o recorte por raça, vemos que a maioria são pessoas pretas. Temos um problema geral de educação no país que agrava o quadro, muitos se formam no ensino médio e não sabem fazer as quatro operações matemáticas. Como cobrar educação financeira de uma pessoa que talvez não saiba fazer cálculo? Precisamos oferecer educação financeira intrínseca, pelo próprio aplicativo, e capacitar esses empreendedores de uma maneira mais formal.

Fernanda Ribeiro, CEO e cofundadora da Conta Black

Além de educação financeira, quais são os demais critérios de seleção?

Vamos dar preferência aos empreendedores dos nossos parceiros, pois sempre trabalhamos com uma perspectiva coletiva. Temos uma parceria com a Estímulo 2020, fundo social que faz empréstimos para empreendedores. Unimos forças para fazer esse crédito chegar a mais gente. Para isso estamos construindo a quatro mãos com a plataforma Gyra+ uma ferramenta de análise de crédito que se adeque à realidade dos nossos clientes e suas especificidades. Estou bem empolgada, porque vamos olhar além do que a maioria dos birôs de crédito fazem hoje, que é mega ultrapassado. Eles olham o crédito de maneira pregressa e não de maneira futura.

Também vamos usar diversos recursos de tecnologia, como o Open Finance, para ter dados do cliente. E, claro, intencionalidade na seleção de negócios de empreendedores pretos.

Vocês têm alguma estimativa de quantos negócios devem impactar?

O ticket médio de empréstimo é de R$ 10 mil. Considerando que estamos projetando um fundo de R$ 100 milhões, que será gerenciado pela nossa parceria com a Genial Investimentos, estamos falando de cerca de 10 mil negócios. Queremos nos unir a grandes empresas para que elas entrem com outras cotas no fundo, olhando para o empreendedor preto que está na cadeia de valor dessas organizações. Esses empreendedores que trabalham para grandes empresas não têm fôlego para sobreviver, já que as condições de pagamento para os fornecedores costuma ser de no mínimo 60 dias e algumas empresas chegam a pagar em 180 dias. Não é sustentável.

Você assumiu como CEO da Conta Black. O que seu olhar feminino tem trazido para a empresa?

A resposta a essa pergunta costuma frustrar muitas pessoas, porque a expectativa é ouvir que tenho um olhar mais doce por ser uma líder feminina. Sou extremamente objetiva. Costumo dizer que sou agressiva com os números e bondosa com quem está por trás deles. Esse é meu estilo, mas é muito importante fomentar novas líderes mulheres à frente dos negócios. Temos uma visão mais holística da empresa, conseguimos olhar para diversas áreas ao mesmo tempo. Não sei se isso é um problema ou uma solução, mas é um diferencial de nós, mulheres.

Qual é a sua ambição para a Conta Black?

Nossa ambição tem a ver com impacto. Queremos impactar mais pessoas e seus negócios. Entre ganhar dinheiro e transformar o mundo, escolhemos as duas coisas. Somos um negócio social. Muitas vezes ouvi dizerem “a Conta Black é um projeto bonito”. Não é um projeto. É um negócio. E nosso objetivo é escalar esse negócio. Hoje temos aproximadamente 49 mil clientes, divididos em pessoa física e jurídica, em todo o país. Pretendemos dobrar esse número em até 18 meses.

Assine a [EXP] e assista na íntegra à palestra de Fernanda Ribeiro no Fórum CEO Brasil:

Palestra de Fernanda Ribeiro no Fórum CEO Brasil 2023
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