Lead with a story
Como o storytelling, ou a arte de reunir, criar e contar histórias, tem capacidade de mobilizar equipes, difundir a cultura corporativa, incrementar inovação e criatividade e, quase como num milagre, fazer o colaborador gostar do que faz
Ideias centrais:
1 – Storytelling, ou o processo de contar histórias, é uma ferramenta poderosa de negócios. Organizações bem-sucedidas como Microsoft, Nike, Motorola, 3M e Berkshire Hathaway, entre outras, se utilizam desse recurso para fixar aprendizados, melhorar suas práticas administrativas e disseminar a cultura corporativa.
2 – A efetividade do storytelling, que desde os anos 1990 vem retomando status como ferramenta indispensável na gestão de negócios, é oriunda de sua própria simplicidade (contar histórias prescinde de grande conhecimento técnico) e de sua durabilidade (histórias envolventes são facilmente memorizadas e replicadas);
3 – Através de imagens simples, metáforas, personagens e descrições de suas epopeias, o storytelling ajuda na melhor compreensão dos objetivos gerais da organização e na criação de metas intermediárias para atingi-los.
4 – A muito potente capacidade do storytelling de mobilizar, inspirar e se fixar na mente dos colaboradores não é superada por outros expedientes com essas mesmas finalidades; prova-o o código de política corporativa, que virtualmente ninguém na empresa lê, mas que pode ser traduzido com vivacidade por histórias e experiências transmitidas através do storytelling.
5 – Contar histórias, mesmo as de cunho pessoal, é maneira de angariar respeito entre os colaboradores e tornar a liderança mais fluida; fazê-las circular entre os vários departamentos de uma organização é também um modo de levar as melhores práticas de um setor para outro – algo que apresentações visuais, relatórios, gráficos e planilhas raramente conseguem.
Sobre o autor:
O estadunidense Paul Smith se tornou uma das grandes autoridades do storytelling aplicado à gestão de negócios. Alem de “Lead with a story”, ele já publicou “Sell with a story” e “10 stories great leaders tell”. Formado em economia, Smith começou sua carreira na consultoria Arthur Andersen para daí trabalhar duas décadas na Procter & Gamble, onde ocupou posições distintas de liderança. Hoje atua como consultor de empresas como Google e HP.
O livro:
Dividido em 21 capítulos, traz ainda um interessante apêndice com índice onomástico e modelos práticos para que o próprio leitor crie histórias, “Lead with a story“ foi concebido em cinco grandes grupos temáticos – “envision success” (visualize o sucesso), “creat an environment for winning” (crie um ambiente para vencer”), “energize the team” (energize o time), “educate people” (eduque pessoas”) e “empower others” (empodere a galera). Os capítulos possuem uma estrutura comum que se repete de maneira muito eficiente e serve como metalinguagem para o tema central – o storytelling.
Cada capítulo sempre começa com uma história corporativa modelar que leva a uma conclusão (ou “moral” da história) que tende a ser facilmente memorizada e replicada; ao final, há resumo sistematizado e bibliografia.
Envision Success
Há maneiras eficazes de envolver os liderados nos objetivos gerais da organização, e elas passam por uma história bem contada (e, portanto, como se viu acima, com grande poder de se fixar na memória dos ouvintes).
Uma das narrativas que serve aqui como exemplo é a parábola em que três operários são instados a dizer a um passante o que estão a construir.
Um deles se atém às medidas do muro em edificação, mas o “herói” do relato revela que o que edificam é uma catedral; a ideia então é compartilhar essa visão grandiosa à equipe, criando um ambiente de engajamento.
Outros highlights da seção: com vistas à consecução de um objetivo grandioso, deve-se considerar a criação de metas intermediárias e frequentes, e, junto com elas, o estabelecimento de compromissos exequíveis.
Utilizar parâmetros claros e unívocos do que são os conceitos de sucesso e fracasso é muito desejável, pois isso ajuda a disseminar entre os liderados uma cultura de accountability.
O storytelling é instrumento adequado também para facilitar mudanças, algo que nunca é bem aceito pelas equipes, até por razões de ordem psicanalítica – qualquer mudança, como se sabe, envolve riscos ou ao menos algum tipo de desconforto.
Há maneiras de dobrar essa resistência, criando-se, no limite, um ambiente em que a mudança seja mandatória – Paul Smith utiliza como exemplo a mudança feita na lógica de um caixa eletrônico (ATM) que obrigou o usuário a retirar seu cartão antes de poder resgatar o dinheiro, solucionando o problema: o esquecimento do cartão na máquina.
Fazer com que as visões dos líderes se tornem também visões dos liderados, verdadeiro Graal da administração de pessoas, é outra tarefa que pode ser facultada pelo storytelling.
Utilizar parábolas ou metáforas para fixar uma história modelar de sucesso e ter entendimento pleno do que se está a fazer ou mesmo a se demonstrar numa apresentação (mesmo aquelas comezinhas, de PowerPoint) é igualmente necessário.
O autor ainda sustenta na seção que a todo momento há histórias modelares sendo produzidas, à quente, em diversos setores de uma organização, e elas não devem ser desprezadas.
Pelo contrário, devem ser plasmadas, formatadas como relatos envolventes e contadas aos colaboradores. São boas narrativas relatos de atendimentos criativos a clientes e histórias dos próprios clientes expressas em fóruns, sites e blogs.
Há regras mínimas para a construção de uma história propensa a se perenizar. Contexto, ação e resultado (que o autor trata pelo acrônimo CAR) são elementos fundamentais e devem ser apresentados nessa ordem.
Environment for winning
A cultura organizacional pode se perder a se não houver um modo eficaz de divulgá-la internamente. O storytelling, ao identificar histórias exemplares de como a organização lida com seus colaboradores, responde a essa demanda.
Por outro lado, a maneira como a empresa atua para repreender ou retificar um comportamento inadequado ou abusivo é tão importante quanto contar tais histórias modelares; o storytelling também tem o poder de fixar exemplos entre os colaboradores, algo que o código de política corporativa, por mais liberal que seja, não tem.
Por isso, no intuito de aplicar “for real” o código, é fundamental encontrar histórias reais, com colaboradores reais, de como eles vivenciam ou vivenciaram, na prática, os pressupostos da política corporativa da empresa.
Nada é mais modelar para fixar a cultura organizacional do que histórias dos “valores em ação”. Saber quais são os valores e princípios de uma empresa é importante, mas ainda mais relevante é conhecer – e difundir entre os colaboradores – histórias de como esses valores e princípios são aplicados no dia a dia.
Histórias em que líderes usam de criatividade para demonstrar integridade – o nome usado pelo autor no ato de expressar esses valores – são apresentadas por Smith.
Uma delas é a de um ex-presidente de uma unidade global da P&G que, diante das dificuldades em devolver um caro ingresso da Metropolitan Opera, de Nova York, ofertado a ele por sua posição na companhia, consegue uma maneira de tornar sua cadela Gilda como benemérita do “Met”.
Contar histórias pessoais a pares e liderados pode ser outra excelente estratégia para envolver os times. O pressuposto aqui é que, ao não contarmos passagens de nossas vidas para estranhos – como seriam os colegas de trabalho –, eles permanecem estranhos. Um pressuposto claramente tautológico, mas tudo bem.
Afirmar princípios de diversidade é igualmente importante, mas as histórias que tendem a ganhar mais aderência na corporação não são aquelas contadas pelos responsáveis pelas áreas de diversidade; quando são os líderes de outros setores que demonstram a importância dos times diversos – e como esse cenário ajuda na consecução dos negócios –, muito melhor; mesmo assim, em mercados ou países em que os temas de equidade e diversidade ainda são recentes, contar histórias pessoais de superação de profissionais negros vítimas de racismo, por exemplo, pode ser mobilizador.
A seção ainda se presta a contar que manuais de política corporativa são letra morta. Virtualmente ninguém nas empresam os lêem. Para difundir os valores ali contidos, nada como o storytelling, nada portanto como uma história exemplar – e, de novo, para o bem (resultando em promoções) e para o mal (reprimenda ou demissão).
O comportamento dos colaboradores ao longo do tempo é determinado exatamente por esse sistema de reconhecimento e de punição, mesmo que as razões para isso sejam completamente desconhecidas.
Com o storytelling é possível reforçar o comportamento que se quer ter na empresa.
Energize the team
A seção volta a exibir as virtudes do storytelling como ferramenta de liderança corporativa, com ênfase agora na possibilidade de manter equipes focadas, determinadas, engajadas e, em verdadeiro desafio às leis da probabilidade, entusiasmadas com o trabalho.
A sugestão de Paul Smith aqui é colecionar histórias modelares dentro ou fora do ambiente profissional, contemporâneas ou não, e divulgá-las às equipes.
Vale buscar exemplos no esporte, como o do tanzaniano John Stephen Akhwari, que terminou a maratona das Olimpíadas da Cidade do México, em 1968, mesmo após uma queda no meio da prova que lhe custou um deslocamento de joelho; o atleta não teria viajado de tão longe para abandonar sem mais aquela o que havia se proposto a fazer, eis a lição; vale ainda resgatar histórias que se perderam nas brumas do tempo e aproveitar-se de sua didática.
Na saga da colonização do oeste estadunidense, é a diferença de seus protagonistas que conta: havia os pioneiros que exploravam esses destinos, ficando pouco numa paragem e já partindo para a próxima; e aqueles que efetivamente as colonizavam.
Histórias de persistência na viabilidade de um projeto ou produto, apesar dos prognósticos e números iniciais adversos, também ajudam a engajar equipes. O exemplo modelar do tópico é o do lançamento da batata Pringles, pela P&G, no final dos anos 1960.
A batata conheceu seis anos de declínio vertiginoso de vendas nos Estados Unidos a partir de 1975 e mesmo assim não teve sua produção e comercialização interrompidas. Tais histórias não são incomuns, defende o autor, e provavelmente terão acontecido na própria empresa em que se quer o engajamento dos liderados.
Mitos e histórias dignas de antologias da literatura infanto-juvenil podem ser úteis no relacionamento com os times. O autor mobiliza o mito do gigante que assustava um vilarejo apenas com sua voz; finalmente desafiado por uma mulher, ele acaba se revelando um ser irrisório, do tamanho de um dedal. A moral desse mito aplicada ao dia a dia corporativo: o medo do fracasso ou do erro não deve ser empecilho para o arranque de qualquer projeto ou iniciativa.
Por fim, se é difícil por tantas vezes fazer o colaborador ter sentimentos claramente positivos em relação à sua rotina, vale buscar “atalhos”.
Como conhecer as histórias pessoas dos clientes, e, assim, tentar criar empatia entre cliente e colaboradores; deve-se ainda tentar eliminar as, digamos, cascas de banana do dia a dia – e para sublinhar a eficácia do storytelling para a consecução disso, o autor se serve da parábola de uma comandada que sai engatinhando, às escondidas, da enésima reunião de que participava, outra vez chatíssima. O detalhe insólito: a liderada era a filha da chefe que conduzia a reunião.
Educate people
Uma ótima maneira de apresentar às equipes situações em que a tomada de decisão pode levar a consequências muito diferentes é o que Paul Smith chama em “Lead with a story” de “two road stories” – algo que poderia ser traduzido livremente por “histórias da encruzilhada”.
Com elas é possível mostrar casos claros de desfechos bem e malsucedidos. Se essas histórias da “encruzilhada” se servirem de pessoas reais e desafios reais, tanto melhor; na ausência delas, o autor ainda propõe caminhos para criá-las.
Fracasso tem caráter didático. Assim, histórias de jornadas fracassadas não devem ser ignoradas. A sugestão aqui é que líderes relatem seus próprios casos, não só para efeito de mobilização coletiva, mas para ajudar na humanização da liderança.
Uma ferramenta poderosa de engajamento é o feedback, mas diante das dificuldades quase proverbiais que as pessoas têm de recebê-lo, o autor apresenta uma estratégia para que isso se dê sem despertar grande contrariedade.
Deve-se começar o feedback do liderado com um aspecto positivo de sua atuação, buscar a seguir a confirmação de que há um problema a ser enfrentado e ainda fazer uma oferta clara e concreta de ajuda, entre outros passos.
Mesmo assim, os destinatários desses feedbacks podem permanecer completamente obtusos e interditados, negando-se a reconhecer problemas em suas condutas e performances.
Novamente, o uso de dispositivos do storytelling são amplamente recomendáveis, e o autor não se furta a mobilizar uma parábola bíblica aqui, a história do rei Davi e Betsabá, que ensina que:
a) a soberba de não se admitir que se está a errar é comum e desconhece classes e estamentos;
b) até soberanos podem ser convencidos, ao final, de que cometem erros cristalinos e eloquentes.
Embora tal comando seja trivial e disseminado, pedir para alguém enxergar “fora da caixa” não costuma vir acompanhado de um manual de instruções; para dar conta disso, Paul Smith sugere que os líderes desenhem num papel dois jogos em que é necessário unir nove pontos sem tirar a caneta do papel nem mudar o sentido do tracejado – será mandatário então usar um espaço maior do papel, numa demonstração literal desse pensar “fora da caixa”. É essa a maneira que o autor escolhe para introduzir o tema da resolução de problemas cotidianos do ambiente corporativo.
Soluções heterodoxas passam, por exemplo, por se antecipar aos problemas, evitando-os; resgatar exemplos modelares na ciência, mais até do que na narrativa corporativa, pode estimular equipes a buscar igualmente essas soluções; e caso os problemas apresentem-se complicados e aparentemente intransponíveis, vale reduzi-los e dividi-los em pequenos segmentos, em movimento semelhante àquele ensinado pelo filósofo René Descartes em sua procura pelas famigeradas ideias claras e distintas (o método do iluminista entra aqui por pitaco deste comentador; não está em Smith).
Finalmente, nem sempre é fácil identificar problemas. No que toca ao consumidor insatisfeito por conta de atendimento ou prestação de serviço inferior, deve-se compensar esse cliente de alguma forma – e simultaneamente buscar solução para o fato gerador dessa insatisfação, sintoma de uma disfunção interna perigosa.
Os consumidores são, aliás, manancial de diagnósticos de problemas. Smith propõe que os líderes e suas equipes regularmente os visitem e os ouçam.
Para o autor, os relatos ali ouvidos têm maior poder de mobilização do que os números e dados frios de pesquisas e relatórios internos.
Empower others
Decisões contraintuitivas e eventualmente em desacordo com o cânone organizacional são em certas situações as mais adequadas.
Assim, vale contar histórias que explicitam o uso dos “instintos” na produção dessas decisões, na palavra usada por Smith. A lição implícita: servir-se do próprio julgamento é muitas vezes necessário, mesmo que em divergência com a direção.
Para encorajar a criatividade e a inovação dos comandados, esteja municiado de histórias que demonstram que os progressos que a sociedade alcançou em diversas áreas vêm de uma postura curiosa e mesmo irreverente.
Alguém naqueles momentos certamente se valeu da formulação “e se” – “e se em vez de ter feito assim, fizéssemos assim” etc. Fazer essa pergunta simples e poderosa é tão potente quanto perguntar “por quê?”.
É importante ainda ter em mente que a inovação não está exclusivamente na criação de um novo bem, produto ou serviço, mas às vezes na reformulação da tarefa que ao final irá gerar esse mesmo bem/produto/serviço. Ele pode ter surgido há uma cara, mas agora pode trazer menos custos e mais benefícios para seus criadores.
Por fim, envolver setores da empresa com a área de vendas, e fazê-lo por meio do storytelling, é estratégia vencedora para alcançar melhor performance. O exemplo escolhido por Smith novamente vem da P&G e mostra como o setor de compras de uma unidade da transnacional na Costa Oeste dos Estados Unidos passou a negociar melhor com os fornecedores depois de travar contato (isto é: ouvir histórias) com líderes das áreas de vendas.
Ficha técnica:
Título: Lead with a story – A guide to crafting business narratives that captivate, convince and inspire
Autor: Paul Smith
Primeira edição: HarperCollins (selo Amacom Books)
Imagens: Freepik
Resenha: Paulo Vieira
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