“O discurso da meritocracia coloca a responsabilidade na população negra ou nas políticas públicas”
Luana Ozemela, CEO da DIMA, diz que a narrativa da igualdade de oportunidade é insuficiente, uma vez que o racismo é estrutural
A gaúcha Luana Ozemela cresceu em uma família de ativistas negros em Porto Alegre. Participou ativamente da militância na juventude, até que percebeu que precisava ir além. “Eu abri um jornal e tinha uma matéria sobre porque não deveria existir cotas raciais. Havia uma explicação econômica e eu não entendi nada. Me dei conta de que se eu não dominasse a narrativa de economia ia ser mais difícil fazer meu ativismo”, conta.
Luana se formou em economia, virou PHD com estudos voltados para a questão racial e de gênero, e hoje é CEO da DIMA, uma consultoria em desenvolvimento econômico e social. “Eu sempre me descrevo como uma ativista que virou tecnocrata, uma tecnocrata que virou empresária e que agora está virando investidora”, diz.
Hoje, a Luana empresária enxerga novos caminhos para a equidade racial: a dimuição da desigualdade, o fomento do empreendedorismo e a promoção de profissionais negros em cargos mais altos. Falar de desigualdade pode até parecer óbvio, mas a narrativa de instituições públicas e privadas é que esse não é um problema. “O discurso da meritocracia realmente é perverso porque coloca a responsabilidade na população negra ou nas políticas públicas de resolver o problema. E isso a gente sabe que é uma falácia”, afirma.
Para Luana, a narrativa da igualdade de oportunidade é insuficiente, uma vez que o racismo é estrutural. Portanto, dar somente o acesso à educação e ao trabalho não vai necessariamente resolver a questão. “Se existe racismo, significa que existe um estoque de desigualdade e existe um fluxo de desigualdade. Todo dia a desigualdade se reproduz, é criada. Então, não basta resolver o estoque, tem que parar o fluxo”, explica.
Se o fluxo é interrompido, novas oportunidades são criadas, barreiras são superadas e as empresas podem talvez começar a adotar a meritocracia como régua. Enquanto isso, esperar que os problemas se resolvam unicamente com o esforço dos profissionais negros e que eles cheguem pelos meios tradicionais é isentar a responsabilidade do mundo corporativo nessa transformação.
O caminho então é, além da educação, acesso a investimento, educação financeira e conhecimento do processo econômico. “O papel da B3 (Bolsa de Valores brasileira) é crucial, sem dúvida. A Nasdaq, por exemplo, instituiu o relatório obrigatório das informações sobre diversidade do conselho das empresas de capital aberto”, conta Luana.
Além das empresas já estabelecidas, outras precisam de um empurrão para alavancar os negócios. Hoje existem 13 milhões de afro-empreendedores na América Latina, mas os investidores brancos dizem não entender desse mercado, ainda que ele tenha força e esteja cada vez mais em ascensão.
Muitos encaram o empreendedorismo preto apenas como pequenos negócios ou até negócios de sobrevivência. De novo, o racismo estrutural impede um olhar para o potencial das startups. “O empreendedorismo negro remete a algumas pessoas àquela imagem da senhora vendendo cocada na beira da praia e não para o menino que se graduou na FGV e está criando uma healthtech. É o imaginário que historicamente esse estoque de desigualdade ocasionou”, afirma Luana.
Mudar essa percepção e esse cenário com estudos e dados é o que Luana vem fazendo desde que entrou na faculdade. Para ela, é preciso colocar todas as cartas na mesa e resolver a questão de maneira global. Por isso, é fundamental que as empresas assumam suas responsabilidades nessa jornada, para que a diversidade não seja só um discurso sem ações efetivas. “Eu sempre digo que o discurso da meritocracia é muito preguiçoso. Quando uma empresa coloca isso como a razão de não conseguir pessoal qualificado, esse argumento nunca vem acompanhado de um dado estatístico demonstrando que existe evidência de que isso é o problema. E quando a gente olha para evidência, vê que não é bem assim”, conclui.
Texto: Juliana Destro
Foto: divulgação
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