O poder da China
Ideias centrais:
1 – Na nova economia digital, a matéria-prima primordial é pessoal bem treinado. O governo chinês lançou, em 2008, o “Plano de Mil Talentos” e já recrutou mais de sete mil pesquisadores e cientistas estrangeiros e chineses fora do país para viver e trabalhar na China.
2 – Impressiona notar que, em 2014, o Venture Capital da China representava 15% de todo o capital investido por VCs em startups em todo o planeta. Três anos depois, em 2017, já representava 31,5%.
3 – O Brasil representa 55% dos investimentos feitos por empresas chinesas na América Latina, entre 2005 e 2018. O Investimento Estrangeiro Direto cumulativo chinês (FDI em sigla inglesa) na América Latina atingiu cerca de 200 bilhões de dólares em 2017. Objetivo: atingir 500 bilhões até 2025.
4 – As duas principais vencedoras da nova economia digital na China são a Tencent e a Alibaba. A norma é que as startups de sucesso optem por operar dentro do ecossistema dessas duas gigantescas empresas.
5 – Em 2019, o Ministério da Educação chinês aprovou 35 universidades para criar curso de inteligência artificial, inclusive as duas principais de Pequim, de Peking e de Tsinghua. Ao todo, 479 universidades da China têm cursos relacionados a big data.
Sobre o autor:
Ricardo Geromel cobre bilionários para a revista Forbes USA desde 2011. É autor do best-seller BI-LIO.NÁR.IOS: o que eles têm em comum além de nove zeros antes da vírgula. Domina cinco idiomas, incluindo o mandarim. Tem ampla vivência nos negócios e cultura da China, o que se reflete nessa obra comentada. É sócio da StartSe, lidera as operações na China, onde vive com a mulher.
Capítulo 1 – As ferramentas básicas para decodificar a China
Parte fundamental da análise da China passa, necessariamente, pelo tamanho de sua população: estimada em 1,4 bilhão de pessoas, cerca de 20% da população mundial. De acordo com o Ministério da Indústria e Informação, 802 milhões de chineses usam ativamente a internet e 98% deles acessam pelos dispositivos móveis (celular, tablets etc.). São 802 milhões de pessoas na internet. Esse número é impressionante? Essa figura é maior que a população inteira combinada dos Estados Unidos (327 milhões), da Indonésia (264 milhões) e do Brasil (209 milhões): os três países mais populosos do mundo, salvo os únicos com mais de 1 bilhão de habitantes, China e Índia.
Outro ponto que é preciso salientar é que investimentos de fundos de capital de risco focados em tecnologia (VCs) chinesa na América Latina foram 30 milhões de dólares em 2015, ano anterior à eleição de Trump. No ano seguinte a essa eleição, os investimentos de VCs chineses na América Latina saltaram para 1 bilhão de dólares.
Enquanto Trump rediscute os acordos internacionais partindo do princípio “America First” (América em primeiro lugar), os chineses nadam nesse vácuo deixado pela superpotência ocidental, usando dinheiro e investimentos para aumentar sua influência ao redor do mundo. O investimento estrangeiro direto chinês (FDI na sigla em inglês) na América Latina atingiu cerca de 200 bilhões de dólares em 2017. A região já é o segundo maior destino para o FDI chinês.
A velocidade com a qual as coisas acontecem na China é algo difícil de processar. Você já deve ter ouvido falar do impressionante e futurista skyline de Xangai, dos prédios da região de Pundong. Em 1990, não havia simplesmente nenhum prédio construído nessa região. Essa imponente região de Pudong impressiona mais que os prédios de Manhattan. Mas o mais marcante é saber que praticamente tudo aquilo foi construído em apenas vinte anos. Essa velocidade de avanço nos dá bastante esperança para o futuro do Brasil e a humanidade.
Outro exemplo da velocidade implacável: a economia norte-americana demorou 117 anos para multiplicar seu PIB 36 vezes. A economia chinesa só demorou trinta anos para atingir tal marca.
O Boston Consulting Group e as gigantes de internet chinesas Alibaba, Baidu e DiDi se uniram para fazer um estudo interpretando as características da economia da internet na China. Uma das conclusões mais impressionantes: enquanto nos Estados Unidos levou, em média, sete anos da data de fundação até a startup atingir o status de unicórnio; na China, a média foi de apenas quatro anos.
Nos Estados Unidos, cerca de 9% dos unicórnios atingiram um valor de mercado de 1 bilhão de dólares em menos de dois anos de fundação da empresa. Na China, quase metade – aproximadamente 46% — de todos os unicórnios atingiu essa valuation em menos de dois anos.
Não são apenas obras governamentais que acontecem em velocidade chocante. A melhoria de vida das pessoas também acontece em ritmo aceleradíssimo. Em breve, a China será lar para 400-600 milhões de pessoas da classe média – ninguém sabe o número exato, até porque não há definição precisa do termo. De acordo com o Banco Mundial, a classe média chinesa saltou de 2% da população (29 milhões) para 39% (531 milhões) em 2013. A maior e mais veloz ascensão da história da humanidade.
Antes de a China entrar para a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, apenas 2% das quinhentas maiores empresas do mundo eram chinesas. Em 2017, esse número saltou para 22%. Em 2019, pela primeira vez na história, a China desbancou os Estados Unidos no famoso ranking das quinhentas maiores empresas do mundo compilada pela Forbes.< /em>
Sobre a competitividade e horas diárias trabalhadas dos chineses convém citar o número mágico: 996. Nas empresas de tecnologia da China, a norma é o 996:
9: 9 da manhã é quando as pessoas chegam ao escritório.
9: 9 da noite é quando as pessoas saem do trabalho.
6: 6 dias por semana trabalham nesse ritmo.
Pergunta: você conhece alguém fora da China que trabalha 996 como norma? Por aí se pode avaliar em boa parte a competitividade chinesa, a velocidade de seu progresso.
O governo chinês é onipresente e exerce um papel fundamental. Não conseguimos entender a China sem entender o governo chinês. O governo representa a peça central do tripé que precisa ser levado em conta para analisar a nova economia chinesa. O tripé para se entender a China atual consiste em: escala/velocidade/governo. A teoria cunhada com maestria por Adam Smith serviu como pedra fundamental do desenvolvimento de economias de mercado livre ao redor do mundo.
A China vai na contramão; por aqui amputaram a mão invisível. Pois a mão é muito visível, musculosa, vermelha, da cor do partido. Uma das principais conclusões é que o empresariado chinês olha com afinco as diretrizes do governo e as segue. Se quiser fazer bons negócios com a China, lembre-se de estudar os planos quinquenais e os planos do governo em seu setor com a certeza de que os bons homens e mulheres de negócios de sua área investem muitos recursos (tempo, contatos etc.) para entender como seu setor é e será impactado pelo governo, o que nem sempre é fácil.
Nessa nova economia digital, a matéria-prima primordial é pessoal bem qualificado. O governo chinês lançou o famoso “Plano de Mil talentos” em 2008 e já recrutou mais de sete mil pesquisadores e cientistas estrangeiros e chineses que moram fora do país para os incentivar a viver na China.
Quem é aceito, recebe visto especial, salário acima da média do mercado, bônus de 1 milhão de RMB (Renminbi, moeda oficial da China, ou yuan), cerca de 500 mil reais. Também a oportunidade de se candidatar para receber fundos multimilionários para financiar suas pesquisas e a distinção de ser reconhecido como “Especialista Nacional Distinto”.
Capítulo 2 – O essencial: China, superpotência inovadora
A China tornou-se a líder mundial em número de unicórnios (empresas com mais de 1 bilhão de dólares de valuation), um total de 202, seguida pelos Estados Unidos. Esse numero é subjetivo, pois as empresas são privadas. Esses unicórnios chineses estão bem capitalizados e se movem em velocidade de Jedi – especialmente se comparados com as corporações da velha economia.
É impressionante a velocidade com que nascem unicórnios na China. O país criou um novo unicórnio a cada 3,8 dias em 2018. A diferença dos unicórnios chineses é seu acesso quase que exclusivo a um mercado gigantesco, não maduro e em rápida evolução. A maioria dos unicórnios chineses são visíveis na China, mas não são muito entendidos fora dela.
Por mais de duas décadas, os Estados Unidos, liderados por caucasianos do Vale do Silício, reinaram sozinhos no topo dos maiores investidores em startups de tecnologia. Essa liderança em inovação foi um dos pilares vitais para o poder e a dominância norte-americana. Recentemente, chegou um rival de olho puxado ameaçando a posição de líder.
Seguem dados provando o duopólio: em 2017, mais de 75% de todo o capital no mundo investido por VCs em startups veio de duas fontes (Estados Unidos e China). Impressiona notar que, em 2014, o VC da China representava 15% de todo o capital investido por VCs em startups em todo o planeta. Três anos depois, em 2017, já representava 31,5%.
Esses fundos de investimentos apoiados pelo Estado atuam como capital de risco ou fundos de fundos. O governo entra como sócio minoritário, tentando ser dono de até 30% no máximo, e deixa na mão de empreendedores do setor privado o difícil desenvolvimento de áreas, como inteligência artificial, robótica, internet das coisas (IoT na sigla em inglês), entre outras. Esses fundos buscam retornos, e a saída mais comum para eles é ou a startup ser adquirida por empresa maior, ou fazer seu IPO, ou seja, abrir o capital na bolsa de valores.
Na primeira metade de 2018, as startups situadas na China levantaram mais dinheiro do que as startups nos Estados Unidos: US$ 56 bi versus US$ 42 bi. A velocidade desse crescimento é surpreendente: em 2010, apenas US$ 4,6 bi haviam sido investidos em startups na China por VCs.
Em 2017, o valor cresceu catorze vezes, atingindo US$ 64 bi.
O maior investidor em tecnologia do mundo é chinês. De acordo com Forbes, Neil Shen, da Sequoia Capital China, é o bicampeão da lista Midas 2018 e 2019 – mitologia grega, tudo o que o Rei Midas tocava virava ouro. Neil Shen nasceu em Xangai e seu nome original era Shen Nanpeng. Muitos chineses adotam um nome ocidental e, na China, o sobrenome vem primeiro. Shen Nanpeng foi estudar nos Estados Unidos, virou Neil Shen na prestigiosa Yale e trabalhou no mercado financeiro em Wall Street para Deutsche Bank, a Lehman Brothers e o Citibank – antes de voltar à China para empreender.
Ele foi cofundador e CFO do Ctrip.com, espécie de KAYAK ou Expedia Group da China. O Ctrip é um dos apps essenciais para quem quer visitar ou passar uma temporada 
;no território chinês. Depois de ser empreendedor de muito sucesso, Shen decidiu voltar para o mundo dos investimentos e foi convidado para liderar o escritório da Sequoia na China.
Na liderança da Sequoia na China, Shen tornou-se bilionário em dólares. A China só está atrás dos Estados Unidos em números de bilionários. Shen teve papel fundamental em levar para a China o Linkedin, rede social entre profissionais, e o Airbnb, que permite pessoas alugarem quartos de sua casa para estranhos; também liderou investimentos na Alibaba, a gigante com o maior IPO da história da humanidade; na agressiva JD.com, espécie de Amazon da China e na DJl, empresa chinesa que vende mais de 70% dos drones comerciais.
Hangzhou é conhecida na China como o “Paraíso na Terra”.
Ao entrar no site da Universidade Zhejiana, universidade de negócios mais antiga da China, é possível ver explicitamente escrito: “[…] localizada em Hangzhou, Paraíso da Terra”. Quando você contar para qualquer chinês que visitou Hangzhou, ele provavelmente vai fazer comentários elogiosos sobre a ex-capital do império. Ou vai perguntar se foi fazer reunião na Alibaba sediada nessa cidade que fica a cerca de uma hora de trem de alta velocidade de Xangai.
Foi em Hangzhou que a China recebeu líderes do mundo todo quando sediou a conferência G-20 em 2016. Mais de 4 mil voluntários ajudaram na organização do evento que também serviu para ajustar a imagem da China no mundo. O show de luzes de Hangzhou é o mais impressionante já visto – deixa o de Cingapura no chinelo.
Hangzhou é a terceira cidade da China com o maior número de unicórnios (atrás apenas da capital Pequim e de Xangai e na frente de Shenzhen). Em maio de 2019, o número era dezenove, de acordo com o Instituto Hurun. São mais unicórnios naquela cidade de cerca de dez milhões de habitantes que no Brasil inteiro. A cidade construiu a Dream Town, região de 3 mil quilômetros e local utópico para empreendedores. Onde antes havia celeiros de grãos, agora se concentram incubadoras, aceleradoras, fundos e espaços modernos na cidade dos sonhos dos empreendedores.
Com mais de trinta incubadoras e 1.386 fundos com capital comprometidos de mais de 40 bilhões de dólares, a Dream Town oferece condições quase que inacreditáveis para startups e empreendedores do mundo inteiro que passam no seu processo seletivo. O governo também investe milhões diretamente.
Não dá para entender a nova China sem analisar seu progresso na Inteligência Artificial (IA). Você já deve ter ouvido que “dados são o petróleo da nova economia”. A inteligência artificial existe há mais de cinquenta anos. Entretanto, uma das razões principais para o avanço recente é a quantidade de dados disponíveis. Quanto mais dados, melhor para avançar na inteligência artificial.
Sem uma quantidade expressiva de dados, a inteligência artificial tem dificuldade em progredir. A China tem uma população mais de quatro vezes superior à dos Estados Unidos. Além disso, os chineses estão mais habituados a pagar por dispositivos móveis. Em 2016, foram gastos na China mais de 9 trilhões de dólares em pagamentos por dispositivos móveis (smartphones, tablets etc.) e nos Estados Unidos foram gastos apenas 112 bilhões de dólares – cerca de oitenta vezes menos.
Dentro da abrangência da IA, uma das empresas líderes em reconhecimento facial é a gigantesca Megvii. Sua plataforma aberta permite a qualquer pessoa desenvolver aplicativos usando seu algoritmo. Em pouco tempo, ela se tornou a maior plataforma de reconhecimento facial do mundo, com 300 mil desenvolvedores de 150 países.
Outros fatores essenciais para entender a liderança chinesa em IA incluem a atuação do governo e a quantidade de capital dedicado a essa tecnologia. O governo chinês anunciou publicamente sua intenção de ser o principal centro de inovação em inteligência artificial até 2030.
Capítulo 3 – O essencial: China no mundo
Desde 2014, a China é a maior economia do planeta. Se levarmos em consideração a PPP (Paridade do Poder de Compra ou Purchase Power Parity na sigla em inglês), em vez do PIB nacional, a China é, de fato, a maior economia do mundo. A PPP mede quanto determinada moeda pode comprar em termos internacionais, visto que produtos e serviços têm diferentes preços em distintos países. A PPP leva em consideração tanto o custo de vida quanto o retorno dos investimentos.
Ou seja, a PPP conta quanto você precisa ter na China para ter a mesma qualidade de vida que nos Estados Unidos – certamente menos capital é necessário, pois aluguel, alimentação, transporte público, entretenimento e outros itens do dia a dia são, geralmente mais baratos. Serviços tendem a custar menos na China que nos Estados Unidos, em grande parte por causa de salários mais baixos.
PIB nominal. Em termos de PIB nominal, a China ainda está atrás dos Estados Unidos, mas há um consenso entre especialistas de que não é uma questão de se a China vai ultrapassar os Estados Unidos, mas uma questão de quando isso acontecerá. O Fundo Monetário Internacional (FMI), fundado em 1944 na convenção de Bretton Woods e sediado em Washington, estima que a economia chinesa passará a economia norte-americana até 2030, em termos de PIB nominal.
Ser ultrapassado pela China no tamanho da economia não significa necessariamente algo negativo para os Estados Unidos. É importante destacar que a liderança norte-americana em PIB per capita em relação à China seguirá intocável por muitos anos. Em termos nominais:
- Em 1980, o PIB per capita na China era US$ 309 versus, nos Estados Unidos, US$ 1.553 dólares.
- Em 2020, o PIB per capita na China estava previsto em US$ 10.971 versus, nos EUA, US$ 67.082.
Projetado para preparar jovens líderes para servir como ponte entre a China e o resto do mundo, a Schwartzman Scholars é uma bolsa de estudos criada para responder aos principais desafios geopolíticos do século XXI. Os aprovad
os fazem pós-graduação de um ano em Assuntos Globais na Universidade Tsinghua, conhecida como a principal universidade da China, onde estudaram tanto o presidente Xi Jinping quanto o ex-presidente Hu Jintao. A primeira turma começou em 2016.
Cerca de 45% dos estudantes são dos Estados Unidos, 20% da China e o restante de outras partes do mundo. Todos os aprovados ganham a bolsa, moram dentro da universidade e recebem uma ajuda de custo. Há um brasileiro que lidera a cadeira de negócios internacionais no programa Schwartzman Scholars e leciona na Universidade Tsinghua. Trata-de Alessandro Golombiewski Teixeira. Ocorre que poucos brasileiros aproveitam essa oportunidade, aberta a todo o mundo. Poderia haver mais inscrições de brasucas. Condições: ter inglês fluente, bacharelado e idade entre 18 e 29 anos.
China e Brasil. Em 2009, a China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil, destronando oitenta anos de dominação dos Estados Unidos como nosso maior parceiro. O Brasil era tão dependente da China, que algumas pessoas do mercado financeiro descreviam o Brasil como “derivativo” da China. Derivativos são contratos, cujos preços dependem do valor de outro ativo. Essa expressão revela como o desempenho do mercado brasileiro estava vinculado ao da China.
O Brasil representou 55% dos investimentos feitos por empresas chinesas na América Latina entre 2005 e 2018. O Investimento Estrangeiro Direto cumulativo chinês (FDI em inglês) na América Latina atingiu cerca de US$ 200 bi em 2017 (incluindo territórios com grandes setores financeiros offshore), de acordo com o Bureau Nacional de Estatísticas da China. O objetivo chinês é fazer o comércio total China-América Latina chegar a US$ 500 bi até 2025.
Nos últimos dez anos o foco da parceria comercial China-Brasil tem sido mais relacionado a ativos da velha economia como portos, telecomunicações agricultura, recursos energéticos e minerais etc. Desde 2009, a China tem sido a maior parceira comercial do Brasil, incluindo as seguintes commodities: soja, minério de ferro e petróleo.
A Nova Rota da Seda, que a China está desenvolvendo, tem o nome de BRI (Belt and Road iniciative – Iniciativa do Cinturão e da Rota). O nome pode parecer confuso para nós, mas envolve a promessa do governo chinês de investir US$ 1 tri no exterior para desenvolver as novas rotas de comércio terrestres (cinturão) e marítimas (rota) ao redor do mundo. A BRI foi evoluindo, e o que começou focado em infraestrutura – estradas, ferrovias, portos, aeroportos, fibras óticas, dutos, usinas de energia etc. – agora também engloba projetos educacionais, digitais, esportivos etc.
Durante a visita do primeiro-ministro Li Keqiang para o Brasil, o governo chinês deixou clara a vontade de participar na licitação de um projeto estrutural para a América do Sul: a ferrovia ligando o Brasil e o Peru, que obviamente seria considerada um exemplo na América do Sul de projeto BRI. A ambição declarada é bancar a espinha dorsal de uma rede ferroviária na América do Sul, que encurtaria consideravelmente o tempo – e preço – do transporte de produtos até a Ásia.
Capítulo 4 – Os essenciais: protagonistas da nova economia da China
Alibaba e Jack Ma
Não há como falar da Alibaba, a maior empresa de capital aberto da Ásia, sem falar no seu fundador, Jack Ma. Ele é idolatrado na China. Wall Street também o ama. Ele é a pessoa mais rica da China segundo a última lista da Forbes, com fortuna pessoal estimada em US$ 37,5 bi. Jack Ma nasceu em 1964 em Hangzhou com o nome chinês Ma Yun, depois ocidentalizado para o magnata Jack Ma.
Seus pais amavam pingtam, arte tradicional chinesa que mistura canto e comédia para contar histórias. Depois da visita do presidente Nixon a Hangzhou em 1972, a idade natal de Ma Yun tornou-se um polo para turistas. Ele acordava às cinco da manhã e pedalava até o principal hotel da cidade, onde hoje é o Shangri-la, para passar o dia mostrando os pontos turísticos da cidade em troca de aulas em inglês. O apelido Jack foi de autoria de um turista de quem se tornou amigo.
Tentou o gaokao, espécie de vestibular para entrar na universidade. Tentou duas vezes e não conseguiu. Por fim resignou-se em entrar no não muito prestigiado Instituto de Professores de Hangzhou. Graduou-se em 1988 com bacharelado em inglês. Candidatou-se para trinta empregos e foi rejeitado. Depois de muitas tentativas de trabalho, Jack arrumou um no Instituto de Eletrônica da cidade. Ensinava inglês ganhando 15 dólares por mês. Foi eleito um dos melhores professores.
Água mole em pedra dura… Graças ao seu completo domínio do inglês, Jack foi enviado aos Estados Unidos para resolver uma disputa com uma empresa norte-americana. Tinha trinta anos na ocasião. Estando nos States, descobriu que a empresa não existia e foi trancado numa casa de praia por recusar uma tentativa de suborno.
Depois, foi levado para Las Vegas e trancado num quarto de hotel em cima de um cassino. Escapando de lá, ganhou US$600 dólares em máquinas caça-níqueis e fugiu para Seattle, onde tinha amigos que conheceu quando era guia turístico. Jack era obcecado pelo filme Forrest Gump, imortalizado por Tom Hanks. Ou seja, um filme que retratava um pouco de sua aventurosa trajetória.
Em Seattle – onde foram fundadas a Microsoft e a Amazon –, Jack Ma teve contato com a internet, pela primeira vez. Voltou à China decidido a lançar um negócio relacionado à internet. Em 1995, ele fundou o primeiro diretório online de telefones da China, espécie de Páginas Amarelas pela internet. Vendeu esse negócio para o governo e mudou-se para a capital Pequim para trabalhar para o governo no Ministério de Comércio Internacional e Cooperação Econômica.
Enquanto morava em Pequim, Jack teve a ideia de começar um site de
e-commerce para conectar as pequenas empresas da China com compradores online. Convenceu mais dezessete pessoas a serem cofundadores e mudou-se de volta para Hangzhou. O primeiro escritório foi no seu apartamento, que se tornou um “apertamento” para a turma até as coisas fluírem mais favoravelmente. O nome para a empresa foi achado por Jack Ma num café em São Francisco. Ele pediu a opinião de frequentadores sobre a palavra Alibaba.
Alguns a identificaram com o Ali Babá da lenda, que usava a senha “Abre-e Sésamo”. Houve outros nomes, como Ali Mama, mas Jack ficou com Alibaba, porque queria “Abre-te, Sésamo, para pequenas e médias empresas”.
Pouco depois da fundação, a Alibaba.com começou a atrair usuários de todas as partes do planeta –ávidos em comprar barato da então fábrica do mundo. Em outubro de 1999, a empresa já tinha levantado 5 milhões de dólares da Goldman Sachs e 20 milhões da Softbanck, de Son, o homem mais rico do Japão e grande investidor em empresas de tecnologia.
IPOs. Em 2007, a Alibaba abriu seu capital na bolsa de Hong Kong, um ano depois de sua arquirrival eBay abandonar a China. No ano anterior, 231 milhões de clientes gastaram US$ 248 bi nas plataformas Alibaba, mais que a Amazon e o eBay combinados. Em 2012, a Alibaba delistou de Hong Kong. Em 2014, a empresa abriu o capital na bolsa de Nova York (NYSE: BABA). Foi o maior IPO da história, levantando mais de US$ 25 bi.
Jack Ma disse na ocasião: “O que levantamos hoje não foi dinheiro, foi confiança e responsabilidade que temos”. Em 2013, Jack Ma deixou de ser o CEO para tornar-se presidente executivo. Em setembro de 2018, Jack anunciou publicamente que se aposentaria da função de presidente executivo do grupo e passaria a baqueta para Daniel Zhang, o que ocorreu.
Quando a China era a fábrica do mundo, na década de 1990, Jack Ma percebeu que comerciantes, varejistas e pequenos negócios que compravam em atacado da China precisavam ou ir até a China, ou contratar alguém para o fazer. A Alibaba.com – o primeiro negócio do Grupo Alibaba – nasceu para ser uma plataforma para quem compra e vende em atacado, conectando, com segurança e agilidade, compradores (varejistas, fabricantes, comerciantes, pequenos negócios) do mudo todo com fabricantes chineses.
A Alibaba é frequentemente chamada de “Amazon da China”, mas tem mais em comum com o eBay, o Mercado Livre ou o Google. A empresa prefere não vender produtos diretamente, mas funciona como uma espécie de bazar online, no qual pequenos e grandes fornecedores podem vender seus produtos para clientes em potencial.
A Alibaba ganha a maior parte de seu dinheiro vendendo anúncios vinculados a resultados de pesquisa de palavras-chave, como o Google, e às vezes cobrando uma comissão por transações, como o eBay. É um modelo de negócio simples e comprovadamente bem-sucedido. Na essência, a empresa gosta de ser uma plataforma ou um ecossistema que conecta compradores com vendedores.
Cashless Society. A sociedade chinesa já é o mais perto que temos de uma sociedade cashless (sem dinheiro em espécie). Quando brasileiros vêm visitar o país ficam chocados que até mendigos andam com seu próprio QR code impresso. E em vez de pedirem dinheiro, pedem para “escanear” em seu QR code (que significa “quick response code” ou código de rápida resposta).
Na China, vários estabelecimentos não aceitam cartão de crédito nem dinheiro como métodos de pagamento e o pagamento pelo smartphone (especialmente pelo Alipay e pelo WeChat Pay) impera em cafés, restaurantes, feiras, hospitais, transportes públicos, lojas de grife, entradas em templos etc.
Essa proliferação do uso de smartphones no pagamento gera muito mais dados do que compras com dinheiro.
Tencent e WeChat. O WeChat foi lançado em 2011 como Weixin (micromensagem em mandarim). Como o nome sugere, o app originalmente funcionava como um simples aplicativo de mensagens – na essência, um equivalente chinês ao WhatsApp. O WeChat evoluiu e tornou-se um superaplicativo. Imagine se o Whatsapp tivesse engolido o Facebook, a Netflix, a Amazon, a Paypal, o Twitter, o Yelp, o Tinder, o Spotify, o Uber, o Slack, a Instagram, o Decolar e muito mais.
O resultado seria o WeChat. No WeChat, posso pagar conta de luz e água, colocar crédito no celular, investir dinheiro, chamar carona, encontrar um par romântico, pedir café, comprar passagem de trem ou ônibus, reservar o quarto de hotel, pedir empréstimo, jogar jogos, pagar qualquer coisa para praticamente qualquer pessoa, fazer doação etc.; o alcance é tão completo na China que é usado até mesmo para facilitar a comunicação entre juízes e litigantes em processos judiciais chineses. Enquanto no Ocidente precisamos visitar vários aplicativos para diferentes serviços, na China, está tudo dentro do WeChat.
O WeChat foi desenvolvido e pertence à gigante chinesa de tecnologia Tencent Holdings – que chegou a ser a quinta maior empresa de capital aberto do mundo e a primeira chinesa a ter valor de mercado superior a 500 bilhões de dólares. A Tencent é uma holding diversificada, mas a joia da coroa é o superaplicativo WeChat. As duas principais vencedoras da nova economia digital na China são indiscutivelmente a Tencent e a Alibaba. Há várias outras, mas essas duas são definitivamente as maiores e mais dominantes. A norma é que as startups de sucesso optem por operar dentro do ecossistema da Tencent ou da Alibaba.
Capítulo 5 – Educação e estudo na China
Qualquer tratado sobre a China que não se aprofunde em como são encarados a educação e o estudo no país não só é incompleto, como também irresponsável. A matéria-prima fundamental nessa nova economia digital é cérebro
bem treinado. Edtech é o termo que define startups focadas no mercado da educação. A China é a líder em edtechs. Em 2018, a China recebeu mais de 50% de todo o capital que foi investido por VCs em edtechs. De fato, as edtechs chinesas receberam mais capital do que a quantia somada de todos os outros países do mundo.
Apenas em Pequim são 3 mil edtechs. Apesar de a população de Pequim ser de mais de 20 milhões de pessoas, a concentração de edtechs por pessoa na capital chinesa é a maior do mundo, com cerca de 120 edtechs para cada milhão de pessoas, seguido por nova York (117), Vale do Silício (91) e Bangalore (77).
Na China, não é apenas a quantidade de capital e de startups que impressiona, mas também a qualidade das líderes – eles atingiram relevância global muito rapidamente. Quantos unicórnios em edtechs existem no mundo? Em 2018, nasceram 97 novos unicórnios chineses, ou um a cada 3,8 dias em média. Em julho de 2018, entre os dez maiores unicórnios de edtech do mundo, seis haviam nascido na China – lembrando que unicórnio é empresa de capital fechado, com valuation de ao menos US$ 1 bi.
O pragmatismo chinês, alinhado à disciplina forjada por extrema competição, ajuda a explicar por que o país é o grande líder mundial em número de alunos graduados em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). O número absoluto de graduados em STEM na China já é impressionante. O número relativo ajuda a comprovar a tese de que a China continuará sendo uma superpotência inovadora. População da China (aproximadamente 1,4 bilhão) é cerca de 4,3 vezes maior que a população dos Estados Unidos (cerca de 320 milhões de habitantes). No entanto, o número de graduados em STEM é por volta de 8,27 vezes maior.
O fato de a qualidade do professor interferir com a qualidade do aprendizado é um grande desafio num país do tamanho da China. O governo investe pesado em aplicação de tecnologia na sala de aula para preencher lacunas e proporcionar ensino de qualidade para crianças com fome de aprender, mas sem acesso a recursos.
Os alunos estão dispostos a gastar tempo e esforço, suas famílias estão dispostas a investir dinheiro, e esse público cativo deu origem ao crescimento exponencial de edtechs na China, um setor totalmente novo, com startups se esforçando para faturarem milhões enquanto ajudam as pessoas a estudarem.
Em 2018, ficou claro para os especialistas que a China largou na frente na aplicação de IA na educação. Em algumas escolas, utilizam-se câmeras com tecnologia de reconhecimento facial para monitorar a atenção dos estudantes em sala de aula e fazer a chamada. Em outras escolas, é normal ter robôs interagindo com as crianças; impressoras 3D estão em centenas de milhares de escolas e ainda há aquelas que deixam a IA corrigir redações.
A China chegou atrasada na primeira revolução industrial, mas o governo decidiu que liderará a próxima revolução encabeçada por IA e já inclui o estudo de IA em escolas por meio de livros – fundamentos de inteligência artificial.
Em 2019, o Ministério de Educação aprovou 35 universidades para criar curso de inteligência artificial, inclusive as duas principais universidades de Pequim, de Peking e de Tsinghua. Na China, 479 universidades já oferecem cursos relacionados a big data.
Resenha: Rogério H. Jönck
Imagens: Unsplash
Ficha técnica:
Título: O Poder da China
Autor: Ricardo Geromel
Primeira edição: Editora Gente
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