Tecnologia

IA generativa demanda curadoria e acompanhamento constante, diz CEO da Atos

Denize Bacoccina

Um bom projeto de inteligência artificial generativa depende não apenas de um ótimo modelo inicial, mas de uma curadoria constante para verificar se as premissas utilizadas inicialmente continuam válidas. Essa, na avaliação de Nelson Campelo, CEO da Atos na América do Sul e com mais de 30 anos de experiência em empresas de tecnologia, deve ser uma preocupação constante de empresas que estão usando IA generativa em seus projetos.

“A IA generativa demanda uma atualização constante da base na qual você vai buscar as informações. Temos que fazer um acompanhamento ativo da qualidade do modelo de inteligência artificial que já foi desenvolvido”, diz ele. Para automatizar esse monitoramento, a Atos desenvolveu o que batizou de “modelos juízes”, ferramentas de IA que acompanham os resultados e verificam a validade do modelo.

Ele não concorda com o temor de alguns analistas de mercado sobre uma possível bolha devido ao excesso de investimentos em IA generativa, mas diz que existe sim um descompasso entre o retorno esperado e o tempo necessário para ter o resultado do investimento. “A expectativa de retorno no curto prazo talvez esteja demasiadamente alta. Em tecnologia, o investimento vem naturalmente antes do resultado”, afirma. Mas ele é otimista sobre os resultados, uma vez que se dê o tempo necessário para o desenvolvimento da tecnologia.

CEO da Atos na América do Sul desde 2019, ele é também responsável pelas operações na Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru e Chile, e comandou um crescimento de 15% ao ano na companhia desde que assumiu a posição.

[EXP] – Quais são as áreas de atuação da Atos?

Nelson Campelo – A Atos é fundamentalmente um integrador de tecnologias. Atuamos como um chef de cozinha, pegando os diversos ingredientes para integrá-los e apresentar uma solução para os nossos clientes. Essas funções variam de acordo com o tema, mas fundamentalmente tomamos conta das operações críticas dos clientes, garantindo que não haja falta de continuidade nos serviços.

Um exemplo é o atendimento aos clientes usando tecnologia, inclusive com inteligência artificial, para garantir que tudo funcione de acordo com o que foi planejado. Outro exemplo são os sistemas que gerenciam todas as operações de um cliente. E como a nossa base é fundamentalmente de grandes empresas, estamos falando de ambientes extremamente complexos, com diversas integrações. É preciso fazer a manutenção constante desse ambiente para garantir que nada dê errado. Vou dar um exemplo. As nuvens públicas dependem de aplicações que muitas vezes têm atualizações, e essas atualizações impactam nas aplicações conectadas a elas, porque tudo é feito por meio de APIs. Ao fazer essas atualizações, é preciso estar muito atento para garantir que não haja descontinuidade. Tivemos recentemente um exemplo global de uma atualização numa aplicação de segurança que causou transtornos em muitos clientes dos mais diversos tipos e segmentos.

Nesse caso que você menciona, que foi um pouco antes da abertura das Olimpíadas e causou um apagão em muitas empresas, qual foi a área de atuação da Atos?

Corrigindo e fazendo com que os servidores voltassem à tona. A Atos é o grande integrador de tecnologia das Olimpíadas, temos esse acordo há mais de 30 anos. Foi um grande teste, e conseguimos fazer com que o ambiente voltasse num tempo mínimo.

Nós também somos um grande advisor dos clientes para antecipar tendências. Por exemplo, em uma aplicação que já está consolidada, muitas vezes usando tecnologias que não são as mais atuais, a gente propõe a modernização dessas aplicações. Nos últimos anos houve muita migração dos ambientes proprietários ou on premises para nuvens públicas. E além da migração da infraestrutura, é preciso fazer a migração das aplicações, algumas precisam ser reescritas.

Vocês fazem essa reescrita?

Sim, para tirar o máximo proveito da tecnologia mais atual. No ambiente on premises, os computadores estão dedicados para aquela aplicação. No ambiente em nuvem, a empresa paga pelo uso, por isso é preciso fazer a otimização não só do ponto de vista do desempenho, mas também de custos. Muitas empresas que não fizeram isso chegaram à conclusão de que, na verdade, a migração para nuvem aumentou o custo, ao invés de reduzir, porque muito provavelmente não modernizaram as suas aplicações.

E qual é a situação que temos hoje no mercado em relação a isso? Ainda existe essa vulnerabilidade na migração ou as empresas já fizeram essa atualização?

Tem muita coisa ainda pra se fazer. As grandes empresas têm ambientes muito diversos. Algumas já usam nuvens públicas em ambientes multicloud e precisam de uma gestão para que cada aplicação seja direcionada para a nuvem com melhor desempenho e menor custo. Por exemplo, neste momento existe uma grande proposição da própria SAP de uma versão que vai estar em nuvens públicas. Estamos fazendo alguns projetos desse tipo e muito ainda serão feitos, porque em alguns anos a SAP vai deixar de dar a manutenção nos ambientes que não estão em nuvem.

Ou seja, a migração para a nuvem vai ser obrigatória.

Não é obrigatória, mas para tirar o máximo proveito das funcionalidades novas, utilizando ferramentas de inteligência artificial, somente nesses ambientes em nuvem mais atualizados. Então temos aí um boom de migrações de ambientes da SAP por vir.

Isso quer dizer que você está otimista com o mercado?

Sim, e também estamos crescendo aqui no Brasil em torno de 15% ao ano nos últimos cinco anos. Tivemos um crescimento bastante acelerado e a satisfação dos nossos clientes é bastante alta, o nosso Net Promoter Score é 9,5.

E o curioso é que o índice de satisfação dos clientes aumentou proporcionalmente ao aumento do índice de satisfação interna, que é algo em que a gente investe bastante. Eu gosto muito desse tema da cultura das empresas e nas empresas de tecnologia isso é fundamental, porque tem mais demanda do que profissionais. Obviamente tem que ser competitivo nos salários, nos pacotes de remuneração, e ter um ambiente que os profissionais se sintam muito bem. Nesse último ano, nós entramos na lista das melhores empresas de TI para se trabalhar aqui no Brasil [GPTW Tecnologia 2023]. Isso mostra que há uma correlação entre a satisfação interna, a satisfação dos clientes e os resultados financeiros.

Como você falou, há falta de profissionais qualificados no mercado de TI, e não só no Brasil. Como vocês fazem para atrair e como formam os profissionais?

 A gente atua de diversas formas. Primeiro, buscando uma cultura de colaboração muito forte, com uma comunicação muito fluida, transparente, com diversidade, respeito pelas pessoas. Isso é algo que você tem que fazer de maneira genuína e demanda esforço, tempo, atenção do Comitê Executivo. Não é um tema de RH, é um tema de toda a liderança. E nós formamos muita gente. O nosso programa de estágios hoje é mais concorrido que vestibular de Medicina. Formamos pessoas e profissionais não só com os skills técnicos, mas também com os chamados soft skills, para desenvolvimento dos profissionais jovens e com alto índice de contratação ao final do estágio.

Como vocês têm trabalhado os projetos de inteligência artificial?

Temos vários projetos utilizando inteligência artificial e inteligência artificial generativa, e uma coisa que nos preocupa bastante é a perenidade dos projetos. A IA generativa demanda uma atualização constante da base na qual você vai buscar as informações. À medida que essas informações ou esse contexto mudam, como se faz a curadoria desses modelos? Temos que fazer um acompanhamento ativo da qualidade do modelo de inteligência artificial que já foi desenvolvido. Já vimos casos em que um modelo de IA deixa de ser utilizado porque a base de dados está desatualizada.

E como funciona essa curadoria?

O objetivo da curadoria é alinhar fundamentalmente o resultado com a expectativa. Ela garante que os modelos de IA generativa estão se comportando conforme o esperado, sem desvios. É garantir que, acompanhando os resultados, se façam correções de rumo, que podem ser por meio de uma consultoria com pessoas ou por meio de modelos juízes. Os modelos juízes são ferramentas, também de inteligência artificial, que são desenvolvidos para acompanhar os resultados daquele modelo que foi criado.

É um acompanhamento para saber se as premissas que foram criadas estão sendo seguidas?

Exatamente. Só que em vez de ser um acompanhamento com pessoas, é feito digitalmente, com um modelo, por isso que a gente chama de juiz. Ele fica acompanhando aquele modelo que foi desenvolvido, pra ver se está tendo os resultados esperados.

E esses modelos juízes são implantados desde o início ou a partir de uma certa quantidade de interações que já foram feitas?

Nós discutimos com os clientes hoje em dia essa necessidade desde o início do projeto, mas ele é feito a partir de um certo volume. Existem vários motivos para um declínio do desempenho do modelo, como a mudança na distribuição dos dados. Modelos que foram treinados com dados coletados durante a pandemia não terão o mesmo desempenho com dados coletados pós pandemia. Ou um modelo feito num segmento financeiro, quando há uma mudança na legislação que vai fazer com que as respostas que antes estavam certas, passem a não estarem necessariamente corretas. A curadoria é o acompanhamento dessas premissas de forma constante. À medida que você tem mais e mais modelos de IA sendo implementados, essa necessidade da curadoria vai ser cada vez maior.

Existe um grande volume de investimentos em IA generativa, e até um questionamento no mercado, entre analistas de mercado de capitais, de que esses investimentos estariam superestimados. Você acha que a IA generativa é necessária para todas as empresas ou estamos vivendo um hype excessivo?

Eu acho que, em geral, todas as empresas podem ter ferramentas de IA. Acho que o hype existe no retorno. A expectativa de retorno no curto prazo talvez esteja demasiadamente alta. Em tecnologia, o investimento vem naturalmente antes do resultado. Em outros ciclos de tecnologia, como a internet, tivemos um crescimento exagerado de investimentos, aí houve uma bolha, algumas empresas não se deram tão bem, mas o fato é que a internet se mostrou algo absolutamente necessário, ninguém vive sem hoje em dia.

Depois houve todo o processo de transformação digital das empresas e aconteceu algo semelhante. Houve um investimento grande no início e os resultados vieram ao longo do tempo. Eu acredito que com inteligência artificial vai acontecer da mesma forma. Talvez a velocidade esperada versus a velocidade real seja o grande tema. Mas, usando o termo de Wall Street, eu sou bullish (otimista) com as empresas associadas à inteligência artificial no médio e longo prazo.

Uma coisa que a gente sempre fala aqui no Experience Club é sobre a formação continuada dos próprios executivos, uma coisa fundamental nesse momento de grande inovação no mercado. Como você se mantém atualizado?

Eu vou muito a cliente, e com isso acho que a gente consegue identificar necessidades, fica sabendo o que está acontecendo em cada segmento de mercado. Isso é uma coisa importante. Eu também me atualizo muito conversando com o nosso pessoal, dos estagiários aos nossos líderes. E obviamente com muita leitura, muita conversa com meus pares também. Tive a honra de entrar para o conselho da Brasscom (entidade que reúne as empresas de TI) e estar junto com pessoas que me inspiram, colegas meus de indústria, também é muito importante, é uma troca muito positiva.

Tem algum livro que você está lendo ou leu e recomenda?

Eu sou um leitor ávido. Estou lendo recentemente um que foi feito pela McKinsey, que é uma coletânea de conversas de diversos CEOs, tem vários aprendizados ali. Organizações Exponenciais é um clássico também, que fala sobre como a gente dá grandes saltos. When the Cultures Collide, que fala sobre culturas de negócios em diversos países. Nos meus jobs anteriores, eu viajei muito, para mais de 50 países, e sempre tive esse livro como uma bíblia sobre como interagir com as pessoas. Cada cultura é diferente, é preciso saber se adaptar.

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