Onde está a convergência em tempos de incerteza?

Dani Graicar
No Festival desse ano, Meredith Whittaker, uma das vozes mais influentes na defesa da privacidade digital e presidente da Signal Foundation, e Jay Graber, líder do Bluesky, demonstraram a força feminina na tecnologia. Mas uma outra sessão em especial continua reverberando na minha mente: a conversa entre a psicoterapeuta e especialista em relacionamentos humanos Esther Perel, a futurista e estrategista Amy Webb e Frederik Pferdt, ex-Chief Innovation Evangelist do Google, que tentava participar à altura das duas gigantes na sala.
A proposta inicial do festival era uma conversa entre Esther e Peter Attia, gravando para o delicioso podcast “Where Should We Begin”. Esther é minha pessoa favorita no festival e tive a sorte de estar lado a lado com ela, conversando dois dias antes desse painel, exatamente quando ela soube que Peter não poderia mais ser entrevistado, por questões pessoais. Mas a solução encontrada não poderia ter sido melhor. Esther promoveu um curioso debate sobre o futuro desejado em tom de terapia de casal (sua especialidade), e a conversa escancarou questões complexas.
Se muitas das palestras e painéis desse ano foram mornos, esse trouxe tensão e intensidade. De um lado, Frederik defendia que cada um de nós é responsável pela própria felicidade e que “aquele que sabe agradecer e ser gentil vai transformar o seu próprio futuro, o dos outros e o mundo”. Em tom de paz e amor, ele completou: “O futuro não é o que acontece com você. É o que você faz acontecer.”
Na outra ponta, a pragmática e ultraplanejada Amy se contorcia na cadeira, defendendo que “contra dados não há argumentos” e que “o futuro não pertence a cada um de nós e sim às circunstâncias”. Ela ainda destacou: “Um futuro desejável é aquele no qual as pessoas participam ativamente, baseando-se no que se sabe ser verdade hoje, reconhecendo o que pode e o que não pode ser controlado.”
A hábil Esther tentava encontrar a intersecção entre os dois pontos de vista e ainda provocou Amy com uma alfinetada certeira: “Como você consegue contar pra uma plateia gigante nesse festival que seremos substituídos por robôs sem sentir nada e eles ainda te aplaudem?”
Marte X Vênus, sensibilidade X dados, leveza X intensidade… A conversa acabou sendo um presente para a plateia do SXSW e me fez refletir sobre como é cada vez mais difícil nos comunicarmos com quem pensa diferente. Essa complexidade é ainda maior em tempos de incerteza, quando nenhuma verdade parece absoluta.
O Trust Barometer apontou, no ano passado, que 32% dos brasileiros acreditam que não vale a pena tentar conversar com pessoas que tenham visões políticas diferentes das suas, superando a média internacional. Além disso, 80% apontam que a falta de respeito mútuo cresceu no país. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil; cresceu também nos EUA e no mundo. Vivemos uma polarização jamais vista, marcada por intolerância religiosa, política e simplesmente ao diferente.
Esse painel revelou um microcosmo das relações amorosas, onde as visões sobre um mesmo tema vivido pelo casal podem ser totalmente antagônicas. Também foi um retrato da incapacidade humana de buscar convergência em tempos incertos.
Vale ouvir o podcast, quando sair. Mas sempre com a ressalva de que a linguagem corporal da Amy era um episódio à parte, tamanho seu desconforto.
Dani Graicar é fundadora e CEO da agência PROS. Jornalista de formação e empreendedora por vocação, Dani abriu aos 19 anos sua primeira agência de Relações Públicas, seguida de outras dez empresas. Hoje, além de liderar uma equipe de mais de 100 pessoas na PROS, está à frente do Movimento Aladas, em apoio ao empreendedorismo e liderança feminina. Tem pós-MBA em Conselho de Administração, especialização em gestão e é uma das diretoras do selo WOB – Women on Board.
-
Aumentar
-
Diminuir
-
Compartilhar