Futuro

Gigante pela própria natureza: Liderança além do ESG na maior potência ecológica do mundo

Gigante pela própria natureza

Autor: Miguel Setas

Ideias centrais:

1 – A Bahia é um estado que se apresentou, no meu manancial de descobertas, único em suas expressões das origens brasileiras e o que mais faz a confluência da cultura portuguesa com a africana e a indígena.

2 – Nunca tive dúvida de que o Museu da Língua Portuguesa entrelaça com maestria elos culturais do espaço da lusofonia. Perante um acontecimento tão trágico como o incêndio que o atingiu em fins de 2005, a EDP Brasil, empresa do setor elétrico da qual eu era CEO, aplicou R$ 20 milhões em sua reconstrução.

3 – Se eu tivesse usado o modelo tradicional do mercado, baseado em comando e controle e aplicado algum tipo de coerção, não funcionaria. Vivenciei ser muito mais eficaz mobilizar o time pelo encantamento do que cada um pode vir a ser e a fazer, do quanto pode aportar, desenvolvendo-se pessoal e profissionalmente.

4 – Inteligência socioemocional tem enorme importância para a eficácia da liderança. É com ela que o líder gera as próprias emoções e os relacionamentos com o universo dos stakeholders à sua volta. O desenvolvimento dessa inteligência permite aprimorar a constelação de relações que rodeia a empresa e o próprio líder.

5 – O Brasil concentra os maiores biomas tropicais do mundo, é um país estratégico para o grande plano de salvação do planeta como o conhecemos hoje. Dito de outra maneira, o mundo precisa do Brasil para regular seu clima e se salvar do desastre anunciado com o aquecimento global.

6 – Muitos dos sistemas de pensamento espiritual de matriz oriental ou hindu defendem as práticas meditativas para alcançar a paz interior e aquietar a mente. Comecei, no Brasil, a experimentar a meditação como uma prática recorrente da minha rotina e considero, atualmente, um instrumento fundamental para o equilíbrio e bem-estar de um líder.

Sobre o autor:

Miguel Setas é português, físico de formação com mestrado em sistemas de informação e Business Administration. Miguel acumula mais de 25 anos de experiência em funções de liderança no setor energético e de infraestrutura, 13 deles no Brasil, onde liderou a operação da maior empresa portuguesa de energia no Brasil, a EDP. Foi distinguido com a Ordem do Ipiranga (Grande Oficial) pelo governo de São Paulo, por sua contribuição para a cultura do Brasil. Sob sua gestão, a EDP colaborou para o reerguimento da Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Ipiranga, entre outros institutos.

Introdução:

O Brasil, analisando indicadores que o qualificam como a superpotência natural do mundo, é um país estratégico para revertermos os efeitos da crise climática e ambiental que vivenciamos globalmente. De acordo com a consultoria Boston Consulting Group (BSG), o Brasil pode ser hub climático com uma oportunidade de investimentos de US$ 2 a 3 trilhões até 2050, notadamente no mercado de carbono, na produção de energia limpa, na agricultura sustentável e na indústria verde.

É nesse contexto que defendo a necessidade de lideranças com novo perfil, com 12 traços específicos, organizados em quatro dimensões principais: qualidade de vida interior, relação com o tempo, relação com o outro e relação com o mundo. Eu os desenvolvi com a experiência de gestão brasileira e, de alguma maneira, esses traços foram crescendo em mim com minha evolução como ser humano.

Como fechamento do livro, apresento um manifesto para esse novo humanismo ecológico, que deveria ter seu início no Brasil, composto por 7 Es – ética, ecologia, economia, equidade, estética, espiritualidade, evolução –, concretizando uma visão mais abrangente do que o ESG, compatível com o modelo de evolução integral.

PARTE I – Um Brasil que se transforma

Capítulo 1: País de características únicas

A dimensão continental do Brasil é das características mais marcantes para um estrangeiro, em especial quando ele vem de um país relativamente pequeno como Portugal. A continentalidade tem várias implicações práticas, a primeira aparece nos deslocamentos internos. Para as regiões mais remotas, não é incomum levar mais de um dia de viagem. A segunda é a diversidade incontável da geografia e das pessoas. Por isso, efetivamente, não existe apenas um Brasil no sentido lato, mas sim vários países dentro do mesmo espaço geográfico.

Conversei com indígenas de várias etnias, e pude perceber quão vulneráveis se sentem quanto à sua integridade física e moral. Precisam ter mais suporte da sociedade, e o caminho é realizar sua cultura, no lugar de tornar suas vidas ainda mais difíceis. Eu sinto muito, pois criei uma conexão afetiva com o universo indígena. Este universo mágico é vastíssimo no Brasil. De acordo com o Museu da Língua Portuguesa, existem mais de 300 etnias distintas no Brasil, algumas das quais nunca contataram com a chamada civilização. Difícil de imaginar, não é?

Não é exagero dizer que a música brasileira mudou meu dia a dia para melhor, muito melhor. Tornou-se companhia inseparável, marcante, que fez fruir uma experiência de vida. Inda hoje me desperta um interesse que vai além das letras e melodias. Gosto de saber em qual contexto elas foram compostas e o querem transmitir.

Muitos cantores e compositores demonstram aliviar o grito preso na garganta criando obras de arte que expressam o que gostariam de falar aos governos, ao mundo e aos outros brasileiros. Gonzaguinha escreveu letras poéticas, um grito de alerta (como na música “Sangrando”) e ao mesmo tempo de esperança, ora expressando sentimentos universais, ora denunciando opressões.

Capítulo 2: Adaptabilidade e crenças equivocadas

A Bahia é onde vou sempre de coração aberto para experiências de família, cultura, gastronomia, interação social e conexão com a natureza. É um estado que se apresentou, no meu manancial de descobertas, único em suas expressões das origens brasileiras e o que mais faz a confluência da cultura portuguesa com a africana e a indígena, ambas portadoras de vasta bagagem material e simbólica.

Entrei para a EDP em 2006, como chefe de gabinete do CEO, que já era António Mexia, e logo fui alçado a vice-presidente da empresa de comercialização de energia em Portugal, num mercado recém-liberalizado. Passados dois anos, ele me convidou para ser vice-presidente da divisão brasileira, a partir de janeiro de 2008. Eu tive exatos 15 dias, em dezembro de 2007, para me ambientar no novo país e decidir o básico da logística de mudança.

A experiência de fazer amigos num país estrangeiro foi das mais desafiadoras, porque tive de aprender os códigos de construção de uma amizade pelo prisma brasileiro. Parece estranho, não é? Mas é isso mesmo. Coisas simples, como conviver em ambiente caseiro ou organizar um encontro social. Como participar de reuniões familiares, como festas de casamento ou aniversários. Como cumprimentar ou como presentear as pessoas. Tudo teve de ser apreendido com um olhar diferente daquele a que eu estava habituado. Mas isso foi extremamente gratificante também, porque daqui resultaram amizades muito bonitas e que sinto que podem durar por toda a vida.

Capítulo 3: A consciência de uma missão inesperada

Apelidei o Museu da Língua Portuguesa de “Catedral da nossa pátria”, numa alusão óbvia ao mestre Fenando Pessoa (“Minha pátria é a língua portuguesa”, no “Livro do desassossego”). Nunca tive dúvida de que esse museu entrelaça com maestria elos culturais do espaço da lusofonia. Preservá-lo tornou-se mais do que uma obrigação. A partir dessa tomada de consciência, e perante um acontecimento tão trágico como o incêndio ocorrido naquele fatídico fim de 2005, passamos a reunir os apoios necessários para concretizar nossa participação no projeto de reconstrução do Museu.

A EDP Brasil aprovou um investimento de R$ 20 milhões, o que representava, naquele momento, cerca de 30% do valor necessário para a obra. O principal: eu tinha a convicção de ser uma oportunidade ímpar para aproximar Portugal e Brasil. Tanto que, após esse movimento, fizemos uma aposta estruturante na EDP Brasil de preservar mais símbolos do patrimônio histórico e cultural luso-brasileiro. Seguiu-se, por exemplo, o apoio à recuperação do Museu do Ipiranga, entre vários projetos de difusão e valorização da nossa língua e história em comum.

Senti uma emoção inexplicável quando entrei em Paraty (município do Rio de Janeiro) e em cidades históricas de Minas Gerais, como Tiradentes, Ouro Preto e Diamantina. Pensei que podiam ser cidades portuguesas deslocadas no espaço. Com um oceano de permeio. As referências históricas de Portugal, tão evidentes na arquitetura, nos espaços religiosos, na arte popular, estão presentes com muita força também na cidade do Rio de Janeiro, ex-capital da colônia, onde a família real se instalou em 1808.

PARTE II – Um líder diferente

Capítulo 4: Brasilidade na gestão

Entre 2012 e 2015, o número de acidentes fatais e com afastamento da EDP Brasil havia aumentado 50% – de oito para doze, sendo que registramos três fatalidades. Mas não era só com os colaboradores próprios que nos preocupávamos. Os acidentes com prestadores de serviço também aumentaram no mesmo período. O total de acidentes com próprios e externos mais do que quadruplicou entre 2012 e 2015.

A questão da redução dos acidentes foi o Wake-up Call, o cair-da-ficha, um ano após eu ter assumido a presidência, de que somente conseguiríamos mudar a forma como as pessoas lidavam com a segurança se mudássemos a forma como elas pensavam a respeito dela. E o mesmo valia para outras questões importantes que marcavam a cultura da empresa, nomeadamente a forma como as pessoas lidavam com o risco, ou a predisposição para a mudança e para a inovação.

Se eu tivesse usado o modelo tradicional do mercado, em especial o europeu, baseado em comando e controle, aplicando algum tipo de coerção, não funcionaria. Vivenciei ser muito mais eficaz mobilizar o time pelo encantamento do que cada um pode vir a ser e a fazer, do quanto pode aportar, desenvolvendo-se e realizando-se pessoal e profissionalmente, com os benefícios que gera na empresa e na sociedade. Nesse sentido, minha liderança foi o fio condutor para implantarmos essa cultura de “usar a nossa energia para cuidar sempre melhor”.

Capítulo 5: Múltiplos papéis

Durante minha liderança, a EDP Brasil se notabilizou por projetos emblemáticos, como a implantação da primeira e maior rede de recarga ultrarrápida de veículos elétricos da América do Sul – no âmbito de uma chamada estratégica da Aneel para projetos e P&D na área de mobilidade elétrica – e a instalação do primeiro corredor com postos de carregamento elétrico entre Rio de Janeiro e São Paulo, na Rodovia Presidente Dutra, em parceria com a BMW.

Mais um exemplo? O projeto do avião demonstrador elétrico. Fizemos acordo de cooperação com a Embraer para avançarmos em tecnologia de armazenamento de energia e recarga de baterias para a aviação. Essa pesquisa representava uma nova fronteira do investimento em mobilidade elétrica, contribuindo para posicionar o Brasil como um player de ponta nesse mercado.

No início de 2019, o Senai Cimatec, instituição referência em educação, pesquisa e inovação, e a Atos, empresa especializada em transformação digital, começaram a trabalhar naquele que viria a ser o primeiro centro de computação quântica do Brasil. Como líder da EDP, almejei que ela fosse a primeira empresa de seu setor a utilizar capacidades computacionais mais potentes e sofisticadas do que as utilizadas até então.

PARTE III – A empresa fazendo a diferença

Capítulo 6: Uma transformação de impacto

No dia 13 de dezembro de 2013, a EDP Brasil havia acabado de ganhar a concessão da usina de São Manuel (700 MW), no rio Teles Pires, entre o Mato Grosso e o Pará. Naquele momento era a usina que completava o plano de expansão no segmento hidrelétrico. Um ano antes, a EDP já tinha ganho a concessão da UHE Cachoeira Caldeirão (213 MW), na divisa entre o Amapá e o Pará.

Isso tudo somado com o projeto para a usina de Santo Antônio do Jari (373 MW + 20 MW de reforço posterior) adquirido na mesma região, tínhamos o portfólio de três novas hidrelétricas para construirmos até 2018. Nesse plano de expansão, atuamos com dois sócios, a empresa chinesa CTG (China Three Gorges) e Furnas, do Grupo Eletrobras.

Entretanto, nossa prioridade não foi apenas o valor do acionista. Ao longo de sete anos como CEO, tive o privilégio de poder participar da transformação da EDP Brasil, que ampliou o portfólio de negócios, reforçou a excelência operacional e os níveis de eficiência, mitigou e geriu os riscos, avançou na agenda tecnológica e tornou-se referência e áreas como inovação, sustentabilidade, responsabilidade social e cultural.

O primeiro leilão de transmissão com novas regras ocorreu em 2016. Participamos desse primeiro leilão e ganhamos apenas um pequeno lote no estado do Espírito Santo. Seria no ano seguinte, em 2017, que ganharíamos um excelente portfólio de quatro lotes de transmissão com um investimento superior a R$ 3,7 bilhões. Dois projetos no Maranhão, um projeto em Minas Gerais/São Paulo e outro em Santa Catarina/Rio Grande do Sul. Começava com esses cinco projetos nossa aventura no segmento da transmissão, que foi muito bem recebida pelo mercado.

Capítulo 7: Cultura e gestão

Em 2015, a criação de um novo projeto se fez necessária. A evolução negativa dos indicadores de segurança denunciava um problema de cultura interna, fruto principalmente de diversas aquisições, que criaram um ambiente com vários subconjuntos culturais diferentes.

Carecíamos de uma cultura com outras características: mais aberta, mais inovadora, mais centrada nas pessoas, no cliente e no valor gerado para a sociedade e o meio ambiente. Acima de tudo, uma cultura que valorizasse a vida, em todas as suas dimensões, como o elemento central. “A vida sempre em primeiro lugar” passou a ser o primeiro princípio orientador da nova cultura.

Começar por estabelecer o propósito da empresa (“A nossa energia para cuidar sempre melhor”) e os princípios orientadores da cultura que pretendíamos implantar trouxe um novo olhar sobre a forma como deveríamos nos comportar, dentro e fora da empresa.

A esse processo chamamos “Metas com Propósito”. Foi uma das nossas principais ferramentas de alinhamento da visão estratégica com o propósito de humanização da nossa cultura. Mas não ficamos por aqui. O “Metas com Propósito” não nos permitia atuar diretamente nos comportamentos individuais.

Foi por isso que concebemos um modelo que chamamos de “Roda da Felicidade no Trabalho”. Esse modelo identificou os elementos que geram motivação no trabalho e ao qual associamos rituais de gestão (na época, tínhamos mais de 30 diferentes), que estimulariam os comportamentos da nova cultura EDP e gerariam felicidade e motivação.

Outro importante conceito que agregamos a este modelo foi o chamado “Lucro com Qualidade”. Na definição da performance global, era necessário atribuir pesos a cada dimensão de desempenho. A forma que encontramos para atribuir igual importância à dimensão econômica e à forma como se atingissem os resultados foi de atribuir 50% de peso à dimensão acionista e 50% à soma das cinco dimensões restantes. Dessa forma, reforçamos sempre a narrativa de que não se poderia produzir lucro a qualquer custo.

Capítulo 8: Transformar, transformando-me

O Modelo de Liderança de Impacto aprofunda o Modelo de Estágios de Maturidade, estabelecendo a ligação entre a maturidade do líder, traduzida pelo desenvolvimento de diferentes inteligências, e o impacto esperado no estilo de liderança e no foco da gestão. O termo “impacto” é assumido em sentido lato, numa perspectiva holística de impacto na empresa e nos vários stakeholders, incluindo a sociedade à nossa volta.

O modelo de crescimento ilimitado da era pós-industrial está levando o planeta à exaustão. É preciso mudar o paradigma de desenvolvimento da sociedade moderna, garantindo que cessaremos com as lógicas extrativistas, poluidoras e usurpadoras dos recursos naturais em benefício próprio, sem a preocupação pela circularidade da economia e pela regeneração dos ecossistemas.

A essência do líder é amparada pelo desenvolvimento de quatro inteligências principais: cognitiva, socioemocional, cultural, espiritual.

Inteligência cognitiva. É necessária para a resolução de problemas e tomada de decisões, incluindo dominar números, interpretar dados e traçar estratégias com rigor analítico.

Inteligência socioemocional. Tem enorme importância para a eficácia da liderança. É com ela que o líder gere as próprias emoções e os relacionamentos com o universo dos stakeholders à sua volta. O desenvolvimento dessa inteligência permite aprimorar a constelação de relações que rodeia a empresa e o próprio líder.

Inteligência cultural. É particularmente relevante num contexto de expatriação, ou de uma operação internacional, para o líder entender e respeitar as diferenças culturais com um comportamento empático.

Inteligência espiritual. É o culminar de uma jornada de desenvolvimento e amadurecimento interior. Ela costuma suplantar em importância outras formas de inteligência nos setênios mais tardios da vida. Trata-se de uma maior conexão com a transcendência ou com o divino.

PARTE IV – Olhar para um futuro pós-ESG

Capítulo 9: Evolução integral e uma nova ética na terra

Evandro Nascimento, professor de filosofia, nos lembra ser importante preservar o solo, o clima, os animais e os humanos que interagem com as plantas. Por essa relação íntima entre as espécies, devemos nos ver como jardineiros das outras espécies e percebermos que estamos no mundo porque existe este cultivo recíproco. Então, não podemos transformar as plantas em meros objetos de consumo, mas sim aprender com elas “a melhor forma de crescimento e reprodução”, já que influenciam e protegem toda a vida no planeta.

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada em 1948 pela ONU, a exigência ética de respeito à vida humana pressupõe a existência de uma dignidade essencial e intrínseca, inerente à condição humana. Por isso, “ética da vida na Terra” traz implícita a esperança de uma vida com dignidade e bem-estar, “verdejando” nossos dias, “florestando” nossas cidades, criando novas paisagens urbanas menos secas e menos estéreis.

Capítulo 10: Brasil – O epicentro do novo humanismo ecológico

Efetivamente, o país que concentra os maiores biomas tropicais do mundo, é um país estratégico para o grande plano de salvação do planeta como o conhecemos hoje. Dito de outra maneira, o mundo precisa do Brasil para regular seu clima e se salvar do desastre anunciado com o aquecimento global.

Há que entender que o Brasil precisa de desenvolvimento econômico para melhorar as condições de vida e o desenvolvimento humano da sua população. Nesse sentido, até compreendo a justificativa do país, assumida no cenário internacional, de que o desmatamento da Amazônia seria forçoso para esse ambicioso desenvolvimento econômico. Minha convicção, e a de muitos setores da sociedade, nomeadamente de organizações como o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), é de ser possível promover um desenvolvimento econômico sustentável dessa região, evitando dizimar a floresta, com sua exuberante biodiversidade e riqueza sociocultural dos povos indígenas.

Por essa centralidade na equação da sustentabilidade, defendo a tese de que o Brasil, superpotência natural e social do mundo, tem tudo para ser o centro do novo humanismo ecológico. Assim como a Itália foi o berço do Renascimento nas suas cidades de Gênova, Florença e Veneza, o Brasil pode ser o berço desse novo humanismo ecológico do século XXI, nas suas cidades-mundo, como São Paulo ou Rio de Janeiro, e nos seus ricos biomas, como a Amazônia ou a Mata Atlântica.

Capítulo 11: Um novo perfil de liderança

A dimensão da espiritualidade é muito sensível, e por isso começo a lista de traços de liderança com ela. Efetivamente acredito que a espiritualidade não é um destino em si mesmo, mas sim um caminho. Um processo de aprofundamento e de conexão progressivos com o nosso íntimo e com a transcendência. Para dar essa perspectiva evolutiva, que se desenrola ao longo da vida, designei este traço de “aprofundamento espiritual”, que deve ser intensificado pelas lideranças no seu desenvolvimento.

Muitos dos sistemas de pensamento espiritual de matriz oriental ou hindu defendem as práticas meditativas para alcançar a paz interior e aquietar a mente. Comecei, no Brasil, a experimentar a meditação como uma prática recorrente da minha rotina e considero, atualmente, um instrumento fundamental para o equilíbrio e bem-estar de um líder. Ajudou a melhorar a qualidade da minha presença e acuidade da minha atenção. Tento praticar diariamente, ao acordar, antes de começar o meu intenso dia de trabalho. Continuo, agora mais ainda, a respeitar a minha matriz católica. Entretanto, expandi claramente meus horizontes espirituais. Não tenho dúvida de que o sincretismo religioso brasileiro, que encontrei pelo país afora, criou o ambiente propício para desenvolver essa minha visão mais espiritualizada.

Roman Krznaric dá como exemplos tribos indígenas que se preocupam com o futuro de sete gerações à frente e construtores de grandes obras, como as catedrais, cuja conclusão nem sempre termina no seu tempo de vida. Relativamente ao primeiro exemplo, Krznaric refere-se ao povo Haudenosunee, que representa seis nações nativas americanas conhecidas como a de Iroquois, a quem é atribuído o chamado Princípio das Sete Operações, de acordo com o qual todas as nossas decisões devem ter resultados sustentáveis sete gerações à frente da nossa. Esta noção, apesar de ser ancestral, tem uma atualidade extrema no contexto da grave emergência climática.

Capítulo 12: Do ESG para os 7 Es – um manifesto

A título de conclusão da última parte deste livro, apresento o que seria uma proposta de aprimoramento da agenda de sustentabilidade para os nossos tempos. Uma visão além do ESG.

Manifesto para um novo humanismo baseado em 7 Es:

Ecologia. Reconhecendo que as condições para a vida na terra são únicas e que o equilíbrio do planeta está em sério risco, queremos um mundo que preserve os ecossistemas na terra, no ar e nos oceanos. Clima e ecologia fazem parte de uma única realidade.

Equidade. Temos plena consciência de que há uma grande proporção da população mundial que vive no limiar da pobreza. Na caminhada para um novo humanismo, o nosso objetivo como sociedade não pode ser senão dar dignidade a todos, e a cada um dos seres humanos na Terra. Queremos uma sociedade mais justa e equitativa. Sem fome, com educação e saúde como bens universais para todos

Economia. A dimensão econômica continua sendo fundamental para um modelo de sociedade evoluída. É incompreensível que o modelo ESG tenha suprimido a dimensão econômica, tipicamente considerada no tripé da sustentabilidade (econômico, social e ambiental). Crescimento econômico é essencial para gerar riqueza e poder distribuí-la de forma justa e equitativa. Queremos economia, mas uma economia regenerativa, com baixa pegada de carbono, que valoriza a ecologia e não agride o meio ambiente.

Ética. Queremos uma nova ética da vida na Terra, que respeite os limites ecológicos e que seja baseada em sólidas fundações sociais. Uma ética que transite do seu foco “antropocêntrico” para uma lógica “ecocêntrica”.

Estética. Reconhecemos que a arte e a cultura, nas suas inúmeras expressões, são o produto do gênio humano e constituem um importante legado civilizacional do passado e para o futuro. Queremos uma sociedade que valoriza as suas manifestações artísticas e culturais.

Espiritualidade. Independentemente de credos e religiões, reconhecemos que existe uma transcendência que nos ultrapassa e que nos une a todos. Uma sociedade espiritualizada é uma sociedade que aceita e respeita as diferenças, que compreende que cada religião constitui uma forma particular de perceber a Unidade a que pertencemos.

Evolução. Já na Grécia pré-socrática sabíamos que “a única constante da vida é a mudança”. Qualquer modelo de sociedade é inevitavelmente evolutivo. Queremos uma evolução integral. Uma evolução da sobrevivência à transcendência, com uma visão holística do que significa ser humano no Planeta Terra.

Gigante pela própria natureza - Ficha Técnica

Ficha técnica:

Título: Gigante pela própria natureza: Liderança além do ESG na maior potência ecológica do mundo

Autor: Miguel Setas

Primeira edição: Gente Editora

Resumo: Rogério H. Jönck

Edição: Monica Miglio Pedrosa

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