“Para prosperar, é preciso se desprender do que não faz bem ao negócio”, diz CEO da Gerdau

Samuel Santos
A crescente importação de aço da Ásia, sobretudo da China, e sua “competição desleal” com a indústria nacional brasileira, foi um dos destaques da fala de Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, durante o CEO Lunch, evento exclusivo do Experience Club Nordeste realizado na sexta, 8 de agosto, no Instituto Ricardo Brennand, em Recife.
Após sua apresentação, ele participou de um bate-papo conduzido por Paulo Sales, Presidente do Conselho de Administração do Grupo Moura. Nessa conversa, Werneck se sentiu à vontade para falar sobre desafios da liderança e os atuais gargalos do setor para uma plateia de cerca de 200 empresários e autoridades, como o prefeito do Recife, João Campos. “É impossível competir dessa forma. Defender a indústria nacional é uma questão de sobrevivência econômica”, afirmou.
O encontro aconteceu em um cenário carregado de simbolismo: a Sala da Rainha, que fica na Pinacoteca do Instituto. O nome é uma alusão à visita da Rainha Beatrix van Nassau-Orange, da Holanda, que visitou o local em 2003. O espaço foi reaberto especialmente para receber um dos principais nomes da indústria nacional, em um diálogo marcado por reflexões sobre liderança, transformação cultural e o futuro do setor.

Gerdau, uma organização viva
À frente da Gerdau desde 2018 — e sendo o primeiro CEO fora da família controladora — Werneck tem liderado uma profunda transformação na companhia, combinando eficiência operacional, digitalização e um olhar humano para os colaboradores. Para o executivo, produtividade e desempenho caminham junto com a atenção à saúde mental.
“Tive ensinamentos valiosos com o doutor Jorge Gerdau, como o de ouvir com o coração e perceber o que não é dito. Trouxemos as pessoas para o centro de tudo e levamos a empresa para outro patamar. Ao notar sinais de depressão e ansiedade, criamos o Programa Mais Cuidado, uma hotline que já impactou positivamente 60 mil pessoas, entre colaboradores e familiares.”
Regras de Ouro da transição de comando
Assumir o comando da Gerdau foi um marco na história da empresa. “Continuar o legado do Jorge Gerdau, em uma companhia de 121 anos e com três membros da família no Conselho, exigiu coragem e disciplina.” Werneck foi chamado em 2017 pelos três filhos do patriarca. Segundo ele, “foi um exercício de humildade do André Gerdau reconhecer que não poderia realizar sozinho a transformação necessária e deixar a empresa ser conduzida por um executivo de mercado”.
Mais do que entregar resultados financeiros, é preciso entregar um legado para a sociedade.”
A decisão vinha acompanhada de um desafio: a alta taxa de insucesso em transições de empresas familiares para líderes externos. “As estatísticas jogavam contra a gente.” Para garantir o alinhamento, foi criado um documento chamado Regras de Ouro, com compromissos assumidos por todos. “Foi um exercício de muita disciplina fazer isso funcionar.”
O apoio de outros líderes também foi essencial. “O João Paulo Ferreira, CEO da Natura, foi instrumental na época.” Mensalmente, Werneck se reunia com os membros da família para manter o diálogo aberto e focado no que era mais importante para o negócio. Houve resistências, inclusive silenciosas, mas a clareza sobre “quem estava dentro e quem estava fora” ajudou no avanço da transformação.

Para ele, o papel do CEO precisa ser ressignificado: “O líder deve ser um facilitador da organização.” Werneck buscou formar equipes com profissionais melhores do que ele em diversas áreas e implementou mudanças que resultaram em zero acidentes graves no trabalho. “Mudamos a forma de fazer gestão. Uma empresa centenária pode carregar aspectos ruins da cultura, e é preciso que todos dentro dela comprem a ideia de mudança.”
Empresas que sempre foram referência para ele, como a General Electric, mostraram que é possível conciliar tradição e inovação. “O desafio está em quebrar resistências internas, especialmente as que não se manifestam de forma explícita.”
Produtividade e desempenho têm relação direta com saúde mental.”
Reinvenção e cultura empresarial
Werneck ressaltou que a grande lacuna das empresas está na produtividade e na contribuição criativa das equipes. Para ele, o papel do CEO é ser um facilitador, criar um ambiente seguro para inovar e permitir que as pessoas não tenham medo de errar.
Ele defendeu a importância de bons mentores, da autonomia dos gestores e do uso da tecnologia — como inteligência artificial e algoritmos de prevenção de acidentes — para alcançar alto desempenho. “Em 2014, o Brasil mudou e a companhia teve que lidar com o endividamento. A pessoa se torna líder quando para de tomar decisões e passa a fazer escolhas. As empresas que vão prosperar são aquelas com capacidade de se desprender do que não faz bem para os negócios”, conta o CEO.
“Concorrência desleal” no setor
Ao comentar o cenário brasileiro, Werneck alertou para a necessidade de proteger a indústria nacional, especialmente diante da concorrência de produtos estrangeiros com preços artificialmente baixos. “Nossa indústria precisa ser defendida, sobretudo a do aço. Não é proteger o setor, mas defendê-lo de uma competição desleal”, enfatizou, referindo-se aos prejuízos causados pelo aumento de importações fora das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Brasil não pode sobreviver sem a indústria, que paga 29% dos impostos federais e 25% da arrecadação previdenciária vem dela. Mesmo assim, o setor vem perdendo relevância. É impossível um país crescer neste contexto.”
Atualmente, a importação de aço da Ásia, sobretudo da China, tem preocupado empresários locais. Em sua fala, Werneck cobrou mais empenho do governo federal para garantir uma concorrência justa, de modo que os investimentos continuem sendo feitos no Brasil. “É impossível competir dessa forma. Defender a indústria nacional é uma questão de sobrevivência econômica.”
Werneck ainda comentou a recente notícia de que a Gerdau reduzirá os investimentos no Brasil nos próximos anos. Segundo o executivo, tratou-se de uma provocação sobre os rumos do setor industrial. “Se o governo não olhar com atenção a indústria de forma geral, as coisas ficarão ruins. A indústria precisa ser defendida, não protegida, como nos EUA, que está passando por uma reindustrialização ao longo dos anos, independente de democratas ou republicanos no governo. Por aqui a indústria vem perdendo relevância e o governo tem dificuldade de entender a importância do setor para o crescimento econômico”, destacou.
O executivo acredita que o país não pode viver sem uma indústria forte e pediu união do setor empresarial para buscar soluções estruturais, desde o acesso ao gás natural até o combate ao crime organizado, apontados como gargalos importantes do setor de aço nacional.
A pessoa se torna líder quando para de tomar decisões e passa a fazer escolhas.”
Edição: Monica Miglio Pedrosa
Fotos: Lucas Moreira
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