O que as ações afirmativas estão afirmando e com quem estão falando?
O retrato mostrado nos comerciais é bem bonito, mas faltam consistência e comprometimento das altas lideranças para garantir a evolução profissional de pessoas e grupos minorizados nas empresas
Por Gustavo Glasser
A inclusão nos espaços de poder – abarcando os ambientes corporativos – deve ser um caminho para quebrar barreiras e reescrever algumas das regras que não condizem mais com a sociedade que precisamos construir. Entretanto, essa jornada tem gerado contrassensos que mais atrapalham do que ajudam nesse processo. Estou falando das ações afirmativas rasas que têm sido conduzidas por executivos de diferentes companhias. Delas fazem parte, inclusive, os grupos de diversidade que, como eu trouxe no artigo anterior, são criados como verdadeiros parquinhos para que os grupos minorizados brinquem de inclusão, enquanto os homens brancos sérios se ocupam do que é “realmente lucrativo e importante”.
Com a Carambola, tenho acompanhado de perto o desenrolar dessas ações afirmativas, e uma conclusão se formou de maneira bastante clara: não está adiantando. Não vejo a evolução profissional de pessoas de grupos minorizados, que foram contratadas, dentro das empresas. Esse tipo de programa de diversidade não está surtindo os efeitos que desejamos e de que precisamos como sociedade. Claro que o retrato mostrado nos comerciais produzidos por essas empresas é bem bonito. Mas, faltam consistência e comprometimento das altas lideranças; algo que faça esse ponteiro subir em direção a uma mudança concreta no perfil das empresas – especialmente as de tecnologia.
As áreas de Recursos Humanos, Sustentabilidade, Diversidade e Marketing estão insistindo em modelos arcaicos de inclusão e diversidade – e isso passa pelas tais ações afirmativas. Vamos fazer a semana da diversidade? Vamos contratar uma palestra sobre racismo e distribuir livros sobre o tema? Vamos criar um grupo de afinidades para reunir todos os negros contratados em uma salinha confortável e com ar-condicionado? E o que não é confortável, onde a gente coloca? Debaixo do tapete corporativo? Quando vamos falar de diversidade na mesma frase e na sala em que abordamos as barreiras de promoção de mulheres, negros, pessoas com deficiência, funcionários com mais de 50 anos e LGBTQIA+?
Promover a diversidade é abraçar o desconforto, que, aliás, as ações afirmativas inconsistentes não vão fazer sumir. E qual é o melhor caminho a seguir? Em uma perspectiva bastante pragmática, a melhor conduta é saber onde está o problema dentro de cada empresa. O que quero dizer é que não adianta somente contratar – visando à diversidade e inclusão de grupos minorizados –, se não entendo, internamente, quais são as barreiras para que essa contratação seja boa para a empresa, para os contratados e para todos os funcionários.
Para serem efetivamente diversas, as empresas não podem parar de fazer perguntas inconvenientes. Quais são as ações internas efetivas que essa contratação deve acompanhar? Como treino, internamente, esses profissionais? Como vou lidar com a resistência interna e externa – leia-se clientes conservadores –, quando o meu funcionário for confrontado pela cor da sua pele ou orientação sexual? Ações afirmativas são um início de conversa! É preciso abrir o diálogo e falar sobre o impacto da rejeição na saúde mental desse profissional; quais políticas e benefícios internos falam diretamente às necessidades dessa pessoa; como ela se sente na hora do almoço, quando o tema é a universidade de ponta frequentada pela maioria branca ou a viagem ao exterior realizada anualmente…
O processo real é complexo, embora muitos executivos afirmem que trazer diversidade para a empresa é algo simples, quase trivial. Fico sempre muito assustado com essa certeza, porque sei de mulheres trans que estão apanhando em banheiros do seu local de trabalho. Sim. Um ambiente corporativo diverso, mas hostil. Somente quando abraçarmos a complexidade do processo e formos honestos no propósito de incluir, estaremos no caminho certo.
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