O impacto do “efeito Trump” nas políticas de diversidade das empresas brasileiras

Monica Miglio Pedrosa
Posicionamento público favorável ou silêncio absoluto. A polaridade também está presente no mercado corporativo brasileiro quando o assunto é o retrocesso nas políticas de Diversidade & Inclusão (D&I), impulsionado pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Enquanto gigantes como Meta, Amazon, Google, Boeing, McDonald`s, Accenture, Deloitte e Disney assumiram publicamente nos Estados Unidos a adesão ao movimento conservador e extinguiram suas políticas de diversidade, no Brasil nenhuma empresa seguiu abertamente este caminho. Ainda assim, várias optaram por não se posicionar, decisão que tem sido alvo de críticas de especialistas no tema.
“Esse é o momento de separar as empresas genuinamente comprometidas com a diversidade daquelas que nunca estiveram interessadas. Elas precisam ter coragem para se posicionar publicamente que vão continuar com suas políticas de diversidade, independentemente das pressões externas”, afirma Theo van der Loo, ex-CEO da Bayer, investidor e membro de diversos conselhos de administração, incluindo o do Pacto de Promoção da Equidade Racial. Um dos exemplos de empresa que está indo na contramão das big techs é a Apple, que, mesmo sob pressão direta do governo norte-americano, se recusou a interromper suas políticas de D&I.
Theo acredita que as empresas que estão descontinuando seus programas de diversidade provavelmente nunca estiveram convencidas dessa decisão. Ele questiona: “Há mulheres, pessoas negras ou LGBTQIA+ participando dessa escolha? Ou apenas as pessoas que estão no poder, ou seja, homens brancos?”
Reinaldo Bulgarelli, consultor, conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável e secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, relata que muitos líderes brasileiros estão sendo pressionados por suas matrizes americanas a suspender políticas de diversidade. “A ordem de muitas empresas é parar. Mas, no Brasil, esse é um erro terrível, porque temos normas e leis, previstas na Constituição, que não nos permitem fazer isso”, alerta. A Lei 14.457/2022, que institui o Programa Emprega + Mulheres e altera a CLT, a Lei 14.611/2023, que determina igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenham a mesma função, a Lei de Cotas 8.213/1991, a Lei de Inclusão 13.146/2015 e o artigo 5º da Constituição Federal, que determina que todos são iguais perante a Lei, são algumas delas.
Entre as empresas e instituições que já se posicionaram de forma contundente a favor da manutenção de políticas de diversidade estão Natura, Itaú Unibanco, B3, Vivo, Banco do Brasil e o McDonald’s Brasil [leia aqui a entrevista exclusiva com Rogério Barreira, Presidente da Divisão Brasil da Arcos Dorados, franquia que opera o McDonald’s no Brasil].
Além disso, oito movimentos empresariais – Movimento Mulher 360, Fórum Gerações e Futuro do Trabalho, Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Rede Empresarial de Inclusão Social (Reis), Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, Movimento Pela Equidade Racial (MOVER), Pacto de Promoção da Equidade Racial e Instituto Ethos – lançaram um manifesto reforçando seu compromisso com o tema. O documento representa mais de 500 empresas que atuam no Brasil, entre elas Bayer, Gerdau, Nestlé, Volkswagen e Unilever.
O poder do consumidor na transformação da sociedade
Maurício Pestana, Presidente do Fórum Brasil Diverso, relembra que, há 30 anos, apenas quatro empresas tinham programas de diversidade no país: duas americanas (Levi’s Strauss e Motorola) e duas brasileiras (Fersol e Camisaria Colombo). Segundo ele, o tema ganhou impulso no país apenas após a Conferência de Durban, na África do Sul, em 2001, a partir do qual o Brasil se comprometeu a implementar políticas afirmativas para promover a igualdade racial, e vem crescendo nos últimos anos.
Maurício vê o atual recuo nos EUA como uma oportunidade para as empresas brasileiras ganharem espaço. “Muitas empresas nacionais e estrangeiras, com sede no Brasil, podem ocupar um espaço gigantesco deixado por essas corporações americanas”, analisa, reforçando o impacto do comportamento do consumidor nas transformações sociais e culturais. Consumidores negros, LGBT e mulheres têm o poder de optar por marcas que investem em políticas de diversidade, em detrimento das que não investem.
Theo van der Loo compartilhou um exemplo deste poder do consumidor na Holanda, onde o Signal já é o aplicativo de mensagens mais baixado, substituindo o WhatsApp, da Meta. Se movimento similar acontecesse no Brasil, país que mais envia mensagens de áudio e texto pelo WhatsApp no mundo e terceiro maior em número de usuários, o impacto para a Meta seria avassalador.
Diversidade impulsiona lucro e inovação
Além do impacto social e de consumo, diversos estudos comprovam que empresas que investem em diversidade, equidade e inclusão são mais inovadoras, produtivas e têm uma maior retenção de talentos. O relatório “Diversity, Equity and Inclusion Lighthouses 2025”, do Fórum Econômico Mundial, aponta que companhias que investem em D&I registram um aumento médio de 35% na inovação e 25% na retenção de talentos, além de apresentarem um crescimento 18% superior na receita em comparação com concorrentes que não investem.
“Falar de diversidade nas empresas é falar de direitos humanos. Tenho insistido muito que o papel da liderança nesse momento é fundamental”, diz Joana Ivo de Araujo Lima, consultora e palestrante especializada em equidade de gênero e coautora do capítulo “Diversidade no Empoderamento de Mulheres e o Papel dos Homens (Brancos)”, do livro Diversidade e Inclusão e suas Dimensões, que será lançado no próximo dia 28 de março, em São Paulo. Joana defende a importância dos treinamentos de lideranças em prol da equidade de gênero no trabalho, apontando que esse é um caminho que garante mudanças consistentes no longo prazo.
Na semana passada, um grupo de especialistas e consultorias que atuam na promoção da diversidade, equidade, inclusão e pertencimento (DEIP) lançou o DEIP não vai acabar: Guia Prático para Lideranças de Negócios no Brasil, que traz informações estratégicas para apoiar as lideranças no fortalecimento do DEIP no ambiente corporativo.
“Esse é um tema de transformação organizacional, que tem que dialogar com a identidade da empresa, com sua missão, visão e valores, com o código de conduta e a estratégia de negócio”, conclui Bulgarelli. De acordo com o consultor, empresas com esse nível de comprometimento não recuam diante de pressões externas. Até porque, manter e fortalecer essas iniciativas é uma escolha que impacta diretamente a competitividade, a reputação e o futuro dos negócios.
-
Aumentar
-
Diminuir
-
Compartilhar