Home Care: a expansão de um setor que vive uma revolução tecnológica
Segundo Paula Meira, da Interne Soluções em Saúde, a pandemia deu impulso aos tratamentos extra-hospitalares e à intensa digitalização de serviços e produtos na área
Tempos atrás, cuidar da saúde significava marcar uma consulta e ser atendido por um médico no consultório, ou fazer exames em uma clínica. Nos últimos anos, e em especial com a pandemia, um serviço ganhou mais espaço na saúde: o home care. Muitos pacientes passaram a ser orientados em casa, de maneira virtual (como teleconsulta), ou recebem cuidados extra-hospitalares na própria residência.
A nova realidade pode ser traduzida em números. Desde 2020, o setor registrou um aumento de 35%, de acordo com levantamento do Núcleo Nacional de Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar (Nead) 2019/2020. As empresas de home care no Brasil totalizam uma receita anual estimada em R$ 10,6 bilhões, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e o Nead. As internações domiciliares custam 35% a menos do que as hospitalares e respondem por 57,5% da receita total.
“A partir da pandemia, pela necessidade dos leitos ficarem com os casos mais graves, os casos de fazer o acompanhamento com um médico na cabeceira da cama 24 horas, houve essa divisão entre o que o hospital pode fazer e o complemento da situação com a assistência domiciliar, com o home care. Com a Covid, houve um entendimento maior de que se poderia começar o tratamento a partir da própria residência”, diz Paula Meira, fundadora da Interne Soluções em Saúde, com sede no Recife-PE.
O aumento da demanda por assistência domiciliar impõe desafios tecnológicos. No caso da Interne, a empresa segue na direção de ser tornar praticamente um hub de soluções de saúde extra-hospitalar, atuando em variadas frentes, desde o setor de pessoal e do controle das etapas do atendimento aos pacientes, até o gerenciamento da logística e de estoque, dentre outras questões.
Confira abaixo os insights da entrevista com Paula Meira sobre este setor em expansão.
1 – Mercado desafiador
A Interne iniciou como empresa como uma franquia norte-americana, há 25 anos. Sempre foi muito desafiador, pois as pessoas não sabiam que tipo de serviço nós estávamos oferecendo. Não sabiam o que era o conceito. Precisamos modular o serviço, que são cuidados extra-hospitalares, para chegarmos no ponto atual a essa denominação que seria o home care. Esse foi o nosso primeiro produto, o principal, que vem depois de uma hospitalização. É a continuidade dos cuidados, que seriam de hospitais, no domicílio. Foi o primeiro desafio de transformação.
Para chegar nesse ponto, foi preciso educar a comunidade médica, que não estava habituada. Estava habituada ao trabalho que começava e terminava no hospital. Se fosse necessário algum tipo de reabilitação, como fisioterapia, então as pessoas iam para uma clínica, o que não era o nosso caso. A gente cuidava das pessoas em casa. A partir daí, entendemos que temos uma empresa de soluções de saúde extra-hospitalar.
2 – Parceria com startup
Além da saúde, nós levamos e carregamos muita logística. Uma empresa de logística em saúde, para prover aquilo que o paciente precisa, com a previsibilidade de tudo o que podia ocorrer dentro daquela situação, que precisava de um apoio maior para fazer o atendimento domiciliar. Então, fomos buscar tecnologias que nos apoiassem. E foi muito difícil trazer a tecnologia.
Antes da pandemia, nós já estávamos trabalhando em outras soluções, inclusive com uma startup que se tornou famosa, chamada Salvus, aqui no Porto Digital, do Recife. Foi visto tanto valor nela, que o maior investidor é o próprio hospital Albert Einstein, destaque de São Paulo. A Salvus trouxe, a partir da nossa solicitação, uma ideia inovadora que era controlar o volume de oxigênio de cada paciente. Então, a gente precisava ter um controle muito correto e um controle que a gente pudesse fazer dessa forma. Estamos há mais de cinco anos nesse projeto com a Salvus.
3 – Quebra-cabeças de sistemas
Fizemos também outras inovações em tecnologia, como o método para ter a certeza da escala dos nossos funcionários, técnicos de enfermagem, nas residências. Desenvolvemos um sistema de controle de escala a distância. É um sistema que a gente aperfeiçoou para a nossa realidade, mas muitos de vocês conhecem. É aquele reconhecimento facial que a gente já tem no aeroporto de São Paulo, onde você coloca o seu passaporte. Ali já aparece o seu rosto. Você fotografa e ele permite sua entrada, sem falar com nenhum ser humano.
Nós vimos essa tecnologia e achamos extremamente interessante trazer para a Interne. Hoje, preparamos uma escala prévia de quem vai cuidar do paciente e onde, e colocamos dentro dessa escala. Precisamos de duas ferramentas, a do reconhecimento e a escala que a gente preparou.
A Stefanini faz a parte do reconhecimento facial, e a Nilo Saúde monta a escala.
Então, uma empresa como a nossa é um verdadeiro quebra-cabeças, formado por peças de vários sistemas, com o nosso know-how. A maioria das soluções criadas para a Interne foram pensadas por nós mesmos.
4 – Empresa livre de papel
Estamos trabalhando com a consultoria TDS, do Silvio Meira, para montar uma plataforma onde o home care possa ser praticamente todo digital. A ideaia é sermos, talvez, a primeira empresa no Brasil em home care livre de papel. Vamos ser uma empresa preocupada também com ESG, porque estamos cuidando do social, estamos cuidando do ambiental e temos toda essa governança para fazer essa documentação.
Somado a isso, estamos em busca de outras empresas que nos ajudem. Trabalhamos com uma empresa chamada Green, para fazer toda a auditoria das nossas contas sem papel. Estamos fazendo agora uma auditoria virtual. Queremos que tudo o que foi discutido na apresentação das contas possa ser documentado virtualmente. Assim, depois, com essa análise, nós justificarmos as contas que são pagas ou não. A gente está usando ainda um pouco de papel, porque tudo está na fase da transformação. Mas acreditamos que, no máximo, em um ano, seremos uma empresa sem papel nenhum.
5 – Rotina do paciente online e on time
Estamos desenvolvendo um produto para podermos ter uma rotina beira-leito dos pacientes já venha imediatamente depois do procedimento feito. Assim que acabar o plantão, tudo o que foi feito virá como uma evolução, um histórico, através da análise de tudo o que foi programado e realizado. E o que não foi realizado, justificado porque não foi realizado. E isso a gente teria online e on time. Estamos no meio dessa travessia da informação digital, e o arcabouço (framework) já está pronto.
A gente quer ter todo esse desenho somando três coisas: a necessidade de cuidado do paciente, a realização do cuidado e a monitorização dos nossos cuidados. Isso para que, além de ser monitorado, ele possa ser monetizado. Para que você possa fazer a cobrança daquilo da maneira mais tranquila possível, sem precisar ler mil papéis. Você tem como fazer um controle mais assertivo somando esses três caminhos. E, o que é mais importante, cuidar do paciente da maneira adequada. Depois disso, também para que a gente possa ter a comprovação desses cuidados, para que possamos cobrar de quem autorizou.
6 – Telemedicina gerando escala
Com a pandemia, o governo brasileiro aprovou o uso da telemedicina, dos aconselhamentos, da teleorientação, da teleconsulta. E isso também é muito importante para o desenvolvimento do nosso negócio, para a maior abrangência do que a gente faz. Pela necessidade dos leitos ficarem com os casos mais graves, os casos de fazer o acompanhamento com um médico na cabeceira da cama 24 horas, houve essa divisão entre o que o hospital pode fazer e o complemento da situação com a assistência domiciliar, com o home care. Com a Covid, houve um entendimento maior de que se poderia começar o tratamento a partir da própria residência.
7 – Inovação dentro de casa
Hoje, temos uma diretora de estratégia, que é minha filha, Gabriela Meira. Ela mora nos Estados Unidos e pensa 24 horas por dia em inovação. Ela lidera o grupo de inovação e tem, abaixo dela, mais duas colaboradoras e uma gerente de projetos e processos, que está envolvida em todas essas áreas.
Temos um departamento de TI muito robusto, com mais de 20 pessoas. O gerente de TI divide o pessoal em duas áreas: temos o time trabalhando no dia a dia, para resolver apoio, bugs e etc; e temos um time de inovação, que pode ser tanto interno como externo.
Por exemplo, nosso aplicativo foi feito in house. É nosso. O médico pode consultar para ver a minha criticidade de saúde, ele vê tudo do meu programa.
Estamos trabalhando em um produto chamado Core, também criado pela gente. Vai nos ajudar a fazer todo o gerenciamento, porque no sistema de home care você não pode simplesmente executar situações sem uma autorização. Então, você precisa também de machine learning, de um sistema que vai aprendendo o que precisa de autorização e o que não precisa. Ele também vai entender o que é urgente e o que não é urgente pela indicação do paciente.
8 – Empresa tech à vista
Essa empresa tech, que não colocamos ainda o nome, vamos preparar a plataforma, em espanhol e inglês. Porque a gente acredita que alguns países vizinhos, como o Chile, estão muito envolvidos com a questão da assistência domiciliar. A gente vê que tem essa oportunidade, o envelhecimento populacional. Ele é muito forte no mundo inteiro. As pessoas vão precisar de mais cuidados, de saúde primária, de teleconsulta. E a gente está preparado para tudo isso.
A gente está fazendo uma auditoria de tudo o que pensou para fazer essa empresa tech e que pode ser ofertado para alguém que tem outras dores. Queremos fazer esse produto modulado. Porque, se você tiver uma dor, num determinado setor, seja distribuição, seja na hora do cuidado, pode pegar uma parte do módulo. E aí a gente vai usar software house, desenvolvedores internos e outras empresas. Vamos somar esforços. A gente está pensando muito nisso.
9 – LGPD na área de saúde
A gente já tem consultoria também para trabalhar dentro da LGPD, que é um grande desafio para a área da saúde, pelos diversos atores que atuam dentro do mesmo caso. A gente precisa compartilhar informações entre as equipes multidisciplinares, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas. Precisa haver uma convergência.
Tudo isso já está sendo feito dentro de uma plataforma, onde teremos segurança dos dados e autorização do paciente. Onde a gente possa tratar o caso do paciente com mais cuidado e de uma forma que essa discussão possa existir de uma maneira também virtual.
10 – Mulheres líderes
A mulher, quando tem cargo de liderança, é mais sacrificada. Porque os filhos, as esposas, compreendem que o pai, o marido, está muito ocupado. Mas quando a mãe está muito ocupada, isso é muito mais cobrado. A mulher precisa se fortalecer internamente para entender que será mais cobrada, que tem que segurar essa carga, mas que tem essa possibilidade de fazer. Porque hoje a gente encontra mulheres incríveis, liderando coisas incríveis.
Eu tenho uma liderança da empresa muito forte feminina. Praticamente, todo mundo que está me apoiando é mulhere. A gente tem poucos homens. A empresa tem 20% de homens e 80% de mulheres.
Comecei o negócio com três sócios, eu era a quarta. Três desistiram, porque o negócio é realmente bem puxado e requer muita dedicação. Então, acho que é uma decisão pessoal. A gente não precisa criar cotas. Não precisa dizer que a mulher precisa ter essa posição. Ela vai alcançando dia a dia essa transformação.
Texto: Ana Letícia da Rosa
Foto: divulgação
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