“Empresas têm em suas mãos o destino da proteção do planeta”
Por Denize Bacoccina
O filósofo e escritor francês Luc Ferry, autor de mais de 70 livros e defensor da filosofia como uma chave para compreender a lógica da inovação competitiva na globalização, conhece bem o Brasil, país que visita esporadicamente há 20 anos. No fim de agosto, depois de participar da Confraria de CEOs, evento realizado pelo Experience Club para um grupo fechado de convidados, Luc Ferry falou à [EXP] sobre ecomodernismo, tema de seu livro mais recente publicado no Brasil, a liderança que as empresas devem assumir na defesa da ecologia e analisou os impactos da inteligência artificial na sociedade.
Doutor em Ciência Política, Luc Ferry foi professor em várias universidades francesas e, entre 2002 e 2004, foi ministro de Educação do país. Pensador do mundo contemporâneo, seus livros abordam temas variados, de relacionamentos humanos à interação entre homens e tecnologia, como A Revolução Transumanista. Tem ainda outras obras bastante conhecidas dos brasileiros, como 7 Maneiras de Ser Feliz, O Homem Deus, A Inovação Destruidora, Dicionário Amoroso da Filosofia, A Nova Ordem Ecológica.
[EXP] – Em seu livro mais recente, Ecomodernismo: as sete faces da ecologia política, o senhor critica os radicais da ecologia e defende o ecomodernismo e uma economia circular, com uma reciclagem constante. É possível colocar isso em prática em escala global?
Luc Ferry – Nada é mais fácil do que isso, de certa maneira. Veja o caso do setor automobilístico, para dar um exemplo concreto. O maior pool de montadoras da Europa, o grupo Stellantis, acaba de investir em uma empresa destinada exclusivamente à reciclagem de automóveis. Em um carro, há cinco diferentes tipos de aço. O aço do carburador não é o mesmo aço da carroceria, das rodas, do cabeçote, e assim por diante. A ideia é construir carros que sejam recicláveis no fim de sua vida útil. A Stellantis estima que até 2025 ganhará mais de dois bilhões de euros por ano com a reciclagem de automóveis. É totalmente factível.
A reciclagem está sendo feita pelas empresas. São as empresas que têm em suas mãos o destino da ecologia, da proteção do planeta. Isso é um grande paradoxo, pois nos anos 1970 as empresas eram vistas como o diabo pelos ecologistas. Os ecologistas eram de extrema esquerda e o mundo capitalista era tido como o mundo da poluição e da devastação do planeta. É um autêntico paradoxo que hoje a ecologia tenha se enraizado nas empresas. É interessante.
O senhor já disse que o ecomodernismo é um projeto radical para o capitalismo. De que maneira?
Nas primeiras revoluções capitalistas, do vapor, da eletricidade, do motor a explosão, nós estávamos em uma lógica linear. Ou seja, não tínhamos ideia sobre o esgotamento das riquezas. Destruíamos o planeta sem pensar que as riquezas eram esgotáveis, sejam os animais, os minerais, os metais. Destruíamos tudo sem pensar. Estávamos em uma lógica do descartável: o isqueiro descartável, a caneta descartável. Tudo era descartável. Aqui há uma ruptura radical com essas revoluções industriais capitalistas porque estamos em uma lógica da reciclagem, uma lógica que não é mais linear, mas circular. É uma ruptura radical com o mundo antigo. Nessa perspectiva, o projeto ecomodernista pode ser sedutor para os jovens que estão sempre preocupados em ter projetos radicais ao invés de projetos ameaçadores.
É um grande paradoxo. É uma ruptura completa com a lógica linear das primeiras revoluções industriais capitalistas e, ao mesmo tempo, é dos capitalistas, das empresas, que hoje podemos esperar o maior avanço em matéria de proteção do meio ambiente. Este é o paradoxo do ecomodernismo. É um paradoxo, não uma contradição. Isso é muito interessante nessa corrente.
É uma reforma do capitalismo?
Sim, é um novo rosto do capitalismo. Um capitalismo com rosto humano. De certa maneira, é isto que os teóricos do decrescimento detestam, porque o projeto deles não é melhorar o capitalismo, torná-lo mais humano, mas destruí-lo. Existe um fundo revolucionário anticapitalista na corrente do decrescimento, que, apesar de tudo, continua sendo a corrente mais forte da ecologia política.
“Reciclando, vamos ganhar dinheiro.
Compreendendo isso, os empresários perceberão
que têm interesse na proteção do meio ambiente.”
Existem muitas empresas que são acusadas de fazer greenwashing. Como o senhor vê o papel das empresas nessa nova ecologia?
É preciso tomar muito cuidado com isso. De 15 anos para cá, e isso também acontece na França, todo mundo é ecologista. Agora que a ecologia se tornou incontornável, há muitas empresas que fazem greenwashing, comunicação verde. Isto não é sério. É preciso que seja real. Os ecomodernistas têm um slogan que parece bobo, mas que é muito profundo: “A natureza não tem lata de lixo”. É isso que os empresários precisam compreender. Seja nas empreiteiras de obras públicas, na indústria automobilística, na fabricação de computadores ou smartphones, é preciso entender que a natureza não tem lata de lixo. Na natureza, tudo é reciclado, não há resíduos, não há lixo. É isso que devemos tomar como modelo em todos os setores das empresas. O que pode ser sedutor para os empresários é que, em vez de termos uma ecologia punitiva, temos uma ecologia que permite ganhar dinheiro. Reciclando, vamos ganhar dinheiro. Compreendendo isso, os empresários perceberão que têm interesse na proteção do meio ambiente. E isto é uma ruptura completa com a ecologia punitiva dos anos 1970. É algo completamente novo.
O senhor tem falado também sobre os impactos da inteligência artificial. Como ela vai mudar nossas vidas?
Se eu ainda fosse ministro da Educação (ele foi ministro da Educação da França entre 2002 e 2004), essa seria minha maior preocupação. Se nossos filhos não tiverem uma enorme vocação artística, literária ou científica, penso que é preciso orientá-los para profissões que não serão muito impactadas pelos LLMs (Large Language Models), como ChatGPT e outros. Porque, ao contrário do que poderíamos acreditar, essas novas formas de inteligência artificial são muito, muito criativas.
É preciso orientar as crianças para profissões que não serão impactadas pela IA, as que associam a cabeça, o coração e a mão, ou seja, a inteligência, as relações humanas e a habilidade manual. Um diretor de hotel não é substituível. Um jardineiro não é substituível. Um cozinheiro não é substituível. Na medicina, o radiologista desaparecerá antes que o clínico geral, e o clínico geral desaparecerá antes que a enfermeira. O ChatGPT não é capaz de virar alguém e aplicar uma injeção. Mas para analisar uma radiografia, o ChatGPT é incrivelmente bom. Penso que é preciso reabilitar as profissões manuais.
O que a filosofia pode ensinar a um executivo, ao mundo corporativo?
O velho Hegel (Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão do século 18 e 19) dizia que a filosofia é o próprio tempo apreendido em pensamento. E a nossa época se caracteriza por duas coisas que são incrivelmente filosóficas: a globalização, que é a verdadeira novidade do mundo, e a terceira revolução industrial, que é a da robótica, do digital e da inteligência artificial. Mas a robótica e o digital não são nada sem a inteligência artificial. São as duas grandes novidades do mundo atual: a modernização liberal e a revolução da inteligência artificial. E, para pensar isso, não existe nenhuma disciplina tão eficaz quanto a filosofia. A modernização liberal faz avançar cada vez mais rápido, devido à competição global, a lógica dos progressos da inteligência artificial. Veja a competição que existe hoje entre a Microsoft e o Google. Só na filosofia temos essa chave para a compreensão do que é a lógica da inovação competitiva na globalização liberal.
A competição globalizada faz com que exista uma corrida pela inovação, que está mais rápida do que nunca. E essa lógica da inovação cada vez mais rápida só pode ser compreendida pela filosofia. É o único meio para pensar o futuro. Isso me leva a dizer que a inovação não é mais um projeto para os empresários, é uma tarefa essencial, uma obrigação. Um empresário que hoje não inova está condenado à morte.
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