“Os líderes precisam se preparar para o novo mundo com IA”
Segundo Kai-Fu Lee, CEO da Sinovation Ventures e ex-presidente do Google na China, a IA e a automação irão eliminar 40% das tarefas de trabalho até 2033
A entrada da inteligência artificial nas empresas e na indústria irá transformar de forma definitiva o modelo de negócios das organizações. Se por um lado o uso eficiente da IA irá gerar US$ 15,7 trilhões para a sociedade até 2030 – segundo estimativa da PwC – por outro deverá eliminar até 40% das tarefas de trabalho até 2033. E isso irá causar um importante impacto nas funções e habilidades demandadas de lideranças em um futuro próximo.
Essa revolução, atualmente em curso, foi apresentada, em 2018, no best seller AI Superpowers – China, Silicon Valley e a Nova Ordem Mundial, escrito por Kai-Fu Lee, ex-presidente da Google na China e atual CEO da Sinovation Ventures, empresa de capital de risco chinesa. Agora, em seu mais novo livro, AI 2041: 10 visões do futuro, o executivo, que copreside o Conselho de Inteligência Artificial do Fórum Econômico Mundial, parte do amplo conhecimento que tem do assunto para explorar, em uma obra de ficção científica, o impacto revolucionário que a IA terá não só sobre empresas, mas sobre toda a sociedade.
Lee será o palestrante principal do Experience Lab “Quando a A.I. vai dominar o seu negócio?”, evento on-line que acontece no próximo dia 25 de novembro, às 11h. Em entrevista ao Experience Club, o especialista fala sobre as novas habilidades que um líder precisa desenvolver para manter sua empregabilidade no futuro, as áreas em que o ser humano ainda não será substituído pela automação, os riscos e vulnerabilidades do uso da AI nos negócios – e como se proteger delas.
Em seu livro AI Superpowers, você prevê que 40% das tarefas de trabalho poderão ser feitas por IA e automação até 2033. De que forma os líderes devem se preparar para isso?
As previsões que fiz em AI Superpowers já se tornaram realidade. Agora, devemos olhar além, na medida em que a adoção da inteligência artificial cresce.
Apesar de haver muitos aplicativos e cenários empolgantes em que a IA poderá melhorar nossa sociedade, ela inevitavelmente trará problemas relacionados à perda de empregos para os humanos.
Até agora, a inteligência artificial só se infiltrou em 10% das indústrias. Portanto, os líderes ainda têm tempo para se preparar para essa eliminação gradual do ser humano em certos empregos e setores.
Considerando esse cenário, quais as habilidades que podem ser desenvolvidas para melhorar a empregabilidade no futuro?
Existem áreas nas quais as pessoas podem focar para melhorar sua empregabilidade no futuro. Elas podem desenvolver habilidades pessoais em áreas onde a IA é fraca, como criatividade, análise, conhecimento interdisciplinar, compaixão, comunicação, empatia e trabalho em equipe.
As pessoas podem aprender a usar ferramentas de IA dentro das indústrias, para se manter na vanguarda da mudança, ao invés de se agarrar “ao modo como as coisas eram”.
E podem investir nas três tecnologias-chave que irão reduzir os custos da maioria dos bens para perto de zero e libertar as pessoas da rotina: energia, materiais e automação.
Esta previsão também terá um impacto mais contundente em países em desenvolvimento, como o Brasil. Como lidar com isso?
É importante que os líderes se dediquem a entender o potencial da revolução desta tecnologia e estejam em posição de distinguir entre os riscos genuínos desta revolução e os mal-entendidos que às vezes cercam o tema. Se de um lado a IA tem um potencial de criar uma eficiência sem precedentes, também pode gerar problemas profundos na sociedade.
É fato que os empregos que terão mais risco de automação pela IA são os rotineiros e de nível básico e que isso irá exacerbar os desafios existentes na sociedade. Os pobres se tornarão mais pobres e o desemprego pode gerar uma agitação social.
Como esses governos e seus líderes devem agir para se preparar para este cenário?
Os governos devem procurar abordar essa problemática de frente e planejar com bastante antecedência para evitar possíveis impactos negativos na sociedade. Governos e líderes devem procurar acelerar a criação de empregos resistentes à mudança, oferecer aconselhamento de carreira e treinar pessoas para as profissões que têm menor probabilidade de serem substituídas. Essas medidas devem dar equilíbrio à oferta e demanda e apresentar oportunidades de imaginar o futuro com a IA.
Na sua opinião, que áreas ou funções continuarão a ser desenvolvidas por humanos?
Há muito conhecimento sobre o que a IA pode fazer melhor do que os humanos, mas é importante destacar também o que ela não pode fazer tão bem. Embora existam certamente trabalhos que correm o risco de se tornarem obsoletos graças à IA, outros estão seguros – pelo menos por enquanto.
Haverá também novas oportunidades de atuação entre humanos e IA e é nesse campo que as pessoas podem começar a se preparar agora.
Com base em minha experiência, são três as áreas em que a IA fica aquém da capacidade humana e é improvável que consiga fazer isso nas próximas décadas:
- Criatividade – a IA não pode criar, conceituar ou planejar estrategicamente. Embora ela seja ótima em otimizar um objetivo específico, ela é incapaz de escolher suas próprias metas ou de pensar de forma criativa. A IA não pode selecionar uma determinada área de conhecimento e aplicá-la em diferentes domínios nem usar o bom-senso;
- Empatia – a IA não pode sentir ou interagir usando emoções como empatia e compaixão. Ela não pode fazer com que uma pessoa se sinta cuidada ou compreendida pela tecnologia. Também não consegue motivar alguém. Mesmo que desenvolva essas habilidades, é improvável que uma pessoa queira interagir com robôs em serviços que precisam do toque humano;
- Destreza física – A IA não pode realizar um trabalho físico complexo que exija destreza ou coordenação motora, ou lidar com espaços desconhecidos e não estruturados, especialmente aqueles que ela não tenha observado.
Quais os riscos do uso dessa tecnologia?
Existem enormes benefícios com a IA, mas eles vêm com riscos e vulnerabilidades, como o direcionamento negativo, viés parcial de uma situação, violações de privacidade, deepfake [modificações em vídeos, imagens ou sons de forma extremamente realista] e vulnerabilidades de segurança da própria tecnologia.
Embora regulamentações governamentais sejam necessárias, acredito ser igualmente importante buscar mecanismos no setor privado e novas soluções tecnológicas para controlar esses riscos, incentivando as empresas a construir uma AI responsável por meio de autorregulação, ao invés de priorizar o lucro a curto prazo.
Em um mundo ideal, empresários e investidores devem explorar novos ecossistemas que se concentrem em modelos de negócio que alinhem o interesse corporativo em benefício do usuário a longo prazo – como aumento de riqueza, conhecimento ou felicidade –, em vez de comportamento do usuário a curto prazo, como dinheiro gasto pelo consumidor.
Em questões de privacidade, como estabelecer limites saudáveis para a IA?
Para lidar com isso, um novo ramo da computação chamado “computação de privacidade” tenta isolar o uso de dados pessoais somente para dispositivos confiáveis, como por exemplo em seu celular, sem comprometer sua privacidade.
Acredito que ao combinar regulamentações, mecanismos do setor privado e soluções tecnológicas, as vulnerabilidades induzidas pela IA serão endereçadas de forma similar a qualquer outra onda tecnológica que tenhamos experimentado.
Como a estratégia da China de investir maciçamente em IA está mudando o país e sua economia?
A China ocupa uma posição única para liderar o mundo na economia da automação e está atualmente passando por uma enorme mudança no sentido de remover pontos de contato humanos em grande parte de suas operações.
A China está tirando vantagem de sua liderança em automação para responder efetivamente a uma mudança de ambiente de negócios pós-Covid: tudo o que pode ser automatizado com uma boa relação custo-benefício o será, removendo as pessoas do processo. Isso acontece não apenas por questões de lucro e desempenho, mas por saúde e segurança.
A China está conduzindo a automação e a robótica de forma profunda nos negócios e indústrias.
Seu livro AI 2041, escrito em parceria com Chen Qiufan, mostra 10 visões para nosso futuro considerando os prós e contras da IA. Pode nos falar mais sobre a obra?
Meu livro anterior, AI Superpowers, tinha como foco a tecnologia em si e sua ascensão na China. Muitas das histórias de AI 2041 exploram o relacionamento dos humanos com essa tecnologia. Eu queria falar sobre o impacto generalizado da IA sobre a vida das pessoas, desde a diversão até a segurança.
Meu brilhante coautor e eu escrevemos uma obra de ficção científica. Ou seja, uma ficção com bases sólidas e científicas sobre o tema. Passamos quase dois anos trabalhando em AI 2041. Visitamos laboratórios, entrevistando cientistas de IA, empresários e pesquisadores para fazer um roteiro bastante realista para o desenvolvimento da tecnologia nos próximos 20 anos.
Espero que os leitores se divirtam e também achem o livro educativo.
Uma história particularmente interessante do livro é sobre um monarca que quer usar a IA para descobrir o elixir de felicidade. Isso é possível?
No capítulo “Ilha da Felicidade” exploramos essa questão: a IA pode otimizar nossa felicidade? Este é um tema incrivelmente complexo e os leitores verão um resultado ambíguo, que sugere que os esforços de IA para melhorar nossa felicidade ainda não serão realidade até 2041.
A dificuldade está em uma série de fatores, começando com a definição da palavra. O que é exatamente a felicidade? O segundo desafio é como mensurar essa emoção, que é abstrata, subjetiva e individualista. O terceiro problema está em coletar dados suficientes para avaliar este conceito. Finalmente, há a questão do armazenamento seguro destes dados.
Em 20 anos, sabemos que a IA terá feito progressos nessa área e será capaz de medir e melhorar a saúde humana, além de nos ajudar a ter momentos mais felizes. Mas provavelmente não terá resolvido a fórmula da felicidade por completo.
Texto: Monica Miglio Pedrosa
Foto: divulgação
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